Em posts anteriores, acerca das unidades de Carlos Frederico Lecor, referi-me ao Regimento de Artilharia do Algarve (o n.º 2, a partir de 1806) como a sua primeira unidade. De facto, tal não é inteiramente verdade. Lecor, antes de ingressar, nos finais de 1794, como 1.º Tenente da 9.ª Companhia, no Regimento sediado em Faro, ainda cumpriu serviço em duas unidades entre 1793 e 1794 - o Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira e a Praça da Vila Nova de Portimão. No primeiro, foi soldado, cabo-de-esquadra e sargento de artilharia pé-de-castelo (de guarnição); no segundo foi ajudante do Governador, presumivelmente já como oficial.
Antes de prosseguir, devo referir que entre os militares oriundos da burguesia era vulgar acessarem à classe de oficiais a partir de praça, na medida em que não podiam acessar a cadetes. No entanto, a sua categoria era em tudo semelhante à de cadetes, pois estudavam activamente para serem oficiais. Em muitos documentos oficiais, encontramos mesmo a designação sargento-cadete.
Ora, tendo isto tudo em vista, decidi fazer uma viagem para visitar a primeiríssima de todas as unidades deste grande oficial. Como o Forte de S. João é hoje um hotel, em Cabanas de Tavira, não visitei o interior, ficando isso para outra altura, presumivelmente pagando 100 euros em época baixa para poder dormir nos, hoje, luxuosos quartos onde dormiram há 200 anos os oficiais inferiores (actualmente dir-se-iam sargentos).
O Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira, também designado por Forte da Conceição, Forte de S. João Baptista ou simplesmente Forte de S. João, foi mandado construir em 1670 pelo então Conde de Val de Reys, Capitão General do Reino dos Algarves para proteger a passagem da barra de Tavira para a Ria Formosa, assim como tomar o registo de todas as embarcações que entravam e saiam. O Forte é basicamente uma estrela de 4 pontas, com baluartes nos ângulos, dois deles virados à Ria. A porta principal está virada para terra e tem placas indicando a construção inicial e a posterior reedificação por outro Conde de Val de Reys, D. Nuno de Mendonça e Moura, trineto do primeiro.
Como nos informa a ficha deste forte no sítio do IPPAR [aqui], com "o açoreamento da ria e o desvio da barra para nascente, a fortaleza da Conceição perdeu as suas funções militares", acabando o imóvel por cair em mãos privadas no primeiro quartel do século XX. Segundo apurei, o hotel que está lá hoje aproveitou bastante bem o espaço, não o descaracterizando por aí além, sendo avaliado por alguns turistas como um excelente Bed & Breakfast - já agora, deixo aqui a ligação.
Não vi o hotel por dentro, embora me roa a curiosidade. A porta estava ciosamente fechada, guardada e filmada. Quem sabe alguma alma caridosa me deixasse penetrar o reduto, mas confesso que o exterior me deixou satisfeito. Embora um viçoso arvoredo vista as muralhas viradas a terra, para Norte e Leste, as muralhas estão bastante visíveis nos outros lados, permitindo ver um forte extremamente bem preservado e bastante bonito, no seu estilo sóbrio do século XVII.
Este forte honra a belíssima zona que o envolve, junto a Cabanas de Tavira, à direita de Tavira, com a sempre fantástica Ria Formosa em frente. Antes de ir ao forte propriamente dito, não hesitei em passear à beira-Ria que estava a encher, num dia que, se nublado, não nega ao Algarve a sua luz de sempre, mais ainda reflectida pelo azul atlântico do mar salgado que se estende, parece, ao infinito.
Sem dúvida, um belo passeio que só me puxa a passear por todo santíssimo forte e fortaleza da costa algarvia. Deixo-vos com uma foto que tirei mesmo em frente à muralha sul, mostrando o cenário que Lecor veria todos os dias quando pegava ao serviço, durante o relativo curto espaço de tempo em que lá esteve, de Outubro de 1793 a Março de 1794.