28 de março de 2018

Apontamentos sobre a formação de oficiais de Artilharia no Algarve da década de 1790


A Aula Regimental do Regimento de Infantaria de Faro oferece-nos duas curiosidades. A primeira, e que pode causar mais confusões é que se localizava em Tavira, 40 quilómetros a leste de Faro, a capital política do reino dos Algarves dessa época. Na verdade, fácil de explicar, dado que o regimento de infantaria (que virá em 1806 a ser o n.º 14) se havia mudado em localização, em meados do século, mas não ainda, em 1793, em nome.
Dos quatro regimentos de artilharia que existiam nesta altura, Lisboa, Estremoz e Porto, apenas o da Guarnição do Algarve não tinha a aula junto ao regimento.

Descentralização do RAGA

Na verdade, é por isto que Carlos Frederico, decidindo-se alistar, obteve um posto em Tavira ou perto, de forma a frequentar as aulas do Coronel José de Sande Vasconcelos. Entrou como Soldado Pé de Castelo no Forte de São João do Registo da Barra de Tavira, em Cabanas de Tavira. Durante os seis meses que Lecor prestou serviço no Forte, tendo atingido o posto de sargento, também frequentava a aula regimental, de forma a preparar-se para exames de acesso ao oficialiato. 

Carlos Frederico assentou praça de voluntário e jurou bandeiras, perante um oficial do Forte de S. João, (guarnição), e o capelão, a 13 de Outubro de 1793, exatamente quando se iniciava o período letivo na aula do Coronel Sande de Vasconcelos, a poucos quilómetros. 

Quatro dias por semana, com descanso à quarta-feira, Carlos e os seus camaradas do regimento e de outros fortes das redondezas, aprendiam, numa sala da vários níveis de desenvolvimento, os princípios matemáticos teóricos e retirar, como dizia o Conde de Lippe, vinte anos antes, aprender “a arte de tirar de um pequeno número de factos conhecidos consequencias geraes para os factos incognitos”. No Inverno, as aulas eram das 9 ao meio-dia, no Verão, das 8 às 11 horas. Com alguma preparação matemática que a sua educação burguesa lhe ofereceu, principalmente sendo filho de um pedagogo, e criado no seio de famílias de homens de negócios, comerciantes de grosso, é certo que a primeira matéria do curso, a Matemática, não deve ter oferecido ao jovem soldado grande dificuldade.

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O Novo curso de Mathematica para uso dos officiaes Engenheiros, e Artilheria foi originalmente escrito em 1725 por Bernard Forest de Bélidor (1698-1761), tendo sido atualizado, se não em outras ocasiões anteriores, em 1757, quatro anos antes de Mr. Bellidor falecer, em 8 de setembro de 1761. 
Mais do que simplesmente um manual de Matemática, era feito especificamente para artilheiros e engenheiros, com aplicação militar direta. A sua tradução em português, feita pelo capitão Manuel de Sousa, veio em 1764, um ano após o decreto que regulamentou as aulas regimentais, assim como os exames de acesso. Nas aulas regimentais, o ‘curso mathematico de Belidoro’ é constantemente citado como a base da instrução de um oficial de artilharia do início de 1790, que poderia depois, completado ‘o estudo dos dezasseis livros de Bellidor’, especializar-se em fortificação, minas, arquitetura, engenharia.

Aos sábados, em período letivo, os cadetes, de todas as patentes, conforme o tempo de serviço – anspeçadas, cabos de esquadra, sargentos –, iam para o campo realizar exercícios de campo, onde as teorias da semana eram explicadas e experimentadas.


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Contactem-me nos comentários, para bibliografia, que a tenho presente em qualquer altura.

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Pormenor da fortaleza de S. João da Barra de Tavira, em Cabanas de Tavira.