14 de janeiro de 2011

O Pai de Lecor, ou a Educação de Meninos (1746)


Há três posts atrás [aqui], versando sobre o período formativo de Carlos Frederico Lecor, falei em dois pequenos parágrafos acerca do pai, Louis Pierre, ou Luís Pedro Lecor . Este terá nascido por volta de 1720, em Paris, na paróquia de Saint Eustache.

Em 1747, encontramo-lo pela primeira vez em Portugal, pois é neste ano que ele edita o Livro de educação de meninos ou ideas geraes e definiç[ão] das cousas que devem saber [ficha na BNP]. Este livro é, fora dos seus dois casamentos e 5 baptismos dos filhos, uma das únicas duas pista s que nos restam do homem , juntamente com o Privilégio Real por dez anos outorgado por Dom João V, nos seus livros de Mercês, sobre a mesma obra.

Sabemos então que Louis Pierre Lecor era tradutor, livreiro e pedagogo. Tradutor, porque a obra é traduzida do francês, apesar de ser acrescentada e diminuída onde o mesmo achou adequado. Livreiro, porque Luis Pedro pediu e obteve os direitos autorais sobre a obra pelo prazo de dez anos. Pedagogo pela própria natureza do livro, onde através de 49 capítulos, ele versa sobre tudo o que os meninos cristãos devem saber.

O livro é curiosamente dedicado a Sua Alteza a então Princesa da Beira, Dona Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, futura Rainha Dona Maria I (tinha 12 anos em 1746), conforme o caro leitor poderá aferir da dedicatória ao início da obra:

«Serenissima SENHORA,
OFFEREÇO a V. A. este Livro, não só para acredita-lo, estampando nelle o Augustissimo nome de V. A., que basta para lhe adquirir o mayor credito, e honra; senão também, porque, sendo a sua matéria a Educação das idades tenras, não seria sufficiente para causar a utilidade, q promette, se juntame~te com o dictames, q prescreve, se não visse nelle o Exemplar da educação mais egrégia, mais regulada, e mais perfeita, qual he a q no Augustissimo Nome de V. A. se insinua. Dictame he Evangelico, que devemos emprehender assemelharnos ao Exe~plar Divino; não porque esta semelhança se possa cabalmente conseguir, mas para que com este Exemplo á vista cheguemos áquella altura, que a nossa possibilidade alcança: e por semelhante modo offerecendo eu a V. A. Este Livro, nelle proponho hum Exemplar, que, supposto não pode ser completamente igualado, póde com tudo servir de estîmulo, para que os poucos annos se encham de progressos heroycos, vendo os que V. A. Tem feito em annos tão poucos não sem admiração, e pasmo deste Reyno, o dos estranhos, aonde tem chegado os eccos dos exercícios virtuosos, e litterarios, com que V. A. não só vence a agilidade, com q o tempo corre, adiantando-se mais que elle, mas também promette vencer a sua voracidade; porque a pesar della vivirá eterno, e respeitado no Templo da Memória o Augustissimo Nome de V. A. Digne-se pois V. A. De aceitar esta offerta, que será outro publico monumento da benignidade, com que V. A. Se distingue, aceita-la, sendo cousa tão pequena. Guarde Deos a Real Pessoa de V. A. Para credito desta Monarchia.
Luis Pedro Le-Cor»

Tive o prazer de poder consultar em micro filme a obra, e ter uma excelente perspectiva do contexto ideológico que Carlos Frederico terá usufruído e que ajudou a formar o homem que estudamos neste blogue. Com pouca surpresa, verifiquei que a educação proposta por Luís Pedro é própria do Antigo Regime, conservadora e monárquica, mas polvilhada já de um forte carácter iluminista, como o prova o extracto seguinte:

«(...) he necessário abrir-lhe os olhos do entendimento em mil cousas, q sendo-lhe precisas; lhe podem também ser deleitáveis; pois do contrario nasce a ignorância, com q até certa idade se não distingue dos brutos, não percebendo o que se lhes diz, nem sabendo responder ao que se lhes pergunta; porque o juízo não sabe usar do que não conhece, assim como entre as trevas não tem uso a vista.
»


Em formato pedagógico e acessível de Pergunta/Resposta, Luis Pedro Lecor sumariza as três coisas vitais que um menino deve saber e conhecer: «primeira, deve conhecer-se assi mesmo: segunda, deve conhecer a Deos, que he seu Creador: terceira, deve conhecer as creaturas, que forão feitas para o homem».

Como aprende o homem então a conhecer-se: «Estudando primeiro, do que he composto: segundo, de onde vem: terceiro, porque está no mundo: quarto, em q há de reduzir-se, depois de não estar nelle».

Concluo um já extenso post, com uma impressão do delicado balanço que noto em Luis Pedro Lecor para não conflituar com a igreja católica portuguesa. Na obra, é dito que o Sol gira em torno da Terra, teoria essa (Geocentrismo) que nesta altura já estaria em descrédito, até porque 11 anos depois, o Igreja abandonou a proibição de menções ao heliocentrismo. Penso isto não por algum juízo de valor 260 anos depois, mas porque noto em toda a obra uma preocupação de Luís Pedro na apresentação adequada e o mais moderna possível dos aspectos científicos que ensina.

Imagem
- Retrato a óleo da Infanta D. Maria Francisca Isabel Josefa (futura rainha D. Maria), em 1738, da autoria de Francesco Pavona (fonte: Wikicommons)

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