16 de março de 2009

Leituras Cibernáuticas IV - História da Campanha do Sul de 1827

Qualquer historiador amador e sem dinheiro (os profissionais e endinheirados também, na verdade, mas não é o meu caso) deverão estar sempre com o olho nas novidades do Google Livros e do Archive.org.

Ora, anteontem, encontrei a mais fresca novidade em torno de Lecor, uma preciosidade acerca da Guerra da Cisplatina (Esp.: Guerra del Brasil) de 1825-1828, escrita por Eunápio Deiró (o autor não consta da ficha do livro, mas identifiquei-o facilmente). Fundamentalmente, o livro versa sobre os acontecimentos de 1827 e sobre a batalha do Passo do Rosário (ou Ituizangó),em 27 de Fevereiro de 1827, uma pequena grande derrota.

Interessante mesmo é que este livro foi escrito por um Barbacenista, isto é, claramente um apoiante do Marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta. (1772-1842) Não portanto um dos meus, pois eu sou, e o leitor já claramente percebeu, um Lecoriano. Defeitos pessoais e públicos à parte, ao menos Lecor era um soldado verdadeiro, enquanto o Barbacena era um bom diplomata, favorito da amante do Imperador, mas não, de facto, um soldado no verdadeiro sentido da palavra, muito menos um comandante.

Ora, na História Brasileira retunda ainda o frio encontro entre as duas personagens a 26 de Novembro de 1826, na Vila do Rio Grande, quando Lecor rendeu o comando do Exército do Sul a Barbacena, assim como a recusa posterior de D. Pedro I em receber Lecor.

Passaram 14 meses até que Lecor, que havia humildemente aguentado todo o desprezo que a Côrte lhe havia oferecido, torna ao comando do Exército do Sul, para gáudio, diga-se, da população gaúcha, que ao contrário da capital sabia agradecer.

Ora, o caríssimo leitor queira perdoar as minhas palavras, acaso seja barbacenista, ou até mesmo se não for, mas as ondas desta polémica chegam a este ano de 2009 e pela pena deste que vos escreve, não cessarão senão pela atribuição da verdadeira importância de Carlos Frederico Lecor, que, apesar de ter nascido em Portugal, serviu distintamente o Brasil quando o Brasil mais dele precisou.

História da Campanha do Sul em 1827 (Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 3.º Trimestre, 1886)
Eunápio Deiró [visite aqui]

14 de março de 2009

Leituras Cibernáuticas III - Memoria das Medalhas e Condecorações Portuguezas


Memória das Medalhas e Condecorações Portuguezas e das Estrangeiras com Relação a Portugal [aqui]
Manuel Bernardo Lopes Fernandes
Academia Real de Ciências de Lisboa, Lisboa, 1861


Esta obra já estava disponível no Google Livros inserido na Revista da Academia, mas carecia das litografias, onde podemos ver as medalhas.
Nesta edição, uma espécie de separata, encontramos as imagens das várias medalhas, de acordo com os seus desenhos originais, de Lei.

A visitar, baixar e guardar.

Na imagem, a Estrela de Oiro de Montevidéu [vide pp.85.89 para saber mais].

11 de março de 2009

Retrato a Óleo, Miguel Benzo


Encontrei recentemente este pormenor do Óleo de Miguel Benzo, que está no Museu Histórico Nacional de Montevidéu, representando o Tenente General Carlos Frederico Lecor, por alturas do auge da sua carreira, entre 1820 e 1824, rondando os 60 anos de idade.

Poderão ver mais no sítio Kalipedia, em http://uy.kalipedia.com [artigo sobre Lecor].

De notar a Banda, azul, da Ordem da Torre e Espada, assim como a placa de peito e colar, indicando que é Grã-Cruz (Honorário).
No peito, em cima, a placa de Comendador da Ordem de Aviz, sendo que detinha a Comenda do Sardoal (Alentejo).

O quadro a óleo é maior, com um retrato de D. João VI à direita, e a cidade de Montevidéu na janela à esquerda. Também se pode ver, no quadro completo, a espada de Lecor, provavelmente, a que ele mandou fazer no Arsenal Real em 1815, quando foi nomeado Comandante da Divisão de Voluntários Reais do Príncipe.

7 de março de 2009

'Arvorado em general', Divisão de Observação de Beira Baixa, o primeiro comando de Lecor (Fevereiro de 1809)





A 20 de Novembro de 1808, quase 3 meses após ter retornado de Plymouth integrado na Leal Legião Lusitana, Carlos Frederico é nomeado Coronel do Regimento de Infantaria n.º 23, de Almeida.
No adro ainda ia o seu trabalho nesse regimento - buscando pô-lo em condições - quando se vê nomeado comandante da Beira Baixa, em 25 de Janeiro de 1809, mais precisamente Comandante da Divisão d'Observação da Beira Baixa, integrada no maior Exército d'Entre Tejo e Mondego (Tenente General António José de Miranda Henriques), juntamente com a formação-irmã, a Divisão d'Observação da Beira Alta (Marechal de Campo [hoje seria Major General] Bacelar).

Após ter sido nomeado para comandar a Beira Baixa, por Ofício de 25 de Janeiro, assinado por D. Miguel Pereira Forjaz. o Coronel Carlos Frederico Lecor deslocou-se, no início de Fevereiro, de Almeida (onde comandou brevemente o Infantaria 23) para a Idanha. Lecor iria substituir o brigadeiro Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, nomeado para o governo de armas do Minho, onde iria ter um papel importante durante a segunda invasão francesa sobre o norte de Portugal.

[na foto, ao topo, o Rio Pônsul, junto a Idanha-a-Velha].

A província era de extrema importância, na medida em que o Coronel Lecor se via encarregado da defesa do teatro onde apenas há cerca de 14 meses, Junot havia entrado em Portugal. Como o próprio Lecor refere, na sua carta de aceitação e agradecimento a D. Miguel Pereira Forjaz, datada de 2 de Fevereiro, "Lembre-se V. Ex.ª que me arvora em General e que as minhas circunstâncias não são para isso".

Com pouco menos de um mês nesse comando, Lecor enviou uma carta ao Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, D. Miguel Pereira Forjaz, apresentando os problemas e prescrevendo uma terapeutica (curiosamente, ou não, a mesma que Arthur Wellesley prescreverá, com sucesso, para a defesa de Portugal em 1810): a negação de sustento às tropas francesas.
Entre outros elementos, é notório o desfazamento entre os militares e os civis, problema principal que Lecor enumera. Com o benefício, no entanto, de uma linguagem elegante e clara, Lecor apresenta em pleno o potencial que o levará a mais altos voos e consistentemente a deter comandos nesta área, talvez a principal entrada de acesso a Lisboa, paralela ao Tejo.

Aqui fica, pois, a carta que amanhã fará 200 anos de idade, reportando a situação da Beira Baixa e, concerteza, a disposição geral dos Portugueses:

Illmo e Exmo. Senhor,

A presunção em que acham os Povos da Beira Baixa, aonde tenho a honra de comandar, que o perigo está passado, e que o Inimigo não tornará a invadir esta Província, faz com que o patriotismo e actividade se desenvolva mui pouco nestas Povoações, lembrando-se de Privilégios, e fugindo a darem transportes aos accentos, e escondendo o pão supérfluo que ainda têm: faz-se muito necessário ordens positivas sobre tão importante objecto, determinando S.A.R. = 1.º Que cessem na actual situação todos os Privilégios em todas as classes de cidadãos principiando pela Tropa de Linha, e Milícias = 2.º Que todas as Autoridades Constituídas Eclesiásticas, Civis e Militares, aproximando-se o Inimigo se devem retirar às Montanhas, sem o que é dificultoso fazer mover os Povos, valendo-se o Inimigo as mesmas Autoridades para lhe fazerem aprontar os Mantimentos que lhe são necessários como fizeram em Portugal e estão praticando em Espanha = 3.º Que se obrigue a todas as famílias a depositarem o pão, que conservam para o seu sustento, e os seus gados nas Montanhas, ou terras que lhes são vizinhas desde Alpedrinha até a Serra do Muradal, e desta até Vila Velha, para onde os Povos se devem recolher logo que o Inimigo pretenda entrar com maiores forças, porque de outra sorte acharão em cada Povo assão (?) nos Depósitos particulares de cada família pão suficiente para sustentarem as suas Colunas umas poucas semanas = 4.º Todo o pão dos celeiros e sobras dos particulares se deve reunir em um Depósito geral para fornecimento da Tropa, fora do alcance de um golpe de mão, parecendo-me o mais conveniente a Sobreira Formosa.
Todas estas disposições merecem a atenção de S.A.R., pois marchando o Inimigo sem Armazéns, o meio mais forte de resistência que lhe poderemos opor será embaraçando que lhe encontre subsistência.
Tenho calculado que na Beira Baixa se podem sustentar 20 mil homens dois meses com provimentos particulares, por consequência é de primeira necessidade obrigar que se façam os Depósitos particulares e gerais nos Pontos que a Natureza defende, e que a Tropa e ordenanças podem guardar.
Acabo de receber um Ofício do general Costa [Cuesta] pelo oficial que mandei àquele Exército tomar conhecimento das disposições dos Espanhóis, e Franceses. O mesmo Costa me dá a conhecer o pouco contente que está do Exército Português o não auxiliar. À presença de V.Exª mando o mesmo oficial, o qual pode informar a V.Exª das miudezas [meudezas] e particulares que ali presenciou. O Exército do dito General Costa vai-se reforçando, e assegura-me o dito oficial que já tem 5 mil homens de Cavalaria bem armados, e vestidos.
Espero que S.A.R. determine com toda a brevidade se executem as providências que pondero para bem da defesa desta Província, a fim de que haja tempo de poder executar todos estes arranjos, sem os quais toda a Resistência Militar não bastará para suster a entrada do Inimigo.

Deus Guarde a V. Exª (...)

Idanha, 3 de Março de 1809

Illmo e Exmo Sr. D. Miguel Pereira Forjaz

Carlos Frederico Lecor(Transcrição da carta disponível no Arquivo Histórico Militar, AHM-DIV-1-14-095-54, com adaptação ao Português contemporâneo)


* * *

Ordem de Batalha
Em finais de Março, a Divisão da Beira Baixa, como era tratada à guisa de diminutivo, tinha as seguintes forças, em duas linhas:


1.ª LINHA [Margem do rio Erges, a fronteira com Espanha]
Constituído inteiramente por 6 Companhias de Caçadores do Monte, com o complemento de 102 homens cada, totalizando 612. Este tipo de companhias eram formadas por Ordenanças voluntários ou escolhidos pelo excelente conhecimento do terreno da Raia.
Estando baseados em aldeias e vilas, formavam então a 1.ª linha, com a seguinte distribuição de efectivos, de Sul para Norte:

Malpica (50), Monforte (52), Rosmaninhal (102), Segura (102), Salvaterra do Extremo (102), Penagarcia (30) Aranhas (72) Guadrazães (102)

As Companhias de Caçadores do Monte eram formadas apenas em tempo de guerra, a partir de voluntários, sendo as patentes dos seus oficiais assinadas pelo comandante militar da região. A sua utilização em 1809 teve um precedente, em 1801, na Guerra das Laranjas, não só na Beira Baixa (que não viu acção), mas na Beira Alta e em Trás-os-Montes. Em 1801, Lecor era aliás Capitão Ajudante d'Ordens do Marquês de Alorna, na Legião de Tropas Ligeiras que guarneceu também este mesmíssimo teatro de operações.

2.ª LINHA [Margem do rio Pônsul]
Constituído pela Infantaria de linha, Caçadores e Regimentos de Milícia locais, perfazia 4,284 homens, distribuidos assim, também de Sul para Norte:

Cebolaes - Batalhão de Caçadores n.º 4 [486]
Castelo Branco - Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 1 [194 efectivos]
& Regimento de Milícias de Castelo Branco [308]
Escalos de Baixo - Batalhão de Caçadores n.º 5 [227]
Idanha-a-Nova - Batalhão de Caçadores n.º 2 [366]
Idanha-a-Velha - Batalhão de Caçadores n.º 1 [552]
& Regimento de Milícias da Idanha-a-Nova [1,101]
Penamacor - Regimento de Milícias da Covilhã [1,050]

Cavalaria
3 Esquadrões, em Zibreira, Alcafozes e Idanha-a-Nova, cada um destes com pequenos destacamentos em 11 aldeias e vilas [370]

Artilharia
Uma Companhia de Caçadores do Monte, mais a sul, em Vila Velha do Ródão, com 102 homens, defendia uma linha de postos constituída por 58 artilheiros em quatro áreas, de Sul para Norte, Vila Velha, Perdigão, Talhadas & Muradal.


Esta Divisão estava posicionada essencialmente de forma defensiva, com os Caçadores do Monte servindo de piquetes altamente móveis, reconhecendo activamente. Mais para dentro, em torno do Quartel-General de Lecor em Idanha-a-Nova, estavam as unidades de linha e as Milícias, o grosso das forças.