Na minha busca de Lecor, não encontrei senão meros esboços do homem por trás do militar, nada de cartas pessoais e apenas meras referências esporádicas à sua vida pessoal e íntima.
Gen. Tomás de Iriarte (1794-1878) |
O extrato que publico veio colmatar alguma dessa falta, não porque nos dê a dimensão humana mais íntima dele, mas porque é o aprofundamento das memórias de um general argentino que usufruiu da hospitalidade portuguesa em Montevidéu, Tomás de Iriarte [NA FOTO], oficial de artilharia, e que o conheceu. Iriarte esteve em Montevidéu pelo menos em 1817/18 e em 1820, em momentos de exílio face à situação política conturbada nas então Províncias Unidas do Rio da Prata.
O extrato que apresento, que faz parte das memórias de Iriarte, diz respeito a quando este conheceu Lecor em Montevidéu, em 1820, pois noutro momento das sua smemórias este refere-se ao interesse que o general português votada ao General San Martin, nas conversas que mantinha, e a expedição que se preparava em Buenos Aires contra o exército realista espanhol no Chile, como se veio depois a concretizar.
Tomás de Iriarte, que é normalmente criticado por ter as pessoas que retrata nas suas memórias em péssima estima, por algum desapontamento 40 anos depois, quando escreve o livro, é face a Carlos Frederico Lecor (recém feito Barão da Laguna) extremamente honesto e equilibrado e, na opinião deste que vos escreve, retrata o general português, buscado incessantemente neste blogue, de uma forma que articulada com todos os outros pequenos extratos que já li, nos faz fé de ser extremamente incisiva e correta, não nos dando todo o homem, mas aquele como era visto por outros, a única perspetiva a que tenho acesso.
Coloco o texto na sua língua e ortografia original, assim como uma gravura de Lecor na altura dos factos.
«No era este, en verdad, un hombre vaciado en el
molde comun, pero es igualmente cierto que no se distinguia por calidades
relevantes, espresion del genio. Su aspecto y su caracter revelaban la escuela
y profession del soldado envegecido en los campos; pero ni se entienda por esto
que careciese de urbanidad y cortesania: al contrario, era afable y
complaciente, sin derogar de su dignidad, com quantos cultivaban su trato; y
unia á un talante severo la compostura del hombre culto avezado à la alta
sociedad. Hombre de mundo, su espíritu conciliador fué un resorte eficaz que
constantemente puso en juego para consolidar su conquista; y si porque los
orientales no podian soportar el yugo estrangero, el general Lecor no fué el
idolo del pueblo, tampoco puede aseverarse que alimentasen contra él
sentimientos de odio y reprobacion personal. Si mas tarde la presa se le escapò
de las manos, no se podria com justicia hacerle un cargo de incapacidad, porque
los acontecimientos se agolparon com fracaso y rapidez, y todo el saber humano
no habria podido dominarlos. En fin, y para concluir el retrato del general
Lecor, en que insensiblemente nos hemos empeñado, daremos la última
pincelada: ̶̶ era frio por caracter y absolutista por
hàbito profesional, bajo una monarquia ilimitada: no habia en su dilatada
carrera conocido outro sistema que el de la obediencia pasiva, y lo creia el
único conveniente; pero los estimulos de su corazon eran nobles y
desapasionados.»
Tomás de Iriarte, Glorias Argentinas y Recuerdos Historicos (1818-1825), Buenos Aires, Libreria de da Victoria, 1858 (pp. 19-20)