22 de fevereiro de 2009

Carlos Frederico Lecor: The Making of a Portuguese General

Embora este artigo tenha sido publicado no final do ano passado, já perfazendo quase 2 meses, esta é tão boa altura quanto qualquer outra para o anunciar aqui. É o primeiro de dois artigos que escrevi em língua inglesa para o excelente sítio Napoleon Series, intitulado "Carlos Frederico Lecor: The Making of a Portuguese General". Este primeiro refere-se aos anos enquanto subalterno (até Tenente), e reporta-se aos anos de 1793 a 1797. O segundo, a escrever ainda, irá centrar-se nos anos de 1797 a 1808, período esse que termina com Lecor promovido a Coronel de Infantaria 23, no renovado Exército Português.

Espero que gostem.

http://www.napoleon-series.org/research/biographies/Portugal/Lecor/c_Lecor.html

21 de fevereiro de 2009

Um Livro a comprar

Paulo Estrela, Ordens e Condecorações Portuguesas 1793-1824,
Lisboa, Tribuna da História, 2009.

Definitivamente um livro a comprar, pela pesquisa exaustiva e bem entregue ao leitor, pela ilustração profusa (na capa, a Medalha de Comando da Guerra Peninsular - por 5 acções - atribuída a D. José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos (1785-1855), 1º Conde de Vila Real) e pela lista de medalhados, no final.

A meu ver, e puxando a minha sardinha à respectiva brasa, só faltava uma imagem de algum quadro de Lecor, quem sabe o de Miguel Benzo, em Montevidéu, com Lecor usando a sua banda da Torre e Espada ... Mas também era só mesmo isso que faltava (digo eu!), pois de resto enche as medidas a qualquer amante de Falerística e História Militar.

Uma fonte biográfica de 1836: A mais antiga?


Após algum tempo de recesso, volto ao vosso convívio com a mais antiga fonte biográfica de Lecor (que eu saiba), publicada na Biographie Universelle et Portative des Contemporains (tomo III), em 1836, o mesmo ano em que Lecor faleceu:


(decidi apenas colocar uma parte, acerca da parte menos conhecida da vida de Lecor)

LECOR (Charles-Frédéric), général portugais, né en Algarve, reçut sa première éducation en Hollande, d’où son père était originaire [na verdade, o pai, Louis Pierre Lecor, era originário de Paris]. Il sé destina d’abord au commerce, mais il embrassa fort jeune encore l’état militaire, et parvint en peu d’années au rang de capitaine. Il dut son avancement autant à son mérite qu’à la protection du marquis d’Alorna, chef de la légion de troupes légères, qui y admit le jeune Lecor. A l’époque de l’entrée de l’armée française à Lisbonne, en 1807, M. Lecor était major [era, de facto, Tenente Coronel] dans cette légion et aide-de-camp du marquis d’Alorna, alors gouverneur de la province d’Alantejo, qui avait en lui une entière confiance, non seulement pour tout ce qui regardait le service militaire, mais encore pour des affaires personelles et confidentielles. Pendant un court voyage que son chef fit à Estremoz, pour y passer en revue les troupes portugaises destinées par le général Junot à former le corps qui devait se rendre en France, M. Lecor évita adroitement d’accompagner son général, en pretextant des affaires dont celui-ci l’avait chargé et qui n’étaient pas encore terminées. Pendant l’absence du marquis il s’embarqua secrètement pour l’Angleterre. Cette conduite peu franche envers son ami et son protecteur, dont le cáractère était plein de loyauté, fut universellement désapprouvée par ceux-là même qui partageaient la répugnance que cet officier montra pour le service français. Revenu en Portugal par suite de l’evacuation du pays par l’armée française en vertu de la convention de Cintra, M. Lecor servit avec distinction dans l’armée anglo portugaise ; il commandait une brigade à l’affaire du Bussaco, s’y distingua par son courage calme et sa présence d’esprit, et fut un des officiers portugais dont le maréchal Beresford fit le plus de cas, et auxquelles il confia, dès la premiere organisation de l’armée portugaise, les plus importants commandements. (...)Resta saber quais as fontes que o autor usou (entre vários que compuseram o dicionário). Este texto, em alguns dos seus elementos, serve de base a apontamentos biográficos futuros, nomeadamente colocando-o como natural do Algarve, como infantil viajante à Holanda, destinado ao comércio, etc.
A vermelho, uma versão da forma como Lecor se terá separado do seu general (Alorna) em 1808, fugindo depois para Inglaterra. Esta versão não aparece replicada em outras fontes subsequentes.


Atualização [19/4/2013]: Leia o livro no GoogleLivros (p.223)

23 de novembro de 2008

Acontecimentos em Faro, 1828


Caros Leitores, enquanto não divulgo mais informação sobre Lecor, pensei diversificar um pouco e entrar na temática sempre interessante da Guerra Civil de 1828 a 1834, nomeadamente no que diz respeito não só a Faro, cidade onde vivo, mas também a familiares de Lecor que nestes acontecimentos participaram.

A Guerra Civil foi o conflito dessa natureza, o mais sangrento e ideologicamente activo. Duas concepções radicalmente diferentes do que devia ser Portugal chocaram de uma forma extremamamente partidarista e agressiva. Assim, como todas as guerras civis, famílias se viam divididas, em cada lado das barricadas. No Algarve, triunfaram na fase inicial do conflito, como em todo o país, os partidários do Absolutismo e de D. Miguel.

Transcrevo uma carta de António Nicolau Sabo, escrita de Gibraltar a 29 de Agosto de 1828, dando conta do que se passou em geral no Algarve e em particular em Faro. A mesma carta foi publicada num apêndice ao periódico "O Padre Amaro, ou Sovéla, Política, Histórica e Literária", em 1828.

Chamo especial atenção à participação de António Pedro Lecor, então Governador da Praça de Faro, e a João Pedro Lecor Buys, oficial de Artilharia e sobrinho de António Pedro (e de Carlos Frederico), filho de Maria Leocádia Leonor Lecor e de João Pedro Buys. Cada um deles escolheu um lado diferente das barricadas.


EXPOZIÇÃO DOS ACONTECIMENTOS DO ALGARVE, POR OCCAZIÃO DA RE-ACLAMAÇÃO D’EL REI, O SENHOR D. PEDRO IV.


Sendo constante no Algarve, por communicações exactas, e verídicas, recebidas de Coimbra, e do Porto, que n’esta Cidade se havia re-aclamados no dia 15 de Maio, no Campo de S. Ouvidio o legitimo Governo de S. M. El Rei o Senhor D. Pedro IV, e que se havia instalado uma Junta governativa, para restaurar os sagrados direitos d'aquelle Augusto Monarcha, e da Nação Portugueza, direitos nefanda, e sacrilegamente violados pelos mais criminosos conspiradores ; foi então que na mesma Província os amantes da Pátria, e do seu legitimo Rei não sofferendo os impulsos dos seus nobres desejos, e inflamados por táo grande exemplo d'honra e brio nacional, tomarão sobre si a empreza de fazer em seu paiz uma igual restauração ainda que fosse á custa dos mais importantes sacrifícios. Para este fim no dia 24 de Maio passado foi convidado o Tenente Coronel Luiz José Maldonado Commandante do 2.º Batalhão d'Infanteria N.º 2, pelo Coronel José de Mendonça Corte Real, commandante do Regimento de Milicias de Lagos, para uma entrevista que se devia fazer em Alvor, aonde devião concorrer alguns Portuguezes, sem se lhes declarar a que fim, o qual, annuindo ao dito convite, se dirigio a mencionada Villa, onde encontrou o Capitão de Milicias — Mello, e juntando-se com o Coronel Luiz Garcia de Bivar, e os Majores Frederico Maurício Peyrant Chateauneuf, d'Artilheria N.o 2, e Francisco Neri Caldeira, de Milicias de Lagos, decidirão que, no caso de se verificarem no seguinte correio as noticias do Porto, immediatamente farião proclamar o legitimo governo de S. M. o Senhor D. Pedro IV., para cujo fim contavaõ com o Regimento de Milícias de Lagos, com um Batalhão de Tavira, com o 2° Batalhão d'Infanteria N.º 2, e com grande parte do 2º. d'Artilheria; mas que desejavaõ saber a opinião do 1.° Batalhão d'Infanteria Nº. 2, então commandado pelo dito Tenente Coronel, Maldonado. Este official declarou que naõ se podia contar com o 1. Batalhão, por estar de sentimentos oppostos á boa causa, á excepção dos officiaes inferiores, sem que primeiro se tivesse realisado a desejada aclamação, nos outros pontos; porque haria sido altamente sedusido o dito lº. Batalhão pelo Capitão do mesmo Ludovico Jozé da Roza, e outros agentes do partido faccioso. A'vista d'esta circunstancia conveio o Coronel Mendonça que se fizesse a aclamação primeiro em Tavira pelo 2º. Batalhão d'Infanteria Nº. 2. seguindo em Faro, para onde o seu Regimento e o 2°. Batalhão marchariâo, e deviSo apparecer ao romper do dia, sem com tudo se desiguar este, e que, na dita cidade, o Major Chateauneuf assumiria o commando do 2.º Regimento d'Artilheria, feita a aclamação; 3°., que em Lagos se fizesse, quando a prudência o dictasse, ou quando se aproximassem forças com que se podesse contar.

No dia 25 ás nove e meia da noute, o Governador da Praça de Lagos, António de Sá Carneiro, e o Capitão Ludovico se dirigiSo ao quartel do Regimento, accompanhados pelo Ajudante da Praça Jozé Elisbão, e causando isto grande novidade ao Tenente Coronel Maldonado marchou immediatamente de sua caza, para lhes ir sahir ao caminho, mas não lhe sendo possível encontra-los os foi achar metidos ás escuras no quartel da Ia. Companhia; á porta do quartel estavSo alguns paizanos, aos quaes se hião reunindo outros armados com piques, os quaes fazião altos alaridos, dando todos repetidos vivas subversivos.

Foi então que o Tenente Coronel Maldonado se dirigio ao Governador, para saber o motivo porque a semilhantes horas entrava no quartel do Regimento ; porem a resposta forão impropérios da parte do Governador accusando a Maldonado de tiahir ao Senhor D. Miguel, e por haver mandado distribuir pólvora ás companhias declarando ter em seu poder uma carta, que tudo denunciava, sabendo-se depois ser a mesma do Tenente Coronel reformado Francisco de Paula Sarrea (pelo qual serviço hoje se acha Coronel Commandame do Regimento de Milicias de Lagos) ouvindo isto os Soldados, e instigados pelo Governador, e Capitão Ludovico, principiarão a amotinar-se, e a lançar mão das armas, e apezar que o Tenente Coronel Maldonado obteve á custa dos maiores esforços tranquiliza-los, foi por momentos; porque os Soldados, sendo de novo instigados pelos dous seductores, se revoltarão de tal maneira, dando vivas ao Governador, e ao Infante, que bastou Loduvico assenar-lhes que fossem buscar a bandeira ao quartel de Maldonado seu Chefe, para romper em altos gritos; e foi então que a 5ª. Companhia, acompanhada de muito povo, e dos mencionados dous seductores, commetteo o attentado de ir tumultuosa, e violentamente a Secretaria do Regimento buscar a dita bandeira, e deposita-la no quartel do Governador ; Maldonado, vendo taes procedimentos se recolheo ao seu quartel, e passado um quarto d' hora teria sido victima da ferocidade brutal do povo, e Soldados amotinados, senão fosse avizado por um fiel sargento, que os preversos se destinavão a ir assassina-lo mesmo ao seu quartel, Maldonado então foi constrangido a refugiar-se, e os preversos continuarão toda a noute em alarmes e gritarias, dando vivas, pedindo mortes, e prisões, capitaneados sempre pelo Governador, e Capitão Luduvico procedendo á prisão de immensas pessoas. Taes são em resumo os fataes accontecimentos de Lagos.

No dia 25 o Major Mello, ignorando totalmente os acontecimentos de Lagos fez re-aclamar em Tavira a El Rei o Senhor D. Pedro IV ; e naõ se deliberando a prender o infame General Palmeirim (alto protector dos inimigos da causa da legitimidade, e o primeiro cooperador dos feitos rebeldes e atrozes do Algarve) por ver a promptidaõ com que o dito General annuira á restauração, naõ se lembrando quanto lhe fora recommendada a prisão, nem conhecendo que um semelhante procedimento da parte do General naõ era mais, que um manejo caviloso, para realisar a seu salvo suas preversas intenções.

Ficando pois Palmeirim em liberdade pôde pelos seus agentes, naõ só rebellar o 1.º Batalhão do 2º. Regimento d'Infanteria, estacionado em Lagos, mas igualmente revoltar o povo de Tavira, com parte da Companhia de granadeiros, e uma d'Artilheria, que alli se achava, chegando o excesso dos amotinadores a tal ponto, que surprehenderaõ o Destacamento de Castro Marim, causado pelo Alferes Joaquim Thomaz de Mendonça Pessanha, e por espaço de uma legoa perseguiraõ a retaguarda do restante do 2°. Batalhão d'Infanteria N". 2, commandado pelo Major Mello, que teve de fazer retirar os Soldados precipitadamente sem levarem mochilas, nem provisões de guerra.

O Coronel Mendonça com o Regimento do seu commando se apresentou nas immediações de Faro na madrugada do dia aprasado; porem o Regimento d'Artilheria No. 2 com a popolaça sabendo que no dia 25, em Tavira se tinha realisado a acclamaçaõ d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., se amotinarão por tal forma, que naõ houve excesso algum, que despejadamente naõ commettessem contra os defensores da legitimidade, pedindo a morte dos mesmos, concorrendo em grande parte para esta desordem o apoio do Veriador servindo de Juiz pela Ordenação Manoel Jozé Sanches, e o Coronel, Commandante do Regimento d'Artilheria N.º 2, Joaquim da Cruz, seguindo-se os horrores da anarchia.

Ninguém ignorava em Faro que por meio de dinheiro se seduziaõ havia tempos os Soldados d'Artilheria No. 2, cuja empreza estava a cargo dos cónegos, Felipe Joaquim Gliz e Souza, Manoel Aleixo, Duarte Machado, Jozé Viegas Esperança, e Manoel da Silva Mendonça, assim como dos Beneficiados, António da Ponte Contreiras, Pedro Roiz Taveira, e Jozé Poêro Carajola, o Juiz d'Alfandega, Pedro Vitto de Andrade, distribuindo o dinheiro pelos soldados por via de certos agentes da mais ínfima relé, fazendo persuadir os mesmos que elles iaõ a ser castigados com degredo por naõ haverem annuido ao partido do Infante, quando em Outubro de 1826, se tinhaõ declarado o Regimento N°. 14, e Batalhão de Caçadores N°. 4, e que só poderiaõ escapar ao castigo, fazendo acclamar o Senhor Infante, achando-se até ao presente illudidos pelos seus officiaes, que eraõ todos Pedreiros Livres, aparecendo as mesmas ideas annunciadas em proclamações affixadas junto ao quartel do dito Regimento ; pois bem viaõ os malvados, que naõ tendo o seu partido aquella força militar, naõ podiaõ arrostar com os legitimes amantes d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., e tanto que bem poucos homens de consideração deixarão de ser presos, ou fugirão. Avizado o Coronel Mendonça do que se passava em Faro, julgou a propósito dirigir-se a Olhaõ, para se reunir com o corpo do commando do Major Mello, e reunidos que foraõ na dita Villa o Regimento de Milícias de Lagos, e o 2.º Batalhão d'Infanteria N.° 2, e muitos paizanos armados, que de Faro se reunirão, marcharão sobre esta cidade na madrugada do dia 28, commandados por Mendonça, e por Mello.

O Regimento N.º 2, d'Artilheria, e os servis todos amotinados, sabendo as intenções d'aquelles corpos, se apoderarão immediatamente dos paioes, e cazas de arrecadação ; e por mais esforços, que alguns officiaes fizeraõ, para desvia-los de semelhante tentativa, tudo foi baldado ; chegando a sua fúria e insubordinação a quererem assassinar o capitão Duarte Daniel Pereira do Amaral, que pôde escapar-se, e reunir-se em Olhaõ com o Escrivão da Camera de Faro, expondo os mesmos aos Commandantes da força armada o estado horroroso d'aquella Cidade. Naõ obstante isto, o referidos chefes julgarão do seu dever naõ desistir de taõ nobre empreza, e apezar que o dito Regimento d'Artilheria tinha assestado a artilheria em todos os pontos importantes, cobrindo principalmente as alturas, que dominavâo a estiada d'olhao, com tudo os corpos combinados, não esperando encontrar t5o grande resistência, ainda que lhes faltava a pólvora necessária, e até pederneiras (o que fora motivado pela revolta de Tavira, e Faro) assim mesmo chegarão a pouca distancia d'esta Cidade pelas 4 horas da madrugada, do dia 28.

Foi então que na estrada denominada das Lavadeiras começou a vanguarda a sofrer um vivo fogo d'artilheria, e mosqueteria dirigido pelo mesmo 2.° Regimento, e paizanos armados. Travou-se um vigoroso choque, e tiroteo de parte, a parte, tendo os inimigos a vantagem do logar, e a superioridade das duas armas, alem da muita pólvora, e munições de que se haviâo apoderado. Durou o combate por espaço de três horas : as tropas fidelissimas forão obrigadas a ceder, e a tocar a retirada, por não lhes restar um só cartuxo. Foi n'este momento que entrou a dissolução, e discorsuamento nas fileiras. Os Soldados começarão a debandada, e a muito custo dos oficiaes poderão fazer uma retirada em forma até Olhão.

Vendo-se os officiaes, e todos os bons Portuguezes, que havião concorrido para a sustentação da legitimidade, distituidos de todo o recurso, formarão o projecto de se retirarem para Beja, atravessando a serra de S. Braz, plano a que adheriaõ todos os que se achavão em circunstancias de o abraçar : por que muitos não tinhão cavallos, ou não podião contar com elles, pelo desfalecimento que havião sofrido, restando- lhes unicamente, para se evadirem ao perigo, o recurso de se occultarem.

Os amotinadores de Faro, conhecendo a retirada, expedirão sobre os infelizes alguns bandos de malvados, havendo o capitão-mor, Jozé Bernardo da Gama Mascaranhas de Figueiredo, com antecipação passado as mais terminantes ordens ás Aldeãs, para perseguirem os fugitivos, com tal resultado que os prenderão, conduzindo-os a Faro na tarde do mesmo dia 28, pelas 7 horas, aonde forão recebidos pelos preversos com fogos de alegria. N'esta occasiaõ foi assassinado, e feito em pedaços com a maior crueldade o desventurado Major Chateauneuf, sendo os culpados d'esta morte os infames Jaques Felipe Landrecet, e o Capitão Luiz Guilherme Coelho, que aproximando-se do Major o principiarão a arguir, perante a multidão, do seu procedimento, excitando assim estes dois monstros os malvados para o assassínio, e foraõ os únicos officiaes, que tomarão sobre si o dirigir o Regimento, sendo estes os commandantes no fogo contra as tropas fieis. Escaparão n'esta occasiâo felismente á morte o Capitão Amaral, e o Major Caldeira. O Coronel Bivar escapou afortunadamente, passando. d'Olhão para bordo da escuna Nimfa, que se achava junto da barra. O Commandante d'esta embarcação o segundo Tenente da Armada Real, Francisco Xavier Auffdiener, havendo se conservado junto a Faro, se retirou d'esta posição, por ser avisado pelo Governador da Praça, António Pedro Lecor, que do Castello e pertendia fazer fogo sobre a Escuna, dando-se por motivo d'este procedimento agressivo o ter elle commandante dado protecção a seu bordo a muitos coustitucionaes. No meio d' esta crise, resolveo recolher-se ao Porto de Gibraltar, por que a Escuna não perrnitia outra viagem pelo seu estado de ruina; e com effeito realisando o seu projecto chegou a este porto no dia 7 de Junho do corrente anno trazendo a seu bordo alem do seu immediato, o Segundo Tenente da Armada Real, António Herculano Rodrigues, o Commandante do Cahique de Guera Inveja, Hermano Bastos de Azevedo, segundo Tenente da mesma Armada Real, o Tenente Coronel, graduado em Coronel do Regimento de Milicias de Lagos, Luiz Garcia de Bivar, António Nicolão Sabbo, João Pedro Lecor Ruiz [Buiz, referindo-se a Buys], aos quaes deu um generoso acolhimento, fugindo assim aos tristes males, que os ameaçavão no meio da sua disgraçada Pátria.

Gibraltar 29 d'Agosto de 1828.
ANTÓNIO NICOLAO SABBO.

21 de outubro de 2008

Viagem de Campo - Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira

Em posts anteriores, acerca das unidades de Carlos Frederico Lecor, referi-me ao Regimento de Artilharia do Algarve (o n.º 2, a partir de 1806) como a sua primeira unidade. De facto, tal não é inteiramente verdade. Lecor, antes de ingressar, nos finais de 1794, como 1.º Tenente da 9.ª Companhia, no Regimento sediado em Faro, ainda cumpriu serviço em duas unidades entre 1793 e 1794 - o Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira e a Praça da Vila Nova de Portimão. No primeiro, foi soldado, cabo-de-esquadra e sargento de artilharia pé-de-castelo (de guarnição); no segundo foi ajudante do Governador, presumivelmente já como oficial.

Antes de prosseguir, devo referir que entre os militares oriundos da burguesia era vulgar acessarem à classe de oficiais a partir de praça, na medida em que não podiam acessar a cadetes. No entanto, a sua categoria era em tudo semelhante à de cadetes, pois estudavam activamente para serem oficiais. Em muitos documentos oficiais, encontramos mesmo a designação sargento-cadete.

Ora, tendo isto tudo em vista, decidi fazer uma viagem para visitar a primeiríssima de todas as unidades deste grande oficial. Como o Forte de S. João é hoje um hotel, em Cabanas de Tavira, não visitei o interior, ficando isso para outra altura, presumivelmente pagando 100 euros em época baixa para poder dormir nos, hoje, luxuosos quartos onde dormiram há 200 anos os oficiais inferiores (actualmente dir-se-iam sargentos).

O Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira, também designado por Forte da Conceição, Forte de S. João Baptista ou simplesmente Forte de S. João, foi mandado construir em 1670 pelo então Conde de Val de Reys, Capitão General do Reino dos Algarves para proteger a passagem da barra de Tavira para a Ria Formosa, assim como tomar o registo de todas as embarcações que entravam e saiam. O Forte é basicamente uma estrela de 4 pontas, com baluartes nos ângulos, dois deles virados à Ria. A porta principal está virada para terra e tem placas indicando a construção inicial e a posterior reedificação por outro Conde de Val de Reys, D. Nuno de Mendonça e Moura, trineto do primeiro.

Como nos informa a ficha deste forte no sítio do IPPAR [aqui], com "o açoreamento da ria e o desvio da barra para nascente, a fortaleza da Conceição perdeu as suas funções militares", acabando o imóvel por cair em mãos privadas no primeiro quartel do século XX. Segundo apurei, o hotel que está lá hoje aproveitou bastante bem o espaço, não o descaracterizando por aí além, sendo avaliado por alguns turistas como um excelente Bed & Breakfast - já agora, deixo aqui a ligação.



Não vi o hotel por dentro, embora me roa a curiosidade. A porta estava ciosamente fechada, guardada e filmada. Quem sabe alguma alma caridosa me deixasse penetrar o reduto, mas confesso que o exterior me deixou satisfeito. Embora um viçoso arvoredo vista as muralhas viradas a terra, para Norte e Leste, as muralhas estão bastante visíveis nos outros lados, permitindo ver um forte extremamente bem preservado e bastante bonito, no seu estilo sóbrio do século XVII.

Este forte honra a belíssima zona que o envolve, junto a Cabanas de Tavira, à direita de Tavira, com a sempre fantástica Ria Formosa em frente. Antes de ir ao forte propriamente dito, não hesitei em passear à beira-Ria que estava a encher, num dia que, se nublado, não nega ao Algarve a sua luz de sempre, mais ainda reflectida pelo azul atlântico do mar salgado que se estende, parece, ao infinito.

Sem dúvida, um belo passeio que só me puxa a passear por todo santíssimo forte e fortaleza da costa algarvia. Deixo-vos com uma foto que tirei mesmo em frente à muralha sul, mostrando o cenário que Lecor veria todos os dias quando pegava ao serviço, durante o relativo curto espaço de tempo em que lá esteve, de Outubro de 1793 a Março de 1794.

6 de outubro de 2008

244.º Aniversário do Nascimento de Carlos Frederico Lecor

Hoje é santo dia e feriado neste blogue, caro Leitor, porque hoje cumpre-se o 244.º aniversário do nascimento de Carlos Frederico Lecor. Muito provavelmente, só aqui se celebra este aniversário, mas chega e basta, e na sua excelente companhia, para nos lembrarmos desta figura histórica que move a curiosidade deste vosso amigo e interlocutor.

Aproveito para transcrever o assento de baptismo, feito em Santos-o-Velho, 14 dias após o nascimento:

Carolus

Aos vinte dias de Outubro de mil sette Centos e Sesenta e quatro nesta Parochial Igrª. de Santos baptizei e pus os Santos oleos a Carolus, que nasceu aos seis dias do prezente mes filho legitimo de Luis Pedro Lecor baptizado na fregª. de S. Eustaquio da Cidade de Paris, e de Quiteria Luiza Marina Le Cor baptizada na fregª. de N. Senhora da Conceiçam de Villa Nova de Portimam Reyno do Algarve, e (...) recebidos nesta fregª. de Santos, e nella moradores na Rua do Pé do Ferro desta fregª. Foi padrinho Carolus Fredirico Crusse morador na rua direita dos Pardais (?), Madrinha por procuraçam D. Vittoria Berarda Marcianna Crusse de que fis este assento, que asignei dia, era (...) supra.
O Cura Manuel dos Santos (...)

28 de setembro de 2008

A tia de Lecor, D. Senhorinha Rosária Lecor

Faro, Vila Velha (Wikicommons)

Nas minhas andanças pelos arquivos deste nosso Portugal, ao mais frequente desalento e descortinar de becos sem saída, por vezes soma-se uma descoberta que abre um oceano de possibilidades.
Quem lê os meus humildes posts, saberá decerto que sobre Lecor há mais incorrecções e incertezas do que o seu contrário. É preciso pois escavacar os caminhos da memória que, ao longo dos 172 anos desde a morte de Lecor, tem sido inundado de vegetação espessa. Se não pode ser à catana, também não pode ser de luvinha branca.

Até recentemente, julguei que Louis Pierre Lecor, o pai de Carlos Frederico, havia vindo sozinho para Portugal. Um julgamento na verdade bem falível, pois apenas se baseou na falta de informação de outros Lecor.

Agora, no Arquivo Distrital de Faro, encontrei o óbito da tia paterna de Lecor, D. Senhorinha Rosária Lecor, solteira, falecida na Paróquia da Sé, a 26.10.1796.

Somado a isso, Acúrcio das Neves, afamado economista do início do século XIX, fala de um João Francisco Lecor, 'portuguez de nascimento' que teria apresentado, por voltas de 1760, uma proposta de indústria de botões fora do controle da guilda profissional.

Uma das possibilidades que sempre considerei, mas para as quais não tinha provas (nem circunstanciais) abre-se agora e pede pesquisa: Que Lecor é filho de um dos industrialistas europeus que inundaram (não tanto quanto necessário) o Portugal da segunda metade de setecentos, inseridos num esforço de modernização presidida pelo Marquês de Pombal.

Não me sentia assim desde que comecei a desconfiar que Lecor não havia nascido em Faro, mas em Lisboa. Ou que ele teria começado a sua carreira militar como soldado pé-de-castelo e não como cadete.

Vamos a ver, caro leitor, o que uma viagem aos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo poderá fazer por mim. É bom que faça algo, pois cada dia mais que passa, mais cresce em mim a biografia do nosso amigo Carlos Frederico Lecor. Possa a divina Clio conduzir a minha pena.