31 de março de 2008

João Pedro Lecor


Carlos Frederico Lecor era o irmão mais velho dos cinco filhos de Louis Pierre e da D. Quitéria Mariana Luísa. Logo a seguir vinha João Pedro, 2 anos mais novo. (na foto, a Igreja Paroquial de Santos onde Carlos e João foram baptizados).

João Pedro Lecor nasceu no dia 7 de Outubro de 1766, em Santos-o-Velho, paróquia de Lisboa. Os pais e o bebé Carlos moravam na Rua de São João da Matta, quando receberam o novo rebento da família.

João ingressou como Cadete no Regimento de Artilharia do Algarve (RAA), em 17 de Novembro de 1792. Em 1793 vai para a Campanha do Rossilhão, onde, ainda como Cadete, chega a comandar batarias e onde acaba por ficar prisioneiro dos Franceses durante 10 meses.
Ao retornar a Portugal, em 1795, é promovido a 2.º Tenente da 4.ª Companhia do RAA. A sua carreira prossegue regular, sendo promovido a 1.º Tenente em 1/3/1797 e graduado em Capitão a 13/2/1800, sempre na 4.ª Companhia de Artilheiros.
A 17 de Dezembro de 1805, João é promovido a Capitão efectivo, desta feita da 6.ª Companhia. Faltavam então 2 anos para nos vermos invadidos pelos Franceses e pelos Espanhois.

Não sabemos se João acompanhou o seu irmão numa fuga para a Inglaterra, se simplesmente se demitiu, mas é certo que em 17 de Novembro de 1809, é Governador da Praça de Albufeira, com o posto de Sargento-Mor (Major, hoje em dia).
Não tenho, infelizmente, mais dados acerca do que João fez durante o período da Guerra Peninsular, mas calculo que se manteve no cargo de Governador da Praça de Albufeira (ainda ocupava este cargo em Outubro de 1810), pois não participou no Exército Português de Operações.

Terá sido promovido a Tenente-Coronel por altura da formação da Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, em que funcionou como ajudante d'Ordens do irmão Carlos Frederico, o comandante.
Em 1818, já tem o posto de Coronel e em 26 de Março de 1821, é promovido a Brigadeiro.

Em 1823 é um dos militares que acompanham Carlos Frederico Lecor para o serviço do nóvel Império Brasileiro, estando decerto entre os nomes da nota de deserção enviada para Lisboa pelo Brigadeiro Álvaro da Costa de Souza Macedo.

Pouco sei acerca do seu serviço no Brasil, apenas que faleceu no dia 7 ou 8 de Julho de 1844, nas funções de vogal do Conselho Supremo Militar e no posto de Marechal-de-Campo (actual General-de-Divisão, no Brasil), sendo sepultado no Convento de Santo Antônio (usando a grafia brasileira).

Ao contrário do seu irmão, João deixou descendência, entre o quais se encontra um outro Carlos Frederico Lecor, que trabalhava no Ministério dos Negócios Estrangeiros brasileiro em 1851.

Quando houver novos desenvolvimentos, trarei a este blog. Consta no entanto que foi perante uma parada de tropas, sob o comando de João Pedro, que o Imperador D. Pedro I teve um dos seus ataques epilépticos. Mais sobre isto quando puder desenvolver.

29 de março de 2008

Leituras Cibernáuticas II - Biblioteca Nacional

Continuando uma viagem pelos livros disponíveis na Internet, não há não só como evitar a Biblioteca Nacional Digital, da nossa histórica Biblioteca Nacional, mas fundamentalmente divulgar o seu excelente trabalho em trazer a todo o Portugal e, na verdade, ao mundo algumas obras importantíssimas, sejam livros, mapas, gravuras ou mesmo partituras musicais.

No escopo da vida e tempos do nosso amigo Carlos Frederico, deixo-vos as seguintes ligações:

SORIANO, Luz (1866-1890) História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal comprehendendo a história diplomática militar e política d'este reino desde 1777 até 1834 - Lisboa: Imprensa Nacional.

NEVES, José Accursio das (1810-1811) Historia geral da invasão dos francezes em Portugal e da restauração deste reino, Lisboa: Off. de Simão Thaddeo Ferreira - 5 volumes.

ALMEIDA, António de (1797), Dissertação sobre o methodo mais simples, e seguro de curar as feridas das armas de fogo, Lisboa: Regia Off. Typographica.

O trabalho de digitalização é mais perfeccionista na BND do que no GoogleLivros, pelo que é pouco provável encontrar erros ou páginas em falta, ou como já vi uma vez ou duas, os dedos do operador da digitalização.

Que a nossa Biblioteca Nacional continue no excelente caminho que trilha hoje e que pela maravilha tecnológica, possa descentralizar os seus serviços desta forma. Aproveito, já agora, para mandar a mesma piscadela de olhos aos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo.

28 de março de 2008

Oficial Iluminado


Já tenho aqui referido algumas vezes o que Lecor teve de emblemático na representação de um novo tipo de oficial superior do Exército Português, nascido da Burguesia mercantil, que vem, de certa forma, substituir a Nobreza, classe que mantinha, até inícios de oitocentos, o privilégio das chefias.

Referi também, e não com algum sentido de ironia, que terá sido com toda a certeza, um desses nobres, D. Pedro de Almeida Portugal, 3.º Marquês de Alorna, que liderou a mudança. José Norton, em O Último Távora, demonstra bem este período e toda uma nova casta de oficiais nobres na senda do Iluminismo português, fruto do trabalho do Marquês de Pombal e do seu Real Colégio dos Nobres. Também sei que os Alornas já vinham de uma longa tradição francófila, avançada no seio da velha Nobreza portuguesa - a análise da biblioteca do 1.º Marquês de Alorna mostra-nos isso, com uma percentagem bastante grande de livros não-religiosos, coisa relativamente estranha no contexto da Alta Nobreza.

Lecor privou durante bastante tempo (10 anos) com o seu General, Marquês de Alorna, tomando historicamente o seu lugar na vanguarda do novo pensamento militar português.

Assim, já após a Guerra Peninsular, onde se estabeleceu definitivamente como um novo tipo de comandante, fruto, ao mesmo tempo do rigor britânico e da sua herança pessoal e profissional, Lecor vê-se com o poder de alterar o estado das coisas. Enquanto comandante da Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, e durante a longa preparação do corpo em Belém, no ano de 1815, o Tenente-General Lecor procede a uma geral vacinação dos homens da sua Divisão, pelo que no ano seguinte foi subido à consideração das mentes pensantes do nosso Portugal.

Em sessão pública da Academia Real das Sciencias de Lisboa, de 14 de Junho de 1816, o Doutor Justiniano de Mello Franco, ao dar notícia dos indivíduos que se distinguiram em prol da saúde pública em Portugal, anuncia o seguinte:


Foi nomeado Correspondente, e obteve o competente diploma o Ill.º e Ex.mº Snr. Carlos Frederico Lecor, Tenente General, Commandante da Divisão de Voluntarios Reaes do Principe. Este habil General fez vaccinar muitos dos seus Soldados nos ultimos dias da sua partida, e deo as ordens necessarias, para que a vaccinação continuasse durante a viagem.
Aqui fica, sem mais análise que a feita ao início deste post, o resultado das grandes alterações no exército e na sociedade portuguesa, na qual vemos o nosso amigo Carlos Frederico, cavalgando na vanguarda.

* * *

“O Exmo. Sr. General Carlos Frederico Lecór, querendo que a Tropa que conduzia, e ia Commandar ao Rio de Janeiro, fosse vaccinada, os que o percisavão, antes de embarcar, não só concorreo com ella á operação , mas S. Ex.ª, mesmo quiz ser vaccinado o primeiro, e em presença da sua gente , julgando até honrar-se com fazer á instituição Vaccinica a honra de ser seu correspondente, de que com muito boa vontade se-lhe-deo competente Diploma, e as graças por tão delicado comportamento.”

Jornal de Coimbra, Volume IX – Parte I, n.º 46, Lisboa, Imprensa Régia, 1816. p. 252


24 de março de 2008

Leituras Cibernáuticas I

Porque navegar é preciso, e dado que este blog faz aparentemente parte do complexo corporativo da Google, há que prestar homenagem ao serviço que é prestado pelo serviço Google Livros. Assim, inauguro um conjunto de posts destinados a publicitar alguns dos livros antigos que podem ser lidos lá e até baixados para o computador em confortáveis (ou nem por isso) ficheiros *.pdf.

A primeira fornada vai de encontro à temática da Guerra Peninsular, mas alcança também o início da década de 1820..

La Guerre de la Péninsule sous son véritable point de vue (...)
Autor: Domingos António de Sousa Coutinho (Conde do Funchal) [edição em língua francesa, 1819]
O autor foi o editor do periódico «O Investigador Português em Inglaterra». O livro fala de variadas temáticas e apresenta-nos uma visão portuguesa contemporânea à Guerra Peninsular.
http://books.google.com.br/books?id=MYcPAAAAYAAJ

Policia secreta dos ultimos tempos do reinado do senhor d. João VI
Autor: João Candido Baptista de Gouvêa (1835)
O autor publica arquivos da Alta Polícia, ou a polícia secreta, com os mais curiosos elementos, nomeadamente o relatório de boatos em zonas-chave de Lisboa. Fala ainda da organização da polícia e números de informantes em todos os órgãos do Estado.
http://books.google.com.br/books?id=ir49AAAAIAAJ

Itinerario lisbonense, ou Directorio geral (...) de Lisboa
S/autor, mandado publicar em 1804 por 'Ordem Superior'. Contém, em formato de directório, todas as ruas, travessas, becos, praças e calçadas da Lisboa de início de oitocentos. Não é grande leitura, mas está no espírito desta fornada.
http://books.google.com.br/books?id=lHADAAAAQAAJ

23 de março de 2008

Morreu Ivan Wasth Rodrigues


O grande ilustrador histórico brasileiro, Ivan Wasth Rodrigues, faleceu no passado dia 20 de Dezembro de 2007. Sobrinho do também ilustrador José Wasth Rodrigues, Ivan nasceu em São Paulo em 1927.

Entre a sua obra, destaca-se a ilustração da História do Brasil I e II e Casa Grande e Senzala, ambas editadas pela EBAL.

Para mim, mais do que o nome que invariavelmente vejo associado a todas as ilustrações do Exército Brasileiro, seja o colonial, seja depois o Imperial, é o homem que me forneceu muita da visualização de Carlos Frederico Lecor e das tropas que ele comandou do Rio de Janeiro a Montevidéu, passando pela marcha de Sta. Catarina à fronteira do sul. Sou-lhe particularmente grato pelas ilustrações do livro do General Queiroz de Duarte, Lecor e a Cisplatina.

Deixo-vos um exemplo da obra deste grande ilustrador (Soldado de Caçadores, 1816, em cenário tropical, in: Lecor e a Cisplatina - volume I) que deixará decerto saudade, mas também um conjunto artístico que ficará para o futuro. Quem sabe o público português possa ter um maior acesso à obra deste excelente artista.

20 de março de 2008

O Livro


Como já havia referido anteriormente, este nosso amigo Carlos Frederico Lecor é bastante negligenciado pela Historiografia. Fala-se periodicamente dele, mas não há uma bibliografia verdadeiramente elucidativa acerca da pessoa. Basicamente, Lecor é conhecido por ter topado a vanguarda de Junot em 1807, comandado a Divisão de Voluntários Reais na Cisplatina e por pouco mais.

No entanto, não há regra sem excepção, e está aqui entre nós, para deleite do leitor, a capa do excelente livro de narrativa militar à moda antiga, do General Paulo de Queiroz Duarte, Lecor e a Cisplatina 1816-1828, da editora da Biblioteca do Exército em 3 volumes, editados entre 1984 e 1985.

O autor tem como ponto central a ocupação militar da Banda Oriental, Cisplatina para nós (entrada no Reino do Brasil em 1821), tendo como eixo fundamental o principal obreiro militar e político - o nosso Carlos Frederico Lecor.

Com o acesso às fontes primárias brasileiras, nomeadamente as variadas cartas e ofícios enviadas e recebidas dos vários Secretários de Estado dos Negócios da Guerra, no Rio de Janeiro e mais à frente de Lisboa, o General Queiroz Duarte analisa várias questões acerca do homem, do comandante e do político.

Pese embora o sistema de notação bastante difícil de seguir, se de todo, o livro aparece verdadeiramente como um oásis no deserto que é a figura histórica de Lecor vista pela modernidade.

As lindíssimas ilustrações de Ivan Wasth Rodrigues adicionam uma mais valia à obra, mostrando alguns uniformes interessantíssimos como a de um oficial-general de 1814, muito parecido com o nosso amigo Carlos Frederico (até o facto da gravura representar um Marechal-de-Campo bate certo), embora a legenda nada diga. Eu cá digo que é o Lecor, a ver se um dia eu ponho a fotinha, desde que não desrespeite leis de direito de autor.

A título de curiosidade, comprei os 3 volumes num sebo no Brasil (sebo sendo alfarrabista para os Europeus), com uma excelente encadernação mandada fazer pelo Sr. Coronel Alcyomar, na loja Thelma e Roberto Ltda., no Rio de Janeiro, nos idos de 1986.

17 de março de 2008

Prolegómeno após algumas entradas



Desde já pedindo perdão pela aparente contradição dos termos, permitam-me um declaração de princípios acerca do objectivo deste blog.

Na boa tradição iniciada no Romantismo, com bases imemoriais, pretendo recuperar e sistematizar a essência de Carlos Frederico Lecor, o homem, relacionando-o com os tempos em que viveu e em que se moveu. A partir da figura histórica, desconhecida para muitos, partir imediatamente para a reconstrução da sua dimensão humana.

Escrevo isto para me precaver perante o leitor de algo importante, ao mesmo tempo justificando-me. Como em todos os homens, há aspectos positivos e negativos. Há, pois, que tentar estabelecer um equilíbrio imparcial que nos afaste, ao mesmo tempo, de um texto panegírico, em que Lecor é um santo entre os homens, e de um texto de ódio, em que se pretenda mostrar que o senhor era a Besta entre os homens.

E porquê este prolegómeno, que parece ao senhor leitor, assentar no mais básico senso comum e boa educação? Porque pretendo agora, durante um tempo, debruçar-me sobre alguns aspectos negativos de Lecor.

Continua a procura, senhor leitor, Em Busca de Lecor.


16 de março de 2008

Visita ao Quartel-General em Montevidéu


Nos último dias de Fevereiro de 1818, pouco mais de um ano após a conquista de Montevidéu pelas forças portuguesas, Henry Brackenridge, secretário de uma missão norte-americana a Buenos Aires, viajando na Fragata "Congress" [na foto, em 1857], visitou o Quartel-general de Lecor, oferecendo-nos um testemunho interessantíssimo. Acompanhemos então Mr. Brackenridge, na sua língua nativa:

We accordingly proceeded to the quarters of the Portuguese general, who occupies one of the largest and best houses in the city. We entered a spacious court or veranda, with galleries all around it, through a guard of black troops, with sleek and greasy looks, and dressed in showy uniforms. In these countries the blacks are preferred as guards and centinels, about the persons of officers of distinction.

After going through several apartments, passing centinels and officers on duty, exhibiting to us all the pomp and parade of the establishment of a great military chief, we entered an apartment where we were politely invited to sit down.

We had scarcely time to recover from the reflections produced by this, to us, unusual scene, when the general himself made his appearance, with which we were much struck. He is a remarkably fine figure, tall and erect, with a native unaffected dignity of manners. His age is above fifty-five [close enough, he completed 54 in the previous October, 6th], his complexion much too fair for a Portuguese; indeed, we afterwards learned that he is of Flemish descent. The character of this officer does not contradict the favourable impression which his appearance is calculated to make. His reputation is that of a brave and honourable soldier, and a polite and humane man. From all accounts, however, he is not exclusively indebted for these good qualities for his elevation from a low rank in life. Mr. Bland introduced himself through White, who acted as interpreter, and after some conversation, in which he stated the motives of the visit, he accepted a general invitation to dine the next day, the general at the same time in the most obliging manner tendering his services.
Henry Marie Brackenridge (1820), Voyage to Buenos Ayres Performed in the years 1817 and 1818 by Order of the American Government, London.

14 de março de 2008

Faro, Novembro de 1793


Esta é a cidade de Faro vista de onde hoje está o Hotel Eva, em Novembro de 1793. A igreja da Misericórdia domina a esquerda da gravura; ao centro vemos a torre da Sé, bem dentro dos muros da cidade. Mais próximo ao centro, o bulício da cidade, com uma formação militar marchando naquilo que é hoje o Jardim Luís Bívar. Será possivelmente do regimento de Artilharia do ALgarve (o futuro n.º 2).
Quem sabe Lecor estava entre eles, já que ele se alistou por esta mesma altura. Note-se as peças de artilharia, para lá da doca, ao lado direito.
O autor da gravura assina J. M. do S. - Quem será o cavalheiro?