28 de março de 2008

Oficial Iluminado


Já tenho aqui referido algumas vezes o que Lecor teve de emblemático na representação de um novo tipo de oficial superior do Exército Português, nascido da Burguesia mercantil, que vem, de certa forma, substituir a Nobreza, classe que mantinha, até inícios de oitocentos, o privilégio das chefias.

Referi também, e não com algum sentido de ironia, que terá sido com toda a certeza, um desses nobres, D. Pedro de Almeida Portugal, 3.º Marquês de Alorna, que liderou a mudança. José Norton, em O Último Távora, demonstra bem este período e toda uma nova casta de oficiais nobres na senda do Iluminismo português, fruto do trabalho do Marquês de Pombal e do seu Real Colégio dos Nobres. Também sei que os Alornas já vinham de uma longa tradição francófila, avançada no seio da velha Nobreza portuguesa - a análise da biblioteca do 1.º Marquês de Alorna mostra-nos isso, com uma percentagem bastante grande de livros não-religiosos, coisa relativamente estranha no contexto da Alta Nobreza.

Lecor privou durante bastante tempo (10 anos) com o seu General, Marquês de Alorna, tomando historicamente o seu lugar na vanguarda do novo pensamento militar português.

Assim, já após a Guerra Peninsular, onde se estabeleceu definitivamente como um novo tipo de comandante, fruto, ao mesmo tempo do rigor britânico e da sua herança pessoal e profissional, Lecor vê-se com o poder de alterar o estado das coisas. Enquanto comandante da Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, e durante a longa preparação do corpo em Belém, no ano de 1815, o Tenente-General Lecor procede a uma geral vacinação dos homens da sua Divisão, pelo que no ano seguinte foi subido à consideração das mentes pensantes do nosso Portugal.

Em sessão pública da Academia Real das Sciencias de Lisboa, de 14 de Junho de 1816, o Doutor Justiniano de Mello Franco, ao dar notícia dos indivíduos que se distinguiram em prol da saúde pública em Portugal, anuncia o seguinte:


Foi nomeado Correspondente, e obteve o competente diploma o Ill.º e Ex.mº Snr. Carlos Frederico Lecor, Tenente General, Commandante da Divisão de Voluntarios Reaes do Principe. Este habil General fez vaccinar muitos dos seus Soldados nos ultimos dias da sua partida, e deo as ordens necessarias, para que a vaccinação continuasse durante a viagem.
Aqui fica, sem mais análise que a feita ao início deste post, o resultado das grandes alterações no exército e na sociedade portuguesa, na qual vemos o nosso amigo Carlos Frederico, cavalgando na vanguarda.

* * *

“O Exmo. Sr. General Carlos Frederico Lecór, querendo que a Tropa que conduzia, e ia Commandar ao Rio de Janeiro, fosse vaccinada, os que o percisavão, antes de embarcar, não só concorreo com ella á operação , mas S. Ex.ª, mesmo quiz ser vaccinado o primeiro, e em presença da sua gente , julgando até honrar-se com fazer á instituição Vaccinica a honra de ser seu correspondente, de que com muito boa vontade se-lhe-deo competente Diploma, e as graças por tão delicado comportamento.”

Jornal de Coimbra, Volume IX – Parte I, n.º 46, Lisboa, Imprensa Régia, 1816. p. 252


4 comentários:

Lagos Militar [João Torres Centeno] disse...

Mas Alorna, sendo iluminista, tinha o problema de ser um aristocrata elitista, tal como o Duque de Lafões.
Nessa época não era estranho encontrar o iluminismo num quadro social de elitismo social. Prova disso são as medidas de exclusão da burguesia na classe de oficiais, e a repulsa do que entendiam ser os Sargentos- generais( Teixeira Rebelo).
Lafões tenta reitroduzir a aristocratização da classe de oficiais. Alorna é assim, um iluminista aristocratico, que em função da sua carreira militar abre a excepção a alguns oficiais, entre os quais Lecor

Jorge Quinta-Nova disse...

Sem dúvida, concordo plenamente,
o Alorna funciona como ponte ou transição, exactamente por ser de uma família que na alta nobreza se destacava pela sua francofilia. No entanto, não deixa de representar a alta nobreza e como tal, tinha uma cosmovisão distinta da burguesia emergente.
A relação entre Alorna e Lecor, apesar de tudo não é nada que já não acontecesse normalmente, no sentido em que a Nobreza tentaria "guiar" esta nova burguesia esclarecida no bom sentido, isto é, o nobre assume uma missão de professor/guia/mestre social das outras classes.
A Guerra Peninsular sim é o canto do cisne da alta nobreza portuguesa, abrindo caminho àquela pequena nobreza e à burguesia mercantil.

Lagos Militar [João Torres Centeno] disse...

Abre caminho a uma nova nobreza titular de origem militar.
Algusn burgueses e outros fidalgos de provincia.

Jorge Quinta-Nova disse...

Sim, um bom exemplo dessa fidalguia de província é o Francisco Paula d'Azeredo, que vem a ser o 1.º Conde de Samodães, e que foi subordinado do Lecor (seu Major de Brigada) do final de 1809 ao início de 1811.