13 de junho de 2015

Memórias: Sargento Mor José António da Rosa (1793)


Na sua obra seminal Excerptos Históricos, Cláudio de Chaby convoca frequentemente os raros memorialistas portugueses das guerras revolucionárias e da guerra peninsular, assim como alguns britânicos. Aqui faço gosto de apresentar a transcrição de uma destas memórias, das mais raras ainda pertinentes ao Exército Auxiliar que combateu na Campanha do Roussilhão e da Catalunha, de 1793 a 1795, aliado à Espanha, inserido na maior guerra da Primeira Coligação.

O Sargento Mor (hoje, major) José António Rosa (1745-1830), proveniente do Regimento de Artilharia da Corte (em 1806, o n.º 1), era o comandante da brigada de Artilharia do Exército Auxiliar, forte de 450 homens, e relata o que lhe aconteceu na viagem marítima de Lisboa a Rosas, na Catalunha.



José António Rosa
«Depois que no dia 20 de Setembro de 1793, embarquei com destino para o porto de Rosas, indo a brigada da minha obediência em dois navios, um dos quaes era comandado por Antonio Teixeira Rebello, e o outro por mim, chegámos à altura do cabo de Gattes com os mais navios do comboio, e encontrando ali tempos contrarios os navios se desordenaram, e quasi todos, ainda que separados, foram obrigados a arribar a Cartagena, uns por falta de aguas e mantimentos, outros porque os mares os não deixavam seguir. O navio que eu mandava, foi um dos que arribou àquelle porto duas vezes, até que na segunda arribada nos encontrámos ali com a nau capitania, com a qual saimos; porém, continuando o mau tempo, no fim de quatro horas a capitania não apparecia, e dos navios do comboio só nos achávamos reunidos dois quando chegámos à altura da ilha de Mahon, sendo o outro navio da minha conserva, o em que ia parte do Regimento de Peniche [futuro n.º 13] à obediência  do seu Coronel António Franco [de Abreu]. N’esta altura tivemos noticia de que n’aquelles mares andavam alguns corsarios argelinos, e com tal noca cui- // dámos em nos conservar para que, no caso de sermos acommettidos, mutuamente nos defendessemos e ajudassemos; para este effeito adoptei todas as providencias  que em similhante occasião me eram possiveis; sendo-me em taes circumstancias de grande soccorro, alguns barris de polvora que o navio por acaso levava, da qual destinei parte para seis peças que o mesmo navio montava, e à outra para os soldados se servirem como infanteria; e não havendo ballas para as espingardas, utilisei-me de algum chumbo que mandei fundir em cylindros, e depois cortar em pequenos pedaços que que os soldados fizeram balas tão esphericas como as que saem da fundição; e d’este modo forneci a cada soldado dos que deviam servir com armas, quinze cartuchos, sendo tudo praticado em um dia. Tambem, para supprir as granadas de mão, que não tinha, e tão precisas são nas abordagens, mandei que vinte e quatro soldados entregassem as suas latas de agua, e em cada uma d’estas se metteu um e meio arratel de polvora, tapando-se as bocas das mesmas latas com rolhas de cortiça furada de alto a baixo; por onde passava um estopim, regulado segundo o tempo preciso para se lançarem na embarcação inimiga; e estando d’este modo prevenido, e a gente com os seus postos nomeados, tanto para o serviço de infanteria, como para o de artilheria que se achava já bem preparava, na madrugada do dia 8 de novembro, diante do cabo de Santo Antonio, as sentinellas me deram parte que appareciam duas vélas, vindo uma com a prôa para nós, o que sendo vito por mim, me determinou a mandar logo a ir a postos toda a tropa: o mesmo fez o coronel Antonio Franco, pois via que o meu navia ia a seracommettido pelo outro que, segundo o rumo e distancia a que já se achava, com todo o fundamento era considerado por inimigo. Quando chegou a dita embarcação a permittir-me pela sua proximidade o poder servir-me da minha artilheria, levantei a nossa bandeira que firmei com um tiro de bala, indo esta afundar-se junto ao casco do navio aggressor, o qual mudou então, de rumo, sem que levantasse bandeira, nem se lhe visse um só homem, apesar da pouca distancia a que se achava de nós; o que deu bem a entender que a sua tenção era de nos atacar no caso de não nos achar tão promptos para os receber (3)»


“(3) .... pag. 50
Ao favor do sr. Dr. Thomás José de Sousa Rosa, e de seu irmão o sr. Pedro José de Sousa Rosa, dignos filhos do benemerito general, devemos o conhecimento do interessante escripto, do qual extrahimos as noticias a que é referida esta nota, e outras de que aproveitámos na composição do nosso trabalho; e mais devemos a faculdade de fazer copiar, de um retrato, obra do nosso insigne Sequeira, aquelle que do mesmo general illustra as paginas d’este livro.
À confiança que a s. Ex.as merecemos, tornando-nos depositario de taes e tão justa e zelosamente queridas recordações, somos de todo o coração agradecido; e para documento d’esta verdade, traçamos as presentes linhas, que concluiremos com a declaração sincera de muito nos honrarmos alliando-nos com s. Ex.as, nos sentimentos de saudade e veneração, que exemplarmente tributam à memoria de seu estremecido pae, ornamento brilhante da nossa patria, por elle muito querida, e muito honrada na laboriosa profissão das armas.”

Excertos de: CHABY, Claúdio de, Excerptos Históricos e Colleção de Documentos Relativos à Guerra Denominada de Peninsula e às Anteriores de 1801 e do Roussillon e Cataluña, (v. 1), Lisboa, Imprensa Nacional, 1863., pp. 49-50

Ilustrações, contidas no livro, de Sequeira.

1 de janeiro de 2015

Nicolaus Krusse e os seus Negócios no Brasil



Olinda, Capital do Pernambuco,
à altura (1726-1729)
Em maio de 1726, o provedor e deputados da Mesa de Homens de Negócio da capitania de Pernambuco enviaram  uma representação ao rei, entre outros assuntos, pedindo a remessa de “dois estrangeiros, Pedro Graaf e Nicolau da Cruz [sic]”. Por de trás dum nome tipicamente português, Cruz, temos uma alemão de Hamburgo, Nicolaus Krusse, avô materno do Marechal Carlos Frederico Lecor.

Sendo acusados de estar a conduzir negócios no Brasil, sem terem autorização para isso, ficou decidido que o Nicolaus tinha que retornar a Portugal, porque alemão, ou melhor hamburguês, e Pedro Graaf, porque holandês, podia ficar, em função dos acordos diplomáticos. Em finais de 1729, os dois comerciantes ainda apresentam um requerimento, onde pedem para continuar residindo e negociando na dita capitania, mas é certo que em 1730, Nicolaus voltou a Portugal, decerto a cidade de Portimão, no Barlavento algarvio.


Portimão, visto de leste
Após casar com Teresa do Nascimento, em ano que desconheço, nasce Carlos Frederico Krusse, o seu primeiro filho, em 1734, em Portimão. Tem, aliás, três filhos e três filhas, nascidos todos  em Portimão entre 1733 e 1748.

Nicolau Krusse, Crusi ou Cruz, como por vezes está grafado,  vem a falecer em Santos o Velho, a 15 de Março de 1758. Neste mesmo bairro de Lisboa, três anos depois, a sua filha Quitéria Maria Luísa Marina casa com Luís Pedro Lecor, a 3 de fevereiro. Seis anos depois nasce o seu neto, Carlos Frederico Lecor, a 6 de outubro.

Após a sua instalação em Pernambuco não ter sido bem sucedida, e de ter aberto loja em Portimão, perto do importante porto de Lagos, Nicolaus parece ter-se mudado para Lisboa, entre 1748 e 1758, podendo a mudança ter sido perfeitamente regular, em busca dos maiores e mais importantes mercados em Lisboa, ou em função do Terremoto de 1755, em que a cidade de Portimão ficou muito destruída, como em geral as cidades do Barlavento, mais perto do epicentro.

Fontes: Arquivo Histórico Ultramarino; Livros Paroquiais de Faro (Sé). Se desejar conhecer extamente as fontes consultadas, queira deixar a indicação nos comentários.

Projeto Ultramar (UFPE) / Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania de Pernambuco, Recife, Ed. Universitária da UFPE, 2006