23 de novembro de 2008

Acontecimentos em Faro, 1828


Caros Leitores, enquanto não divulgo mais informação sobre Lecor, pensei diversificar um pouco e entrar na temática sempre interessante da Guerra Civil de 1828 a 1834, nomeadamente no que diz respeito não só a Faro, cidade onde vivo, mas também a familiares de Lecor que nestes acontecimentos participaram.

A Guerra Civil foi o conflito dessa natureza, o mais sangrento e ideologicamente activo. Duas concepções radicalmente diferentes do que devia ser Portugal chocaram de uma forma extremamamente partidarista e agressiva. Assim, como todas as guerras civis, famílias se viam divididas, em cada lado das barricadas. No Algarve, triunfaram na fase inicial do conflito, como em todo o país, os partidários do Absolutismo e de D. Miguel.

Transcrevo uma carta de António Nicolau Sabo, escrita de Gibraltar a 29 de Agosto de 1828, dando conta do que se passou em geral no Algarve e em particular em Faro. A mesma carta foi publicada num apêndice ao periódico "O Padre Amaro, ou Sovéla, Política, Histórica e Literária", em 1828.

Chamo especial atenção à participação de António Pedro Lecor, então Governador da Praça de Faro, e a João Pedro Lecor Buys, oficial de Artilharia e sobrinho de António Pedro (e de Carlos Frederico), filho de Maria Leocádia Leonor Lecor e de João Pedro Buys. Cada um deles escolheu um lado diferente das barricadas.


EXPOZIÇÃO DOS ACONTECIMENTOS DO ALGARVE, POR OCCAZIÃO DA RE-ACLAMAÇÃO D’EL REI, O SENHOR D. PEDRO IV.


Sendo constante no Algarve, por communicações exactas, e verídicas, recebidas de Coimbra, e do Porto, que n’esta Cidade se havia re-aclamados no dia 15 de Maio, no Campo de S. Ouvidio o legitimo Governo de S. M. El Rei o Senhor D. Pedro IV, e que se havia instalado uma Junta governativa, para restaurar os sagrados direitos d'aquelle Augusto Monarcha, e da Nação Portugueza, direitos nefanda, e sacrilegamente violados pelos mais criminosos conspiradores ; foi então que na mesma Província os amantes da Pátria, e do seu legitimo Rei não sofferendo os impulsos dos seus nobres desejos, e inflamados por táo grande exemplo d'honra e brio nacional, tomarão sobre si a empreza de fazer em seu paiz uma igual restauração ainda que fosse á custa dos mais importantes sacrifícios. Para este fim no dia 24 de Maio passado foi convidado o Tenente Coronel Luiz José Maldonado Commandante do 2.º Batalhão d'Infanteria N.º 2, pelo Coronel José de Mendonça Corte Real, commandante do Regimento de Milicias de Lagos, para uma entrevista que se devia fazer em Alvor, aonde devião concorrer alguns Portuguezes, sem se lhes declarar a que fim, o qual, annuindo ao dito convite, se dirigio a mencionada Villa, onde encontrou o Capitão de Milicias — Mello, e juntando-se com o Coronel Luiz Garcia de Bivar, e os Majores Frederico Maurício Peyrant Chateauneuf, d'Artilheria N.o 2, e Francisco Neri Caldeira, de Milicias de Lagos, decidirão que, no caso de se verificarem no seguinte correio as noticias do Porto, immediatamente farião proclamar o legitimo governo de S. M. o Senhor D. Pedro IV., para cujo fim contavaõ com o Regimento de Milícias de Lagos, com um Batalhão de Tavira, com o 2° Batalhão d'Infanteria N.º 2, e com grande parte do 2º. d'Artilheria; mas que desejavaõ saber a opinião do 1.° Batalhão d'Infanteria Nº. 2, então commandado pelo dito Tenente Coronel, Maldonado. Este official declarou que naõ se podia contar com o 1. Batalhão, por estar de sentimentos oppostos á boa causa, á excepção dos officiaes inferiores, sem que primeiro se tivesse realisado a desejada aclamação, nos outros pontos; porque haria sido altamente sedusido o dito lº. Batalhão pelo Capitão do mesmo Ludovico Jozé da Roza, e outros agentes do partido faccioso. A'vista d'esta circunstancia conveio o Coronel Mendonça que se fizesse a aclamação primeiro em Tavira pelo 2º. Batalhão d'Infanteria Nº. 2. seguindo em Faro, para onde o seu Regimento e o 2°. Batalhão marchariâo, e deviSo apparecer ao romper do dia, sem com tudo se desiguar este, e que, na dita cidade, o Major Chateauneuf assumiria o commando do 2.º Regimento d'Artilheria, feita a aclamação; 3°., que em Lagos se fizesse, quando a prudência o dictasse, ou quando se aproximassem forças com que se podesse contar.

No dia 25 ás nove e meia da noute, o Governador da Praça de Lagos, António de Sá Carneiro, e o Capitão Ludovico se dirigiSo ao quartel do Regimento, accompanhados pelo Ajudante da Praça Jozé Elisbão, e causando isto grande novidade ao Tenente Coronel Maldonado marchou immediatamente de sua caza, para lhes ir sahir ao caminho, mas não lhe sendo possível encontra-los os foi achar metidos ás escuras no quartel da Ia. Companhia; á porta do quartel estavSo alguns paizanos, aos quaes se hião reunindo outros armados com piques, os quaes fazião altos alaridos, dando todos repetidos vivas subversivos.

Foi então que o Tenente Coronel Maldonado se dirigio ao Governador, para saber o motivo porque a semilhantes horas entrava no quartel do Regimento ; porem a resposta forão impropérios da parte do Governador accusando a Maldonado de tiahir ao Senhor D. Miguel, e por haver mandado distribuir pólvora ás companhias declarando ter em seu poder uma carta, que tudo denunciava, sabendo-se depois ser a mesma do Tenente Coronel reformado Francisco de Paula Sarrea (pelo qual serviço hoje se acha Coronel Commandame do Regimento de Milicias de Lagos) ouvindo isto os Soldados, e instigados pelo Governador, e Capitão Ludovico, principiarão a amotinar-se, e a lançar mão das armas, e apezar que o Tenente Coronel Maldonado obteve á custa dos maiores esforços tranquiliza-los, foi por momentos; porque os Soldados, sendo de novo instigados pelos dous seductores, se revoltarão de tal maneira, dando vivas ao Governador, e ao Infante, que bastou Loduvico assenar-lhes que fossem buscar a bandeira ao quartel de Maldonado seu Chefe, para romper em altos gritos; e foi então que a 5ª. Companhia, acompanhada de muito povo, e dos mencionados dous seductores, commetteo o attentado de ir tumultuosa, e violentamente a Secretaria do Regimento buscar a dita bandeira, e deposita-la no quartel do Governador ; Maldonado, vendo taes procedimentos se recolheo ao seu quartel, e passado um quarto d' hora teria sido victima da ferocidade brutal do povo, e Soldados amotinados, senão fosse avizado por um fiel sargento, que os preversos se destinavão a ir assassina-lo mesmo ao seu quartel, Maldonado então foi constrangido a refugiar-se, e os preversos continuarão toda a noute em alarmes e gritarias, dando vivas, pedindo mortes, e prisões, capitaneados sempre pelo Governador, e Capitão Luduvico procedendo á prisão de immensas pessoas. Taes são em resumo os fataes accontecimentos de Lagos.

No dia 25 o Major Mello, ignorando totalmente os acontecimentos de Lagos fez re-aclamar em Tavira a El Rei o Senhor D. Pedro IV ; e naõ se deliberando a prender o infame General Palmeirim (alto protector dos inimigos da causa da legitimidade, e o primeiro cooperador dos feitos rebeldes e atrozes do Algarve) por ver a promptidaõ com que o dito General annuira á restauração, naõ se lembrando quanto lhe fora recommendada a prisão, nem conhecendo que um semelhante procedimento da parte do General naõ era mais, que um manejo caviloso, para realisar a seu salvo suas preversas intenções.

Ficando pois Palmeirim em liberdade pôde pelos seus agentes, naõ só rebellar o 1.º Batalhão do 2º. Regimento d'Infanteria, estacionado em Lagos, mas igualmente revoltar o povo de Tavira, com parte da Companhia de granadeiros, e uma d'Artilheria, que alli se achava, chegando o excesso dos amotinadores a tal ponto, que surprehenderaõ o Destacamento de Castro Marim, causado pelo Alferes Joaquim Thomaz de Mendonça Pessanha, e por espaço de uma legoa perseguiraõ a retaguarda do restante do 2°. Batalhão d'Infanteria N". 2, commandado pelo Major Mello, que teve de fazer retirar os Soldados precipitadamente sem levarem mochilas, nem provisões de guerra.

O Coronel Mendonça com o Regimento do seu commando se apresentou nas immediações de Faro na madrugada do dia aprasado; porem o Regimento d'Artilheria No. 2 com a popolaça sabendo que no dia 25, em Tavira se tinha realisado a acclamaçaõ d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., se amotinarão por tal forma, que naõ houve excesso algum, que despejadamente naõ commettessem contra os defensores da legitimidade, pedindo a morte dos mesmos, concorrendo em grande parte para esta desordem o apoio do Veriador servindo de Juiz pela Ordenação Manoel Jozé Sanches, e o Coronel, Commandante do Regimento d'Artilheria N.º 2, Joaquim da Cruz, seguindo-se os horrores da anarchia.

Ninguém ignorava em Faro que por meio de dinheiro se seduziaõ havia tempos os Soldados d'Artilheria No. 2, cuja empreza estava a cargo dos cónegos, Felipe Joaquim Gliz e Souza, Manoel Aleixo, Duarte Machado, Jozé Viegas Esperança, e Manoel da Silva Mendonça, assim como dos Beneficiados, António da Ponte Contreiras, Pedro Roiz Taveira, e Jozé Poêro Carajola, o Juiz d'Alfandega, Pedro Vitto de Andrade, distribuindo o dinheiro pelos soldados por via de certos agentes da mais ínfima relé, fazendo persuadir os mesmos que elles iaõ a ser castigados com degredo por naõ haverem annuido ao partido do Infante, quando em Outubro de 1826, se tinhaõ declarado o Regimento N°. 14, e Batalhão de Caçadores N°. 4, e que só poderiaõ escapar ao castigo, fazendo acclamar o Senhor Infante, achando-se até ao presente illudidos pelos seus officiaes, que eraõ todos Pedreiros Livres, aparecendo as mesmas ideas annunciadas em proclamações affixadas junto ao quartel do dito Regimento ; pois bem viaõ os malvados, que naõ tendo o seu partido aquella força militar, naõ podiaõ arrostar com os legitimes amantes d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., e tanto que bem poucos homens de consideração deixarão de ser presos, ou fugirão. Avizado o Coronel Mendonça do que se passava em Faro, julgou a propósito dirigir-se a Olhaõ, para se reunir com o corpo do commando do Major Mello, e reunidos que foraõ na dita Villa o Regimento de Milícias de Lagos, e o 2.º Batalhão d'Infanteria N.° 2, e muitos paizanos armados, que de Faro se reunirão, marcharão sobre esta cidade na madrugada do dia 28, commandados por Mendonça, e por Mello.

O Regimento N.º 2, d'Artilheria, e os servis todos amotinados, sabendo as intenções d'aquelles corpos, se apoderarão immediatamente dos paioes, e cazas de arrecadação ; e por mais esforços, que alguns officiaes fizeraõ, para desvia-los de semelhante tentativa, tudo foi baldado ; chegando a sua fúria e insubordinação a quererem assassinar o capitão Duarte Daniel Pereira do Amaral, que pôde escapar-se, e reunir-se em Olhaõ com o Escrivão da Camera de Faro, expondo os mesmos aos Commandantes da força armada o estado horroroso d'aquella Cidade. Naõ obstante isto, o referidos chefes julgarão do seu dever naõ desistir de taõ nobre empreza, e apezar que o dito Regimento d'Artilheria tinha assestado a artilheria em todos os pontos importantes, cobrindo principalmente as alturas, que dominavâo a estiada d'olhao, com tudo os corpos combinados, não esperando encontrar t5o grande resistência, ainda que lhes faltava a pólvora necessária, e até pederneiras (o que fora motivado pela revolta de Tavira, e Faro) assim mesmo chegarão a pouca distancia d'esta Cidade pelas 4 horas da madrugada, do dia 28.

Foi então que na estrada denominada das Lavadeiras começou a vanguarda a sofrer um vivo fogo d'artilheria, e mosqueteria dirigido pelo mesmo 2.° Regimento, e paizanos armados. Travou-se um vigoroso choque, e tiroteo de parte, a parte, tendo os inimigos a vantagem do logar, e a superioridade das duas armas, alem da muita pólvora, e munições de que se haviâo apoderado. Durou o combate por espaço de três horas : as tropas fidelissimas forão obrigadas a ceder, e a tocar a retirada, por não lhes restar um só cartuxo. Foi n'este momento que entrou a dissolução, e discorsuamento nas fileiras. Os Soldados começarão a debandada, e a muito custo dos oficiaes poderão fazer uma retirada em forma até Olhão.

Vendo-se os officiaes, e todos os bons Portuguezes, que havião concorrido para a sustentação da legitimidade, distituidos de todo o recurso, formarão o projecto de se retirarem para Beja, atravessando a serra de S. Braz, plano a que adheriaõ todos os que se achavão em circunstancias de o abraçar : por que muitos não tinhão cavallos, ou não podião contar com elles, pelo desfalecimento que havião sofrido, restando- lhes unicamente, para se evadirem ao perigo, o recurso de se occultarem.

Os amotinadores de Faro, conhecendo a retirada, expedirão sobre os infelizes alguns bandos de malvados, havendo o capitão-mor, Jozé Bernardo da Gama Mascaranhas de Figueiredo, com antecipação passado as mais terminantes ordens ás Aldeãs, para perseguirem os fugitivos, com tal resultado que os prenderão, conduzindo-os a Faro na tarde do mesmo dia 28, pelas 7 horas, aonde forão recebidos pelos preversos com fogos de alegria. N'esta occasiaõ foi assassinado, e feito em pedaços com a maior crueldade o desventurado Major Chateauneuf, sendo os culpados d'esta morte os infames Jaques Felipe Landrecet, e o Capitão Luiz Guilherme Coelho, que aproximando-se do Major o principiarão a arguir, perante a multidão, do seu procedimento, excitando assim estes dois monstros os malvados para o assassínio, e foraõ os únicos officiaes, que tomarão sobre si o dirigir o Regimento, sendo estes os commandantes no fogo contra as tropas fieis. Escaparão n'esta occasiâo felismente á morte o Capitão Amaral, e o Major Caldeira. O Coronel Bivar escapou afortunadamente, passando. d'Olhão para bordo da escuna Nimfa, que se achava junto da barra. O Commandante d'esta embarcação o segundo Tenente da Armada Real, Francisco Xavier Auffdiener, havendo se conservado junto a Faro, se retirou d'esta posição, por ser avisado pelo Governador da Praça, António Pedro Lecor, que do Castello e pertendia fazer fogo sobre a Escuna, dando-se por motivo d'este procedimento agressivo o ter elle commandante dado protecção a seu bordo a muitos coustitucionaes. No meio d' esta crise, resolveo recolher-se ao Porto de Gibraltar, por que a Escuna não perrnitia outra viagem pelo seu estado de ruina; e com effeito realisando o seu projecto chegou a este porto no dia 7 de Junho do corrente anno trazendo a seu bordo alem do seu immediato, o Segundo Tenente da Armada Real, António Herculano Rodrigues, o Commandante do Cahique de Guera Inveja, Hermano Bastos de Azevedo, segundo Tenente da mesma Armada Real, o Tenente Coronel, graduado em Coronel do Regimento de Milicias de Lagos, Luiz Garcia de Bivar, António Nicolão Sabbo, João Pedro Lecor Ruiz [Buiz, referindo-se a Buys], aos quaes deu um generoso acolhimento, fugindo assim aos tristes males, que os ameaçavão no meio da sua disgraçada Pátria.

Gibraltar 29 d'Agosto de 1828.
ANTÓNIO NICOLAO SABBO.

21 de outubro de 2008

Viagem de Campo - Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira

Em posts anteriores, acerca das unidades de Carlos Frederico Lecor, referi-me ao Regimento de Artilharia do Algarve (o n.º 2, a partir de 1806) como a sua primeira unidade. De facto, tal não é inteiramente verdade. Lecor, antes de ingressar, nos finais de 1794, como 1.º Tenente da 9.ª Companhia, no Regimento sediado em Faro, ainda cumpriu serviço em duas unidades entre 1793 e 1794 - o Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira e a Praça da Vila Nova de Portimão. No primeiro, foi soldado, cabo-de-esquadra e sargento de artilharia pé-de-castelo (de guarnição); no segundo foi ajudante do Governador, presumivelmente já como oficial.

Antes de prosseguir, devo referir que entre os militares oriundos da burguesia era vulgar acessarem à classe de oficiais a partir de praça, na medida em que não podiam acessar a cadetes. No entanto, a sua categoria era em tudo semelhante à de cadetes, pois estudavam activamente para serem oficiais. Em muitos documentos oficiais, encontramos mesmo a designação sargento-cadete.

Ora, tendo isto tudo em vista, decidi fazer uma viagem para visitar a primeiríssima de todas as unidades deste grande oficial. Como o Forte de S. João é hoje um hotel, em Cabanas de Tavira, não visitei o interior, ficando isso para outra altura, presumivelmente pagando 100 euros em época baixa para poder dormir nos, hoje, luxuosos quartos onde dormiram há 200 anos os oficiais inferiores (actualmente dir-se-iam sargentos).

O Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira, também designado por Forte da Conceição, Forte de S. João Baptista ou simplesmente Forte de S. João, foi mandado construir em 1670 pelo então Conde de Val de Reys, Capitão General do Reino dos Algarves para proteger a passagem da barra de Tavira para a Ria Formosa, assim como tomar o registo de todas as embarcações que entravam e saiam. O Forte é basicamente uma estrela de 4 pontas, com baluartes nos ângulos, dois deles virados à Ria. A porta principal está virada para terra e tem placas indicando a construção inicial e a posterior reedificação por outro Conde de Val de Reys, D. Nuno de Mendonça e Moura, trineto do primeiro.

Como nos informa a ficha deste forte no sítio do IPPAR [aqui], com "o açoreamento da ria e o desvio da barra para nascente, a fortaleza da Conceição perdeu as suas funções militares", acabando o imóvel por cair em mãos privadas no primeiro quartel do século XX. Segundo apurei, o hotel que está lá hoje aproveitou bastante bem o espaço, não o descaracterizando por aí além, sendo avaliado por alguns turistas como um excelente Bed & Breakfast - já agora, deixo aqui a ligação.



Não vi o hotel por dentro, embora me roa a curiosidade. A porta estava ciosamente fechada, guardada e filmada. Quem sabe alguma alma caridosa me deixasse penetrar o reduto, mas confesso que o exterior me deixou satisfeito. Embora um viçoso arvoredo vista as muralhas viradas a terra, para Norte e Leste, as muralhas estão bastante visíveis nos outros lados, permitindo ver um forte extremamente bem preservado e bastante bonito, no seu estilo sóbrio do século XVII.

Este forte honra a belíssima zona que o envolve, junto a Cabanas de Tavira, à direita de Tavira, com a sempre fantástica Ria Formosa em frente. Antes de ir ao forte propriamente dito, não hesitei em passear à beira-Ria que estava a encher, num dia que, se nublado, não nega ao Algarve a sua luz de sempre, mais ainda reflectida pelo azul atlântico do mar salgado que se estende, parece, ao infinito.

Sem dúvida, um belo passeio que só me puxa a passear por todo santíssimo forte e fortaleza da costa algarvia. Deixo-vos com uma foto que tirei mesmo em frente à muralha sul, mostrando o cenário que Lecor veria todos os dias quando pegava ao serviço, durante o relativo curto espaço de tempo em que lá esteve, de Outubro de 1793 a Março de 1794.

6 de outubro de 2008

244.º Aniversário do Nascimento de Carlos Frederico Lecor

Hoje é santo dia e feriado neste blogue, caro Leitor, porque hoje cumpre-se o 244.º aniversário do nascimento de Carlos Frederico Lecor. Muito provavelmente, só aqui se celebra este aniversário, mas chega e basta, e na sua excelente companhia, para nos lembrarmos desta figura histórica que move a curiosidade deste vosso amigo e interlocutor.

Aproveito para transcrever o assento de baptismo, feito em Santos-o-Velho, 14 dias após o nascimento:

Carolus

Aos vinte dias de Outubro de mil sette Centos e Sesenta e quatro nesta Parochial Igrª. de Santos baptizei e pus os Santos oleos a Carolus, que nasceu aos seis dias do prezente mes filho legitimo de Luis Pedro Lecor baptizado na fregª. de S. Eustaquio da Cidade de Paris, e de Quiteria Luiza Marina Le Cor baptizada na fregª. de N. Senhora da Conceiçam de Villa Nova de Portimam Reyno do Algarve, e (...) recebidos nesta fregª. de Santos, e nella moradores na Rua do Pé do Ferro desta fregª. Foi padrinho Carolus Fredirico Crusse morador na rua direita dos Pardais (?), Madrinha por procuraçam D. Vittoria Berarda Marcianna Crusse de que fis este assento, que asignei dia, era (...) supra.
O Cura Manuel dos Santos (...)

28 de setembro de 2008

A tia de Lecor, D. Senhorinha Rosária Lecor

Faro, Vila Velha (Wikicommons)

Nas minhas andanças pelos arquivos deste nosso Portugal, ao mais frequente desalento e descortinar de becos sem saída, por vezes soma-se uma descoberta que abre um oceano de possibilidades.
Quem lê os meus humildes posts, saberá decerto que sobre Lecor há mais incorrecções e incertezas do que o seu contrário. É preciso pois escavacar os caminhos da memória que, ao longo dos 172 anos desde a morte de Lecor, tem sido inundado de vegetação espessa. Se não pode ser à catana, também não pode ser de luvinha branca.

Até recentemente, julguei que Louis Pierre Lecor, o pai de Carlos Frederico, havia vindo sozinho para Portugal. Um julgamento na verdade bem falível, pois apenas se baseou na falta de informação de outros Lecor.

Agora, no Arquivo Distrital de Faro, encontrei o óbito da tia paterna de Lecor, D. Senhorinha Rosária Lecor, solteira, falecida na Paróquia da Sé, a 26.10.1796.

Somado a isso, Acúrcio das Neves, afamado economista do início do século XIX, fala de um João Francisco Lecor, 'portuguez de nascimento' que teria apresentado, por voltas de 1760, uma proposta de indústria de botões fora do controle da guilda profissional.

Uma das possibilidades que sempre considerei, mas para as quais não tinha provas (nem circunstanciais) abre-se agora e pede pesquisa: Que Lecor é filho de um dos industrialistas europeus que inundaram (não tanto quanto necessário) o Portugal da segunda metade de setecentos, inseridos num esforço de modernização presidida pelo Marquês de Pombal.

Não me sentia assim desde que comecei a desconfiar que Lecor não havia nascido em Faro, mas em Lisboa. Ou que ele teria começado a sua carreira militar como soldado pé-de-castelo e não como cadete.

Vamos a ver, caro leitor, o que uma viagem aos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo poderá fazer por mim. É bom que faça algo, pois cada dia mais que passa, mais cresce em mim a biografia do nosso amigo Carlos Frederico Lecor. Possa a divina Clio conduzir a minha pena.

25 de setembro de 2008

Heroi Rio-grandense


O caro leitor já não se lembra, decerto, mas num dos primeiros posts [Heroi Brasileiro] que coloquei neste modesto blogue, a 18 de Março desta ano, apresentei um pequeno passo de um poema épico acerca da independência do Brasil, especificamente acerca de Lecor e da sua participação no eventos militares que consagraram um Brasil independente.

Desta feita, fora do domínio estritamente épico, na pena de uma senhora rio-grandense, cega de nasceça, D. Delfina Benigna da Cunha, eis que encontro mais um pormenor poético dedicado ao nosso heroi, Carlos Frederico Lecor. Um soneto - nada mais - dedicado ao nosso tenente-general:


SONETO

Por occasiaõ da nomeação do Visconde de Laguna
para General em Chefe do Exercito do Sul

Rio Grande, és feliz, Lecór famoso,
O grande General, o sabio, o forte,
Brandindo a sua espada, qual Mavorte,
Vai injurias vingar, vai ser ditoso.

Ressachando o inimigo temeroso,

Ganhará da victoria a honrosa sorte;
E tu, que o amor de Pedro tens por norte,
Exulta de prazer, Rio caudoso.

Elle te dá no Heróe potente e justo

Escudo impenetravel contra o crime.
Desterra, Patria minha, a dôr, o susto;

Dize d'hum grito só, que tudo anime:

Viva Pedro immortal, Inclito, Augusto;
Viva o grande Lécor, homem sublime.


In: Poesias Offerecidas às Senhoras Rio-grandenses por sua patricia D. Delfina Benigna da Cunha, Typographia Austral, Rio de Janeiro, 1838 - p. 139.

Resta saber, no entanto, a qual das duas nomeações de Lecor a D. Delfina se refere. Se a primeira, a 11 de Abril de 1826, ao início da Guerra da Cisplatina, entre o Brasil e a Argentina, se a segunda, na parte final da mesma guerra, a 18 de Julho de 1827 (Lecor só toma posse do cargo em Janeiro de 1828; a guerra acaba em Outubro).

Calculo que se refira à primeira nomeação, muito embora a segunda não tenha provocado menos emoção e esperança entre os Rio-grandenses, desesperados como estavam com a condução da guerra por Barbacena.

De notar, em tom de guerrilha pró-lecoriana, que poucos autores referem que Lecor foi, por duas vezes, comandante das forças brasileiras na Guerra da Cisplatina; quase nenhum autor refere mesmo que ele foi o comandante ao final da guerra. Nada que me impressione já, pois o próprio Carlos Frederico era exemplo de humildade política, ao contrário de outros generais da altura, que combatiam mais com o Rio de Janeiro à vista, em vez do inimigo...

Imagem
Vista da Serra Geral (foto de Alex Pereira, Wukicommons)

12 de setembro de 2008

Teatro de Operações de Castelo Branco

O caro leitor pode chamar-me de sensacionalista precoce, eu penso em mim como precavido. Assim sendo, e desde já coloco aqui um mapa do que eu chamo o "teatro de operações de Castelo Branco".


Não digo muito mais sobre ele, apenas que nos vai ser bastante útil. E útil porquê?

Pois bem, o nosso amigo Carlos Frederico Lecor foi o comandante militar desta zona (ou literalmente "commandante da Divizão da Beira Baixa") durante 32 meses, em três períodos diferentes entre Fevereiro de 1809 e Abril de 1813, nomeadamente em 1812, durante a que alguns autores chamam a 4.ª Invasão Francesa (Abril de 1812), da qual o autor britânico Napier diz que apenas o general Lecor manteve um atitude marcial. Sobre a mesma ocasião, Wellington diz o seguinte, numa sua carta:

I cannot sufficiently applaud the firmness and good conduct of Brigadier-General Lecor. He remained in Castello Branco till he saw a superior enemy advancing upon him; and he then retired in good order, no farther than was necessary (16.4.1812).

(M.Trad.: Não posso aplaudir suficientemente a firmeza e boa conduta do Brigadeiro Lecor. Ele manteve-se em Castelo Branco até que avistou um inimigo superior avançando sobre ele; e depois retirou em boa ordem, não mais do que era necessário.)

Em boa verdade, Lecor só saiu desta área em 2 ocasiões, e ambas de enorme importância. A primeira, para integrar o Exército Português na sua breve incursão a Espanha em 1809, em apoio a Wellesley na sua campanha de Talavera. E a segunda, aquando da 3.ª Invasão Francesa, para tomar posição no flanco direito das forças anglo-portuguesas na batalha do Buçaco e depois na 1.ª linha de Torres Vedras.

O mapa que incluo aqui vai ser bastante útil para perceber o comando de Lecor na Beira Baixa, na medida em que o que ele fez aqui é a chave para o seu sucesso militar futuro, assim como é também o culminar de uma carreira militar inicial, nomeadamente ter feito nesta área a Guerra de 1801, com a Legião de Tropas Ligeiras, sob o comando de Alorna.

O mapa, esse, é uma secção de um mapa de Portugal, de 1805, que pode ser encontrado em http://purl.pt/6302, de 1808 e autoria do gravador Romão Eloy de Almeida (à escala 1:470000). Ao contrário da normal visualização de Portugal nos mapas, este mapa tem o norte à esquerda e o Algarve à direita.

Fica, pois, em arquivo, este post, para mais tarde recordar...

11 de setembro de 2008

As fontes biográficas de Lecor

Como já tive oportunidade de referir, há muito pouca informação biográfica acerca de Carlos Frederico Lecor. As fontes são bastante escassas pelo período de 172 anos desde o falecimento do nosso Marechal.
Assim, torna-se de pouca dificuldade falar um pouco disso, adicionando uma pequena análise crítica.

I Período

ATUALIZAÇÃO [19/4/2013]: Encontrei uma fonte biográfica, num dicionário francês, editado em 1836 - ainda, portanto, em vida de Carlos Frederico Lecor. Este serve de base a Batista Lopes. Pode ler mais em http://lecor.blogspot.pt/2009/02/apos-algum-tempo-de-recesso-volto-ao.html .


A fonte biográfica de Carlos Frederico Lecor (CFL) mais antiga encontra-se na Corografia ou Memória Económica, Estadística e Topografica do Reino do Algarve, de João Baptista da Silva Lopes. Publicada em 1841 pela Academia de Ciências de Lisboa, a obra estava escrita em 1837 e foi apresentada dois anos depois nas actas da Academia.

A entrada respectiva indica que CFL nasceu em Faro em 11.9.1764, e que se instruiu em línguas na Holanda e na Inglaterra. Destacamento para a Bahia. Capitão na LTL.

Tendo acesso a fontes primárias, e o próprio formato da Corografia, não existem muitas discrepâncias. A mais significativa será porventura Lecor ter estudado línguas em Inglaterra, pois Lord Wellington adverte Hill, em 1809, que deveria comunicar com Lecor em francês, dado que o então coronel português não falava inglês.

Logo em 1841, através da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Tomo III, em comunicação de 12.8.1841 o brasileiro Dr. Thomas José Pinto C[S]erqueira corrige alguns pontos menores, e indica datas para o período brasileiro, nomeadamente data da reforma e promoção a Marechal do Exército (e não do império, como refere Silva Lopes).

Há todo um conjunto de referências biográficas de CFL tendo por base a Corografia do Algarve, nacionais e estrangeiras. Todo o esforço biográfico sobre Lecor no século XIX teve por base Silva Lopes, e o entendimento que Lecor terá nascido em Faro, quando nasceu, de facto, em Lisboa - assim como, aliás, todos os seus 4 irmãos.

II Período

Em 1944, mais de um século após a morte de Lecor, o General Teixeira Botelho, nos seus Subsídios para a História da Artilharia Portuguesa apresenta uma nota biográfica substancialmente diferente, na qual se vai basear quase inteiramente o General Paulo de Queiroz Duarte, quarenta anos depois, na sua obra Lecor e a Cisplatina.

As novidades que este autor apresenta estão fortemente baseadas na leitura dos Arquivos do (extinto) Conselho da Guerra, compilados por Claúdio de Chaby e por Madureira dos Santos. Estas sugerem que Lecor iniciou a sua carreira como Soldado Pé-de-Castelo (artilharia de guarnição) em Tavira, como indica um decreto promovendo Lecor (ou Licor, como está grafado aí) ao posto de Sargento.

Teixeira Botelho inicia a sua mini-biografia de Lecor com uma intrigante frase - "(...) foi, parece, natural de Faro (...)". Alguma informação que não consegui apurar, parece fazer este autor duvidar da antiquíssima informação que Lecor era natural de Faro. Será de supor que alguém, algures, terá tido a noção que Lecor não nasceu em Faro, mas sim em Lisboa. Este pequeníssimo pormenor ficará na penumbra, talvez para sempre. [8SET2014: não, nem por isso, Carlos Frederico Lecor nasceu a 6 de outubro de 1764, na paróquia de Santos-o-Velho, em Lisboa: Veja a postagem aqui.

Pensamentos Finais

É de notar, no entanto, que nenhum autor alguma vez determinou com exactidão a data e local de nascimento de Lecor, o que numa pessoa que viveu na segunda metade do século XVIII parece algo fora do normal, dado a existência bastante adequada de livros notariais. As datas normalmente apontadas são as de 11, ou de Setembro ou de Novembro, dos anos de 1764 ou de 1767. Cada cabeça, sua sentença.

Actualização [19/4/2013]: De facto, como indiquei em cima, Carlos Frederico Lecor nasceu a 6/10/1764, e foi batizado a 20/10 na Igreja Paroquial de Santos-o-Velho, em Lisboa ocidental. Leia também http://lecor.blogspot.pt/2008/02/afinal-lecor-no-farense.html .

Ora, àparte dificuldades de pesquisa, naturais, a minha questão é outra: Porque razão Carlos Frederico Lecor, o oficial combatente mais graduado a sair do final da Guerra Peninsular e comandante da expedicionária Divisão dos Voluntários Reais, é vítima de tão nebulosa biografia, de tantas desinformações e mal entendidos quantos os que acabo de referir (mais não seja pela quase total falta de esforços biográficos)?

9 de setembro de 2008

A Polémica da Traição

Uma das problemáticas em qualquer esforço biográfico acerca de Carlos Frederico Lecor é quando se chega aos acontecimentos de 1822 e 1823, na Cisplatina, e que envolvem a deserção de bastantes portugueses e tomada do serviço ao nóvel Império Brasileiro. Para os portugueses, uma traição; para os brasileiros, uma tomada de posição heroica, um dos seus pais fundadores.

Aproveito estarmos em Setembro, mês da independência brasileira, para falar disto, um pouco apenas, pensando em voz alta (no passo dia 7, o Brasil cumpriu 186 anos de independência).

Não estando na cabeça de Lecor nesses anos, apenas poderei especular educadamente a razão pela qual ele deixou o serviço português e abraçou a causa independentista brasileira. É óbvio também que não foram apenas acontecimentos isolados, mas toda a sua vivência, que o levaram a abraçar o novo país.

Alguns autores apontam para uma pretensão por parte do governo português de trocar a Cisplatina por Olivença, negócio a fazer com Espanha e que resultaria na volta da potência colonizadora ibérica à Banda Oriental, em revolta desde, pelo menos, 1811. Este rumor terá inicialmente destinado Lecor a desligar-se do seu país.

A minha questão, no entanto, é saber até que ponto o pensamento político de Lecor não será a chave desta questão. A independência do Brasil está intimamente ligada à burguesia mercantil brasileira, à sua relação com a Inglaterra e, fundamentalmente, com o espírito liberal da época.

Poderemos também especular que a classe a que Lecor pertencia não lhe oferecia uma ligação forte à terra, acumulando isso com uma carreira militar errante, sem domicílio fixo. Também é de notar que Lecor vinha de uma família de imigrantes, mercadores estrangeiros que se haviam fixado em Portugal há menos de um século.

Por outro lado, há que tomar em conta uma veia conservadora em Lecor, que o terá feito, de certa forma, hostil às Cortes de Lisboa, as mesmas que planeavam a troca da Cisplatina. Muitos encontram no Brasil um refúgio do liberalismo selvagem da burguesia lisboeta e portuense. Muitos viram ainda em D. Pedro um líder forte, ao contrário do temeroso D. João VI, agora refém de Lisboa.

De notar que a presença das Cortes não se manifestava apenas em cartas e pressões do outro lado do Atlântico, mas das mais próximas pressões dos seus próprios subordinados da Divisão de Voluntários Reais, que frequentemente se amotinavam aos mais variados níveis, mesmo um dos seus coroneis, Claudino Pimentel, comandante do 1.º Regimento de Infantaria, em 1821, e que culminou na criação do Conselho Militar - que Lecor, a contra gosto, aceitou.

Pedindo desde já desculpa ao caro Leitor pela caoticidade destas minhas linhas, prometo em breve lançar-me mais consistentemente à descoberta deste período, armando uma interpretação mais coerente.

A Razão da Míngua

O caro leitor que cá volta segunda vez deve estar mal impressionado com a míngua de posts neste nosso blogue. Por isso pedimos desculpa. A razão passa muito pelo facto da Busca de Lecor se passar em cenários pouco digitais, no mundo dos arquivos e dos livros, tentando juntar fragmentos, conferir fontes primárias, para além da inevitável deambulação por outros assuntos que não o nosso bravo Marechal - um oficial francês anónimo do Exército Liberal que morreu em Faro, nos idos de 1833/1834, em consequência de um duelo - história verídica - é um bom exemplo, e daria um excelente romance histórico. Enfim...

Mais do que para apresentar as minhas desculpas aos senhores leitores, os que retornam (aqui lhes fica o meu eterno agradecimento) e aos estreantes, gostaria de sumariar os posts que virão acerca das Unidades de Lecor. Primeiro, relembro os que passaram:

I - Regimento de Artilharia do Algarve - [post]
II - Esquadra da Bahia (1795-1796) - [post1] [post2]

Seguirão no futuro próximo:

III - Legião de Tropas Ligeiras (1797 - 1805)
IV - Governo de Armas da Província do Alentejo (1805-1807) (1814-1815)
V - Leal Legião Lusitana (1808)
VI - Regimento de Infantaria n.º 23 (Almeida) (1808-1809)
VII - Divisão da Beira Baixa
(3 períodos: Fev-Mai.1809 / Fev-Set.1810 /Abr.1811-Abr.1813)
VIII - 6.ª Brigada Portuguesa (7.ª Divisão do Exército Aliado) (1813)
IX - Divisão Portuguesa (Exército Aliado) (1814)
X - Divisão dos Voluntários Reais (1815-1822)

E depois os comandos no Imperial Exército Brasileiro, de 1822 a 1830, nomeadamente do Exército do Sul na Guerra Cisplatina.

Haja fé, pois, neste vosso buscador que a musa Clio providenciará.

19 de agosto de 2008

Roliça 1808-2008

Duzentos anos após a batalha da Roliça, confronto de relativa baixa intensidade, mas de grande importância por iniciar um conflicto que só terá verdadeiramente fim em 1814, no sul de França, eis que valentes 're-enactors' a lutam de novo para gaúdio de uma vibrante audiência internacional.

Cada um lá foi com um objectivo; o meu foi o de assistir ao primeiro evento, do que espero virem a ser muitos e bons, e cheirar a pólvora. Como bom português, cheguei algo atrasado, para ver o centro inglês desenvolver perante os Franceses. Na ala direita, os Portugueses de Trant. Na escaramuça à frente, os Rifles do 95th. 'Make ready, Present, Fire!"e o fumo inunda o campo, com um cheiro desagradável ao primeiro toque nas narinas.

Descarga Inglesa
Progressão no Campo
No final, tive oportunidade de notar que as tropas portuguesas estavam representadas pelo Regimento de Infantaria 23, de Almeida, que apesar de não terem efectivamente participado na batalha de há 200 anos, acabam por significar algo mais para este vosso interlocutor. É o regimento onde Carlos Frederico Lecor foi feito Coronel, ainda durante esse mesmo ano de 1808.

Após a Batalha, o 23

Lecor havia desembarcado no Porto, durante a primeira quinzena de Agosto, ainda antes do primeiros destacamento da Leal Legião Lusitana, junto com o Coronel Wilson e outros oficiais.

A minha primeira batalha deixou-me plenamente satisfeito, ainda que outras 'guerras' me tenham impedido de assistir ao Vimeiro, nessa tarde. Os mais efusivos parabéns à organização deste evento, à Associação Napoleónica Portuguesa e a todos os bravos soldados que nela lutaram.

Pedindo desde já perdão ao caro leitor pelo indesculpável hiato na produção de textos, creiam-me sempre na busca incessante deste homem que foi Lecor, tudo fazendo para ele tome o seu lugar no panteão dos heróis e dos libertadores.

9 de julho de 2008

A Escrita da História



A nossa relação com a História tem sido sempre uma estória complicada, em que os profícuos modernos meios de comunicação mais têm feito por aprofundar. Permitam-me uma pequena acha para esta fogueira do conhecimento.


John Keegan, prestigiado escritor e professor (jubilado) na Real Academia de Sandhurst [na foto], ao promover, em 1994, o seu livro Uma História da Guerra (A History of Warfare), em resposta a uma pergunta simples - quem leria o seu livro?, aproveitou para dissertar acerca não só da escrita como da leitura da História, os seus esquemas de poder e legitimação. Li, traduzi e agora aqui coloco, pese embora a possível falta de contexto. Para eliminar mal entendidos, no final colocarei a ligação para a entrevista original, em língua inglesa:

Entrevistador: «Este livro, "A History of Warfare," qual a audiência alvo? Quem imagina a comprar este livro?

KEEGAN: Bem, espero que os meus colegas historiadores gostem, alguns gostam outros não, mas eu na realidade nunca escrevi para os meus colegas historiadores. O que eu sempre quis fazer foi escrever o tipo de livro que os outros historiadores tenham de levar a sério, mas que seja um livro para o leitor nornal educado que gosta de estar informado, de ter a sua visão do mundo aumentada acerca de um assunto particular. E eu penso que esta é a mais alta das vocações históricas. Eu desprezo muito... - desprezo quase - enfim, na verdade desprezo a direcção que a escrita histórica universitária tem tomado, na qual enorme esforço e anos de trabaho árduo são devotados a escrever livros que na verdade só interessam a algumas centenas, levantam questões acerca das quais apenas dezenas têm conhecimento enquanto questões e usam cada vez mais linguagem que só outros académicos percebem. Isso parece-me uma perversão da vocação do historiador. O historiador deve escrever para... o historiador deve ser uma pessoa educada, escrevendo para outra pessoa educada acerca de algo que esta última não conhece, mas deseja conhecer de uma forma que possa perceber

Entrevista original aqui.

25 de junho de 2008

Unidades de Lecor II - Esquadra da Bahia (1795/1796)


O comércio do Brasil sempre foi de enorme importância para Portugal, e a carreira atlântica precisava de ser protegida, principalmente após a aliança de Espanha com a França, no final da campanha do Roussilhão (1793-1795), aliança essa, feita pelos espanhois à margem dos seus aliados portugueses. Os barcos franceses e espanhois representavam uma ameaça constante aos navios de comércio. A Armada portuguesa tinha então a responsabilidade de proteger a rota comercial.

Assim, a 25 de Dezembro de 1795, parte de Lisboa com rumo à Bahia uma frota com a missão de proteger cerca de 23 navios de comércio. O comando, sediado na Nau Capitânea ‘Príncipe Real’ [na imagem, quadro do Museu da Marinha], estava a cargo do tenente-general Bernardo Ramires de Esquível. Entre os navios desta frota, contavam-se os seguintes:

Naus:
Príncipe Real (90 peças – guarnição: 904)
Infante D. Pedro (64 peças – guarnição: 557)
Vasco da Gama (74 peças – guarnição: 652)
D. Maria I (74 peças – guarnição: 616)
Princesa da Beira (74 peças – guarnição: 544)

Fragatas:
Minerva
Princesa
Ulisses
Tritão
Vénus
Thétis

Bergantins:
Serpente
Falcão

Apesar de haver sido criado um Regimento de Artilharia da Marinha, em finais de 1791, os 4 regimentos de artilharia continuavam a fornecer destacamentos para servir embarcados. É assim que do Regimento de Artilharia do Algarve parte um destacamento de 130 homens, onde se incluía o 1.º Tenente Carlos Frederico Lecor, da 9.ª companhia de artilheiros. Dois meses antes, o tenente-general Bernardo Esquível pedia, com urgência, ao Secretário de Estado da Marinha tal destacamento para a nau ‘Príncipe Real’ que lhe assegurava ter dado já as ordens. Os preparativos desta enorme força estavam já a decorrer em força.

Com uma data de partida para 28 de Novembro, que acaba por não ser cumprida como já referi em cima, uma carta do Conde de S. Vicente indica claramente qual a missão:


“3. A obrigação desta esquadra será de dar comboio a todos os navios de comércio nacional, que acharem prontos a partir até ao dito dia, levando-os sempre em sua conserva athe aquella altura que o Comandante julgar conveniente, e os reputtar livres de todo o risco de enemigos”.

O Secretário de Estado recomenda expressamente que a frota não se retenha por nenhum objecto, “qualquer que elle seja”, e que se dirija em direitura para a Bahia.



Assim, no dia de Natal de 1795, a Esquadra do Brasil parte, sob o comando do tenente general Bernardo Ramires de Esquível, a bordo da Nau ‘Príncipe Real’, em comboio com todos os navios de comércio que estavam prontos a partir nesse dia.

A Nau ‘Príncipe Real’ foi construída em 1771, sob o nome de ‘Nossa Senhora da Conceição’. Depois de 1794, após obras de beneficiação, toma o nome de ‘Príncipe Real’. Com uma guarnição de 950 homens, esta que era a maior nau portuguesa do seu tempo, era constituída por uma equipa de artilharia de entre 114 e 130 homens, assim distribuídos no seu complemento máximo:
Forte de S. Diogo, Salvador (fonte: wiki)

1 Capitão
2 1.º Tenentes
2 2.º Tenentes
125 Sargentos, soldados e tambores

Além destes, havia 150 homens de infantaria e um complemento de 670, entre marinheiros e outro pessoal embarcado.

A artilharia embarcada estava dividida em 2 baterias, cada um com cerca de 30 peças de 24. Além destas haveria mais 8 peças de 12, 6 carronadas de 36 e 6 obuzes de 24 no tombadilho.

A viagem de Lisboa à Bahia é feita em 46 dias, e segundo o tenente general Bernardo de Esquível, em carta que dirige ao Conde de S. Vicente, é a ‘mais feliz que se pode fazer’. O único problema foi uma epidemia que o tenente general não especifica a causa, mas informa ter-lhe custado a morte de 8 homens e duzentos doentes em terra.
A esquadra chega, pois, à Bahia a 9 de Fevereiro de 1796, com a intenção de fazer a viagem de regresso o mais depressa possível, mas a cidade de Salvador, afectada por uma seca generalizada tinha poucos víveres, o que os encarecia e dificultava a compra, assim como os doentes que demoravam a recuperar.
Diz Bernado Esquível que “não há farinha de guerra, não há carne, não há legumes, não há arroz”.

A viagem de volta a Lisboa, que se inicia a 1 de Abril, é mais complicada que a ida. Segundo carta-relatório do comandante, a 25 de Julho (já em Lisboa), a viagem é “dilatada e trabalhosa” por duas razões:

Primeira, maus ventos e calmas, os piores inimigos da navegação atlântica;

Segunda, a má qualidade dos navios que compunham o comboio, e que obriga a esquadra a dar fundo na ilha do Faial (Açores) para mantimentos e aguada. Alguns dos navios mercantes já pedeciam de sede e fome.

É nessa paragem no Faial, que dura 5 dias, que Bernardo Esquível toma conhecimento que uma esquadra inglesa, comandada pelo Lord Hugh Seymour, tinha por missão encontrar a esquadra portuguesa e escoltá-la a Lisboa, no qual faria grande gosto.

Cabo da Roca (fonte: wiki)
A 60 léguas do cabo da Roca, dá-se o acontecimento de maior tensão de toda a campanha. Dois navios de guerra não identificados aproximaram-se da esquadra. O mais próximo aproximou-se mais ainda e largou a bandeira francesa. O comandante português deu ordem de caça, também sem bandeira largada.
Entretanto, a dita fragata desconhecida, aproximando-se mais ainda, arreiou a bandeira francesa e larga a inglesa, disparando um tiro de saudação. Nessa altura a esquadra do Brasil largou a bandeira portuguesa e respondeu à saudação.

Anulando a ordem da caça, a esquadra do Brasil junta-se a outra esquadra para juntos entrarem no porto de Lisboa. Ao todo, eram 12 navios de guerra, 7 naus da Índia, 3 particulares e 23 de praça com carga do Brasil.

As doenças que afectaram apenas a nau ‘Príncipe Real’ na viagem para a Bahia, afectaram toda a esquadra na volta para Lisboa. O Capitão-de-Mar-e-Guerra João Gomes da Silva Telles, comandante da fragata Ulisses, falece devido a doença, sendo substituído pelo Capitão de Fragata Daniel Thompson. O próprio comandante da esquadra, Bernado Ramires de Esquível, adoece.

Chegam a 25 de Julho de 1796, escoltando carga no valor de 2,152,798$451.

Não sabemos se Carlos Frederico Lecor terá sido afectado pela epidemia, mas sabemos que esta missão marca o final da sua carreira como oficial de artilharia. No ano de 1797, ele entrará na Legião de Tropas Ligeiras, sob o comando do Marquês de Alorna, D. Pedro José de Almeida Portugal, com quem ficará até 1807.

15 de junho de 2008

Início da Carreira

Hey por bem fazer merce a Carlos Licor, Sargento de Artelharia que guarnece a fortaleza de São João do Registro da Barra de Tavira; do posto de Ajudante da Praça de Villa nova de Portimão, que vaga pela reforma de Joaquim Jozé de Sequeira: O Conselho de Guerra o tenha assim entendido, e lhe mande expedir os despachos necessários. Palácio da Nossa Senhora da Ajuda em desessete de Março de mil setecentos noventa e quatro.

In: Arquivo do Conselho da Guerra.


Este é o registro mais antigo [17.3.1794] que se pode encontrar nos arquivos do Conselho da Guerra acerca de Carlos Frederico Lecor e que parece demonstrar a tese que ele assentou praça como soldado pé-de-castelo em Tavira a 15.10.1793, e não como cadete no Regimento de Artilharia do Algarve.

Em 12 de Dezembro desse mesmo ano, passará a ocupar o cargo de 1.ª tenente de uma das companhias (a 9.ª) do regimento, passando de Portimão a Faro.

Faz, pois, sentido aquilo que o general Teixeira Botelho diz da carreira desta artilheiro, que "não teve a regularidade habitual do seu tempo".

29 de maio de 2008

Unidades de Lecor I - Regimento de Artilharia do Algarve

Regimento de Artilharia da Guarnição do Algarve

Apesar de alguns autores indicarem que Carlos Frederico Lecor terá iniciado a sua carreira militar como soldado pé-de-castelo (artilharia miliciana de guarnição) na praça de Tavira, tendo progredido como cabo e sargento, e outros que terá assentado praça no regimento algarvio de artilharia como cadete, a verdade é que só há notícia certa dele como Ajudante da praça de Villa Nova de Portimão em 1794, um ou dois anos (conforme as fontes) após assentar praça. Servia como oficial adjunto ao governador da praça algarvia.

Em 2.12.1794, é superiormente sancionada a troca de Carlos, em Portimão, com um 1.º Tenente da 9.ª companhia de artilheiros do Regimento de Artilharia do Algarve, António Pimentel Vabo. Só podemos pensar que Lecor era 1.º Tenente ou equivalente à altura da troca. Seja como for, começou ele então a servir neste regimento ininterruptamente até que passou à Legião de Tropas Ligeiras, em 1797 (que analisaremos no 3.º post desta série).

Acontece que os regimentos de artilharia da altura, quatro (o da Côrte - Lisboa, o do Porto, o de Estremoz e o de Faro) não eram regimentos no sentido em que o eram os de infantaria e cavalaria, mas mais unidades administrativas que geriam os recursos artilheiros conforme as necessidades. As necessidades passavam pela guarnição dos fortes e praças, assim como o fornecimento de equipas de artilheiros às naus da nossa Armada.

O Regimento de Artilharia do Algarve começou a ser organizado em Setembro de 1774. Incumbido da organização estava o Coronel Diogo Ferrer, do Regimento do Porto, que veio para Faro, e que concluiu a tarefa nos inícios de 1775. Este regimento, como os outros de artilharia, de acordo com o alvará de 1766, era constituido por 12 companhias, 9 de artilheiros, uma de bombeiros, uma de mineiros e uma de artífices e pontoneiros. Como nos regimentos de infantaria a 1.ª, 2.ª e 3.ª companhias eram respectivamente comandadas pelo Coronel, Tenente-Coronel e pelo Sargento-Mor (isto até 1796).

O regimento nunca teve um quartel, ficando os seus integrantes alojados pela cidade de Faro. Sobre a sua constituição em 1791, diz o Conde de Val de Reys o seguinte: “... naquele regimento se acham 141 praças incapazes de continuar o real serviço, comprehendo nelas 54 por serem viciosos, debeis e mal figurados, e 87 por terem moléstias reputadas incuráveis”. Falamos de um quarto da força total de cerca de 643.

A situação deste regimento deteriou-se ao ponto de do Brigadeiro Bernardim Freire, numa inspecção em 1803, indicar que a aula regimental não funcionava desde que o Coronel Costa Cardoso tomara o comando, em 1793, entre variadíssimos outros problemas. O maior problema porém, que afectava a disciplina e qualquer espírito de corpo, era que grande parte do regimento era destacado para fora da cidade de Faro, por vezes por anos a fio, muitos embarcados nas esquadras portuguesas dessa altura. Num mapa de 1801, verifica-se que andavam embarcados desde Setembro de 1796 nos corsários Tigre e Onça, destacamentos do regimento; e no Milhafre e canhoneira Lobo, outros desde Maio de 1798.

O próprio Lecor é destacado para servir como oficial artilheiro na Nau Príncipe Real (com 90 peças, a maior nau portuguesa da altura) na chamada ‘Esquadra da Bahia’ formada em 1795, comandada pelo tenente general Bernardo Ramires Esquível para proteger um comboio comercial vindo do Brasil para Portugal. Será o seu último acto como oficial de artilharia, e como Napoleão (comparação algo inédita, mas pronto) parte para outros voos. Falarei do pouco que sei desta aventura no próximo post desta série – a Esquadra da Bahia.

Sobre os comandantes deste regimento, há que referir os dois que dizem mais respeito ao nosso jovem Carlos Frederico Lecor: primeiro, o Brigadeiro Teodósio da Silva Reboxo, que comandou o regimento de 1783 até 1793, muito conceituado dentro da artilharia e que contribuiu fortemente para uma certa fama da aula regimental. Pelas datas, é pouco provável que Lecor tenha servido debaixo das suas ordens e mesmo assim terá já sido numa fase de declínio. Segundo, o Coronel Costa Cardoso, que terá encontrado o regimento bastante desorganizado, o quartel-mestre demente fazia um ano, os livros em desordem.

Assim era o estado da artilharia portuguesa na década de 1790, e em geral apenas representativo do geral estado do Exército Português antes dos desastres de 1801 e 1807.

18 de maio de 2008

A Lenda da Ponte sobre o Zêzere (II)


O caro leitor, permitindo-me que retome a questão da ponte de barcas sobre o rio Zezere, sabe decerto que toda a lenda tem o seu fundo de verdade, ou como se costuma dizer, onde há fumo, há fogo. Já verificámos que Lecor estava presente na área, mas com ordens que não passavam pela destruição de coisa alguma, mas o reconhecimento em busca da vanguarda de Junot. Ao descobrir essa vanguarda, pôs-se em marcha para Lisboa.

Mas de facto, onde há lenda, é porque há elementos, pelo menos dois, que coincidem no espaço e no tempo, convergindo e fundindo-se numa história.

Ora o exército de Junot, que virá a tomar o título de Exército de Portugal daí por um mês, já em Lisboa, teve realmente uma oposição feroz aquando da invasão - o Tempo. Passando por dificuldades até Abrantes e Punhete, principalmente a artilharia, mas em geral todas as armas, vem a vanguarda francesa descobrir que a célebre ponte de barcas sobre o Zêzere estava destruída, não pelo tenente-coronel Lecor, mas pelo próprio rio.

A ponte de barcas havia sido levantada aquando da Guerra das Laranjas, em 1801, e frequentemente acabava destruída pelo rio no pleno das chuvas de inverno. Várias vezes, de 1801 a 1807, a engenharia militar portuguesa apresenta os seus orçamentos para uma nova reconstrução. Lá se reconstruia e logo as chuvas retomavam a ofensiva anual.

Os Franceses, ao detectarem a ponte destruída, encarregaram o capitão Mezeur, um grupo de sapadores e mineiros catalães e também um destacamento francês, para que a reparassem. Tanto Maximilien Foy como Acúrsio das Neves indicam que as operações de reparação duraram a maior parte desse dia, atrasando de facto as forças franco-castelhanas. A força do rio Zêzere, assim como a subidas das suas águas, tornou a misssão extremamente difícil, causando algumas baixas entre os trabalhadores. A reparação da ponte só se dá por finda, após já metade das forças invasoras terem passado o rio de barco.

Acúrcio das Neves, dando-nos o benefício de o ler desde 1811, tão próximo dos acontecimentos, desmente uma versão circulada em que muitos franceses haviam morrido afogados durante as operações de reparação. Serve isto para nos mostrar o poder da lenda, ou do boato, consoante estamos longe ou perto no tempo. De facto, poucos invasores terão morrido afogados, mas do pouco a imaginação faz muitos.

Pela mesma altura em que a ponte era reparada, Lecor, o nosso heroi, estava em novo reconhecimento, já após ter avisado o governo. Tinha por missão continuar a avaliação do exército inimigo. Do Cartaxo, após ter ido à Golegã, relatou que o inimigo se encontrava ainda em Punhete e não é provável que chegue a Santarém antes do próximo dia. Acrescenta que os campos da Golegã estavam impraticáveis.

Esta mensagem será já recebida pelo Governo, embarcado no Tejo, esperando ventos para o Brasil.

Parte I em http://lecor.blogspot.pt/2008/05/o-mito-da-ponte-sobre-o-zzere.html