19 de dezembro de 2010

Libera Me - José Maurício Nunes Garcia (1767-1830)


No funeral do Marechal do Exército Carlos Frederico Lecor, na Igreja de São Francisco de Paula, Rio de Janeiro, a 4 de Agosto de 1836, foi tocada a peça Libera Me. Não sabendo quem o autor, nessa precisa ocasião, apresento aqui a versão de José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), compositor brasileiro contemporâneo de Carlos Frederico, e também residente no Rio de Janeiro:

Libera me, Domine, de morte aeterna, in die illa tremenda:
Quando caeli movendi sunt et terra.
Dum veneris judicare saeculum per ignem.
Tremens factus sum ego, et timeo, dum discussio venerit, atque ventura ira.
Quando caeli movendi sunt et terra.
Dies illa, dies irae, calamitatis et miseriae, dies magna et amara valde.
Dum veneris judicare saeculum per ignem.
Requiem aeternam dona eis, Domine: et lux perpetua luceat eis.

Livra-me Senhor da morte eterna. naquele dia tremendo:
Quando os céus e a terra se revirarem:
Então virás julgar os povos através do fogo.
Ponho-me a tremer, e tenho medo, quando o abalo vier juntamente com a fúria futura.
Naquele dia de ira, de calamidade e miséria, dia de grande e excessiva dor.
O descanso eterno dá-lhes, Senhor, e brilhe para eles a luz eterna.

A atuação é da responsabilidade do maestro Ernani Aguiar, Coral Porto Alegre e da Orquestra de Câmara Theatro S. Pedro, a 20 de Outubro de 2008.

10 de dezembro de 2010

Problemas Financeiros de Carlos Frederico Lecor



José Ferreira Pestana (1795-1885),
procurador de Lecor após a morte deste.
Tive a dúvida de colocar ou não esta entrada, na medida em que a ilustro com uma carta privada.
Mas, relendo o general Paulo de Queiroz Duarte, no seu Lecor e a Cisplatina, de 1984, e mais para trás, Wanderley Pinho em 1936, a questão financeira é uma elemento importante para compreender o ilustre general, sujeito deste blogue. Os soldos, gratificações e presas estavam sempre atrasados nos exércitos do primeiro quartel do século XIX, por vezes quase chegando a vários meses.

Além disso, encontrei uma edição do Grande Dictionaire du XIX siècle, 1873, de Pierre Larousse, onde se afirma que Lecor morreu "riche d'une fortune colossale", o que é falso, acreditem de quem vê os seus bens em 1836. Em Dezembro de 1836, José Ferreira Pestana (NA FOTO EM CIMA), seu sobrinho por casamento, reclamava as presas da Guerra Peninsular que lhe haviam sido retidas pelo governo 'usurpador' (D. Miguel).

A carta que gostaria de transcrever aqui é de 11 de Outubro de 1812, ao início dos últimos seis meses como comandante militar da Beira Baixa (na verdade, algo mais próximo de Divisão da Beira Baixa, mas o cargo é referido de várias formas conforme quem escreve). É endereçada a um antigo camarada da Legião de Tropas Ligeiras, Marechal-de-Campo (major-general, hoje) António Lemos Pereira de Lacerda, secretário militar do Marechal Beresford. Em Março de 1797, quando foram nomeados os primeiros majores, capitães e oficiais subalternos, Lecor era Capitão da 8.ª companhia da Legião, e António de Lacerda era um dos Sargentos-Mor nessa unidade (Major, dir-se-ia hoje).

O texto fala por si, e ainda mais sendo uma carta pessoal a um amigo, mas importa compreender que durante todo este tempo na Beira Baixa, com pequeníssimas interrupções (excepção aos seis meses nas Linhas de Outubro.1810 a Abril.1811), Lecor em altura alguma faltou com o seu dever e missão. Se Lecor for, então, um daqueles oficiais vindos da burguesia, classe média, a chegarem a postos importantes pela primeira vez, esta carta ajuda-nos a perceber, ao pormenor, uma mudança fundamental no Exército Português:

Ill.ª Senr. Ant.º de Lemos Perr.ª de Lacerda

Meu amigo e S.r (?) do meu particular respeito, confiado no favor com que V. S.ª me honra tômo a liberdade de rogar a V. S.ª me queira dar francamente alguma ideia do estado em q se acha a mª pretenção sobre a grateficação mensal que requeri ao Illmo. e Ex.º Sen.r. Marchal Conde de Trancozo (a exemplo do Brig.do. Loubo, Marechal Victoria, Ten. Gen. Bacellar, &&) cujo requeremento tive a honra de entregar ao cuidado de V. S.ª no mez de Abril passado, por quanto quando venha a ser negativo o seu rezultado ser-me-á absolutamente nessessario procurar meios para conseguir de S. E.ª o tirar-me deste comando pois cada vez me vou empenhando mais.

Prezentemente em lugar de 5 foragens recebo só 4 por me contemplarem de Estada, ao mesmo tempo que tenho de vezitar frequentemente Capitanias-Mores, e Regimentos de Mellicias acresendo actualmente as vezitas que a Praça de Monsanto me offerece (?) aonde só no mez paçado tive de hir 7 vezes para decedir duvidas e promover os trabalhos.

Sinto entanto não ter rendas proprias para poder servir o Estado sem lhe cauzar pezo; porem quiz o Diabo que viese ao mundo este Ente dependente para andar sempre com a sella na bariga emportunando os amigos, no entanto perdoe V. S.ª a empertenencia, e queira me dar occaziões em que possa mostrar a m.ª gratidão, e a alta consideração com que sou

De V. S.ª
Am.º (...)

Carlos Frederico Lecor

Castello B.co
11 de Outubro de 1812

In: AHM-DIV-1-14-225-24 [imagens 20 a 22], Arquivo Histórico-Militar (online)

"De/com a sela na barriga"
1 Pop. Na miséria, em estado ou situação de penúria.
(iDicionário Aulete - aqui)

18 de novembro de 2010

Trilho de Papel: Infância e Juventude

Agora que me preparo para escrever a biografia de Carlos Frederico Lecor, não posso deixar de escrever aqui algumas linhas ao caro leitor acerca da verdades que não possuo ainda. A bem dizer, duvido muito que as consiga ainda descobrir, mas tentarei.

Quero-me debruçar, nesta entrada, acerca do trilho de papel nesses arquivos e que dizem respeito à infância e juventude do menino Carlos Frederico, até ao momento em que o perco.

Louis Pierre Lecor, o pai

Acerca do pai de Carlos, julgo que até terei bastante sorte em ter dados. Terá nascido em 1729, na paróquia de Saint Eustache (1er Arrondissement, em Paris). Coloco-o em Portugal apenas porque traduziu uma obra de pedagogia em 1746 (que se encontra na Biblioteca Nacional). Em 25.6.1759, casa-se, em Alfama, com Joana Francisco de Castro, mas infelizmente Louis enviúva logo 3 meses depois, a 25 de Setembro.
A 3.2.1761, Louis casa com Quitéria Luísa Marina Krusse, em Santos-o-Velho, dando início à história que eu busco.

A Família Lecor em Lisboa

Fruto do casamento de Louis e Quitéria, nasce, primeiro, o nosso herói Carlos Frederico, a 6.10.1764. No assento de baptismo, de 20 desse mesmo mês, a Rua de Pé de Ferro é indicada como a residência da família.
Dois anos depois, a 7.10.1766, nasce João Pedro. Por esta altura, a família reside na Rua de S. João da Mata. Este irmão será em 1815 o 1.º Ajudante d'Ordens de Carlos na Divisão de Voluntários que parte para o Brasil e tem a dúbia honra de estar a comandar uma formação em parada, aquando um dos ataques de epilepsia do Príncipe D. Pedro, futuro Imperador do Brasil.

Ora, em 1768, o trilho de papel começa a ficar esbatido e tortuoso. A 6.9.1768, nasce António Pedro Lecor, sendo baptizado na paróquia de Alcântara. No entanto, a residência da família é ainda Santos-o-Velho. Não faço ideia porque terão baptizado o 3.º filho numa outra paróquia, mais ainda porque a paróquia de Santos nunca cessou o seu labor.

Por esta altura, perco o trilho de papel. Os dois filhos mais novos de Louis e Quitéria - Jorge Frederico e Maria Leocádia Leonor - não os consigo encontrar. Nem em Santos, nem em Alcântara, nem na Lapa, S. Paulo, Mártires, etc. Só sei que nasceram e foram baptizados em Lisboa, porque tal é indicado nos seus casamentos, mas o trilho ficará ainda por descobrir.

A Família em Faro

Só recupero o trilho de papel exactamente no dia 7 de Janeiro de 1781, pois é nesse dia que Carlos Frederico, com pouco mais de dezasseis anos, assiste ao baptismo de Carlos Fernandes, tocando-o sob procuração da madrinha (sua tia), Basília Máxima Benedita Krusse, na Sé de Faro.

Como em todas as situações que em se recupera um trilho de papel, uma década depois, só se pode adivinhar, palpitar. Ainda assim, só perguntas permanecem e poucas respostas.

Algumas das pessoas que conviveram com os Lecor em Lisboa, aparecem em Faro antes de 1781, dando alguma ajuda.
A madrinha (e tia) de Carlos Frederico, por exemplo, Vitória Berarda Marciana Krusse, casada com o Dr. Salvador Pereira da Costa, baptiza a filha Catarina em Faro, em 25.11.1772.
Em 13.10.1778, é baptizada Clara, filha de Carlos Frederico Krusse (padrinho e tio de Carlos) e Teresa do Nascimento.

Mas quando, então, passaram a Faro os Lecor? E porque razão o fizeram?
A primeira questão pode ainda ter resposta; à segunda só se pode conjecturar quando se responder à primeira.

Concluo, pedindo desde já perdão ao caro Leitor pela pertinência duvidosa desta entrada no blogue, mas esperando cativar alguma empatia para esta minha busca de Lecor.

23 de outubro de 2010

El día que Artigas se emborrachó

Não pretendo ofender ninguém, mas apenas deixar aqui a canção "El día que Artigas se emborrachó", dos Quarteto de Nos.
A propósito, calculo que Artigas gostasse da pomada, como quase toda a gente, mas o Lecor é que foi chamado de bêbado por um anónimo no Teatro de Porto Alegre, em 1829, pouco antes de voltar ao Rio.
Seja como for, aqui ficam os Quarteto de Nos:



Este video é só para divertimento. Espero que ninguém se ofenda.

"1822" - Laurentino Gomes



Ando a ler o 1822, de Laurentino Gomes (Porto Editora) e, apesar de não ter a mesma força e consistência que o 1808, não deixa de continuar mostrar a boa prosa do autor e a capacidade de contar a História de uma forma articulada e consistente. Ainda que o título seja 1822, de facto Laurentino Gomes foca a sua narrativa no Imperador D. Pedro I e vai por 1823 até 1824.
É de louvar especialmente a grande capacidade do autor de 1822 em relacionar o passado com o presente, sem nunca abandonar o primeiro e sempre com forte pertinência.
Um ponto negativo, porém, para o conhecimento que o autor dispõe acerca da Cisplatina e do nosso amigo Lecor, mesmo que os acontecimentos no sul do Brasil não sejam diretamente focados na obra.
Ainda assim, será de indicar que Carlos Frederico Lecor era já Barão da Laguna desde 6 de Fevereiro de 1818 (o autor coloca-o como Barão a haver em 1822).
Por último, Álvaro da Costa não comandou apenas um regimento, mas sim a Divisão de Voluntários Reais, desfalcada, mas uma divisão (e tropas avulsas, como os Batalhões de Libertos e Milícias locais uruguaias).
Em conclusão, um livro a ler, com especial enfase da minha parte na teoria, original de Sérgio Buarque da Holanda, de que a Guerra da Independência Brasileira, foi, nos estrato da oficialidade superior, uma espécie de guerra civil portuguesa, liberais conservadores (no Brasil) vs. Cortes.

11 de setembro de 2010

Retificação - Batalha de St. Pierre

Conforme me chama atenção o caro leitor Rui Pereira, é Jacinto Alexandre Travassos e não José Alexandre, o Major de Infantaria 14 que comandava o 2.º Batalhão na carga à baioneta que ajudou a desembaraçar Infantaria 2 de uma partida de Voltigeurs, a 13 de Dezembro de 1813, na estrada de Baiona a St. Pied du Port, a Batalha de St.Pierre.
Em resultado dos seus ferimentos, o Major Travassos falece 8 dias depois desta brilhante jornada. Na foto, BAYONNE, hoje.

Ainda outro erro, este não meu, mas do nosso amigo Carlos Frederico Lecor, é o Major Rodrigo Vito Pereira (e não Moreira, como está antes no texto) que assume o comando de Infantaria 14 após Travassos ser ferido.

Os meus agradecimentos a Rui Pereira.

18 de fevereiro de 2010

Unidades de Lecor III - Legião de Tropas Ligeiras

Hum corpo de Tropas que guarda o Exercito - que aplana as dificuldades diárias que espreita os momentos favoráveis - e que até descobre muitas vezes as tençoens do inimigo, parece que deve ser ligeiro, tomado este termo no sentido fizico; e tãobem no moral, não deixando ao Estado mais trabalho, do que o da simples despeza para a sua mantença, nem ao General outro cuidado se não o de empregar onde preciza, sem nenhuym embaraço sobre a sua subsistência. (Setembro 1796, 3.º Marquês de Alorna [na foto, em baixo, em 1805, com a esposa e os dois filhos, fardados à Legião])

De acordo com as fontes disponíveis, em 1 de Março de 1797, Carlos Frederico Lecor entra como Capitão na Legião de Tropas Ligeiras. É incerto em quais cargos e sub-unidades o nosso herói terá servido. Em 1801, durante o período anterior e mesmo durante a Guerra das Laranjas, Lecor estava na Zebreira (muitos diriam Zibreira na altura), a comandar cerca de 200 homens. Estes homens eram de 2 ou 3 companhias diferentes de infantaria da Legião.

Zebreira resultava, como resulta ainda hoje, na ligação das duas estradas que vão para Espanha, uma em Segura, outra em Salvaterra do Extremo. Lecor estaria, pois, no comando de um posto da 2.ª linha de defesa da Divisão da Beira, comandada primeiro pelo Marquês de Alorna, chefe da Legião, e depois pelo idoso General João Dordaz e Queirós.

Em 1803, no relatório de uma inspecção à Legião de Tropas Ligeiras, é referido esse serviço de Lecor, mormente na queixa dos soldados em terem sido pagos abaixo dos trabalhadores civis. Aparte as coisas do dia-a-dia da unidade, nem sempre suficiente claras para o inspector (Marechal de Campo Rodrigo de Lencastre), na demonstração de manobras, a Legião é elogiada, na medida em que havia tido que improvisar regulamentos desde o seu início; decerto desde que Alorna e os seus colaboradores haviam traduzido manuais de infantaria ligeira e utilização coordenada das 3 armas, em Francês. Deduzo que Lecor, filho de um tradutor francês, Louis Pierre, tenha tido o seu uso nesta demanda para além da relação pessoal com Alorna.

Apesar de se apontar 1796 como data da origem da Legião, só em 1798 é que a unidade se activa, de acordo com a sua 1.ª Ordem, a 11 de Março de 1798, em Estremoz.

O seu papel foi fundamental, no Exército Português, para a experimentação do uso de tropas ligeiras permanentes, especialmente no uso coordenado da infantaria, cavalaria e artilharia a cavalo. Provou-o eficazmente na Beira, em 1801, mas todo o combate aconteceu em outros lados.

No início de 1806, Lecor comanda interinamente a Legião, até que o novo comandante, Barão de Wiederhold, tome posse. Já em Junho desse mesmo ano, está de novo com Alorna, novo Governador de Armas do Alentejo.