29 de abril de 2012

Juliana e Lecor

No passado dia 12 de abril, José Norton apresentou o seu novo livro "Juliana, Condessa Stroganoff", a biografia de D. Juliana, conhecida mais comummente pelos portugueses como a infame Condessa de Ega. 

José Norton desmonta brilhantemente a cabala histórica que os românticos, primeiro, e todos os outros depois montaram contra Juliana. Para lá da pretensa amante de Junot, frívola e rebelde aristocrata mimada e caída em desgraça, o autor mostra a mulher, apenas e só, fruto das circunstâncias do seu tempo, das ações do seu marido e, principalmente, da educação numa das mais mais progressistas famílias aristocratas portuguesas.

Já habituado à qualidade e fluidez da escrita de José Norton, tendo lido O Último Távora, é suficiente dizer que li este livro em três dias e não fosse pelo meu trabalho teria lido em menos tempo. Pese embora a falta de referências diretas que possam ajudar outros investigadores a ir aos documentos primários - única falha que humilde e curioso aponto, não se deixa de notar a exaustiva pesquisa que o autor levou a cabo e que o faz produzir uma obra num género que deixou saudades com Raul Brandão no início do seculo XX e que recomeça agora a apelar ao gosto dos portugueses pelos tempos idos da gloriosa (digo eu) transição do antigo regime para o liberalismo. A Não-Fição Histórica portuguesa está pois viva e ganha terreno aos romances históricos, bendita seja Clio, a musa da História.

Porque esta postagem não pretende ser uma crítica, há que chegar ao ponto que me traz aqui: Lecor. O nosso amigo Carlos Frederico aparece neste livro, muito da mesma forma que apareceu em "O Último Távora", do mesmo autor. Um personagem secundária, inevitável na medida em que era amigo da família e frequentava a casa desde finais do século XIX. Como primeiro ajudante de ordens do Marquês de Alorna, D. Pedro, desde pelo menos 1805, Lecor frequentava o círculo íntimo da Casa de Alorna e Fronteira e era por todos eles considerado e de extrema confiança para quase todos os assuntos sensíveis.

O papel de Lecor foi o de ligação entre a mãe de Juliana, a futura 4.ª marquesa de Alorna, exilada em Londres e Juliana, no momento em que as forças inglesas derrotaram os franceses em Roliça e Vimeiro, no verão de 1808 e se desmontava o governo francês sobre Portugal, na sequência da Convenção de Sintra. 

Lecor, no âmbito da segunda vaga de fugas ao domínio francês, por alturas da Páscoa de 1808, havia fugido para Londres com o objetivo de viajar depois para o Brasil. Durante os 3 meses que permaneceu na Inglaterra, além de participar na formação da Leal Legião Lusitana (LLL), esteve em contato com a mãe de Juliana e ao voltar para Portugal, na companhia do 1.º batalhão da LLL, trouxe cartas de vital importância para as filhas da futura marquesa de Alorna, e especialmente Juliana, casada que era com um dos mais prolíferos e voluntariosos colaboradores de Junot, o conde de Ega.

Um primeiro ponto importante, que José Norton deixa em aberto é a data de chegada de Lecor a Portugal. De facto, Lecor chega ao Porto no dia 18 de agosto de 1808, na companhia de vários oficiais, nomeadamente Sir Robert Wilson que é nomeado semanas depois comandante da LLL pelo Bispo do Porto. Esta informação foi-me gentilmente passada por Moisés Gaudêncio, historiador desta época e especialmente da Legião, com base na biografia de Wilson, "A Very Slippery Fellow", de Michael Glover (a viagem dura 9 dias). A questão é que Lecor vinha com uma missão mais importante, a de preparar um segundo batalhão da LLL e de preparar a chegada do primeiro, organizado em Plymouth.

No livro, através de uma carta de uma das irmãs de Juliana, Frederica, sabe-se que Lecor entrega eventualmente as cartas incluindo a destinada a Juliana, já embarcada no navio inglês que a levaria para a França. Fá-lo decerto só após concluir as suas tarefas no âmbito da LLL, que incluiu algum tempo passado no Porto e uma posterior viagem, a 24 de agosto, ao Ramalhal, acompanhando Wilson, para conferenciar com o General Dalrymple, comandante das forças inglesas em Portugal.

De acordo com a carta de Frederica à mãe, nos inícios de Outubro, é referido que Lecor entrega as cartas, mas tarde demais para que se possa entregar a destinada a Juliana, que havia partido a 15 de setembro com destino a França.

Em relação a Carlos Frederico Lecor, não se sabe se acompanhou Sir Robert Wilson ao Ramalhal a 24.8.1808, ou se ficou no Porto a tratar dos assuntos da Legião (o que é bem mais provável). Seja como for, ele entregou as cartas no início de Outubro, tarde demais para Juliana, se bem que creio que pouca influência teria no destino dos condes de Ega.

Lecor poderia ter enviado as cartas por correio de confiança de Porto para Lisboa, mas creio que a sensibilidade das mesmas e a necessidade de as entregar em mãos só permitiu que ele as entregasse ele próprio quando pode finalmente ir a Lisboa, tarde demais para que chegassem a Juliana.

Aqui está, pois, o meu pequeno contributo no que tange ao papel de Lecor nesta história. Espero que complemente a leitura de "Juliana, Condessa Stroganof", livro que recomendo vivamente aos caros leitores deste blogue.

José Norton, Juliana - Condessa de Stroganoff, Filha da marquesa de Alorna, A vida da portuguesa mais influente da Europa no século XIX. Edição: 2012; Páginas: 440; Editor: Livros d'Hoje; ISBN: 9789722047944.

28 de abril de 2012

O Último Comando de Lecor


A 18 de agosto de 1835, a meros 11 meses e meio da sua morte e contando quase 71 anos de idade, Carlos Frederico Lecor é nomeado Comandante Superior da Guarda Nacional do Município do Rio de Janeiro. Este é o seu último comando, sendo incerto se chegou a assumir as suas funções.

A Guarda Nacional, constituída pelas antigas 2.ª e 3.ª linhas (as Milícias e as Ordenanças), é fundada pela Regência a 15.8.1831, após a abdicação do Imperador D. Pedro I. Nesse contexto, a Guarda Nacional, tendo nas suas fileiras as classes mais abastadas, apareceu como uma forma de contrabalançar os possíveis ímpetos restauracionistas do Exército, constituído pelas classes mais baixas. Funcionava como uma força militarizada ao serviço dos órgãos do poder judiciário, desde o Ministério da Justiça aos juízes da paz e apenas assumia um caráter mais operacional, do ponto de vista militar, quando a 1.ª linha (o Imperial Exército) se encontrava em campanha.

Quatro anos após a fundação, é interessante que o Marechal Lecor se veja nomeado Comandante Supremo da Guarda Nacional na capital do império, pois demonstra claramente que apesar de ser nascido em Lisboa, e não ser brasileiro nato, era bastante considerado pelos poderes estabelecidos após a abdicação de D. Pedro para que um posto de tal confiança lhe fosse atribuído. 

Falamos de uma época histórica onde o partido brasileiro e o português (ou 'caramurú', ou restaurador), para além dos radicais, se degladiavam pelo poder. Apenas três anos antes, pela residência de Lecor e Rosa, sua esposa, junto à ponte do Aterrado, km e meio a oeste do que é hoje a Central do Brasil, passaram excitados, dando vivas a D. Pedro I, e voltaram derrotados e feridos uma partida de 100 homens liderados por um hanoveriano dito Barão de Bulow, tendo sido de permeio derrotados por 200 guardas municipais e outras forças, no Rossio (hoje Pç. Tiradentes).

Não sei se Lecor chegou a assumir este comando importante, pois as fontes indicam que ele faleceu após doença prolongada. Ainda assim, é de crer que sendo o cargo de relevância mais cerimonial que operacional, o velho soldado o tenha assumido nas oportunidades que a doença lhe terão aberto. Assim foi o último comando do nosso amigo Carlos Frederico.

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- Fuzileiros, Guarda Nacional (1840-1845), Ofic. Brito & Braga (fonte: wikicommons)