Vista da Rua das Trinas, Lisboa, à entrada da actual (então rua) do Pé de Ferro |
ORAÇÃO
‘Deos Mestre das sciencias, que as escondestes aos grandes do mundo,
e que as revelastes aos pequenos, fazei-nos a graça de que tomemos o estudo
por penitencia, a fim que o que aprendermos seja sem erro, e sem vaidade.’
Luiz Pedro Lecor, Lição XL, das obrigações de hum menino Cristão. Educação de Meninos, 1746
Carlos Frederico Lecor, mais propriamente Carolus, como escrito no seu assento de batismo, nasce a 6 de Outubro do ano de 1764, na rua Pé de Ferro (hoje travessa), no bairro de Santos-o-Velho, na zona ocidental de Lisboa. A sua mãe é D. Quitéria Luísa Marina Krusse Lecor, 20 anos, de Vila Nova de Portimão. O pai é Luiz Pedro Lecor, de Paris, próximo dos quarenta anos de idade.
Nascida a paróquia de Santos-o-Velho da Praia ribeirinha, todas as suas casas e ruas descem sobre o rio Tejo; a paróquia não dista 50 passos de um lado ao outro. Em 1758, apenas seis anos antes de Carlos nascer, e três após o grande terremoto de 55, Santos-o-Velho tinha 1836 fogos, e 8403 pessoas de confissão, além de mais de mil, os hereges e não constados do rol de confissões. Este número era em 1758 já superior, apenas três anos após a catástrofe.
Carlos foi batizado nessa mesma igreja paroquial, catorze dias após o seu nascimento. O seu padrinho e também seu tio materno, Carlos Frederico Krusse, deu-lhe os nomes próprios. A sua tia, D. Vitória Berarda Marciana Krusse, de 19 anos, foi a madrinha.
Nos anos seguintes, ainda em Santos, nascem os irmãos de Carlos. João Pedro nasce dois anos depois, a 7 de Outubro de 1766, a pequena família agora residindo na rua São João da Matta, a um pequeníssimo quarteirão da rua Pé de Ferro. António Pedro, a 6 de Setembro de 1768, Jorge Frederico e Maria Leocádia Leonor, muito possivelmente em 1770 e 1772.
Carlos Frederico e os seus quatro irmãos nascem numa família alargada de comerciantes e homens de negócios, de múltiplas origens europeias, como os Buys, de Hoorn, na Holanda, os Krusse, de Hamburgo, ou os Lecor, de Paris e Marselha. A própria natureza dos negócios destas famílias os fazia estar frequentemente nesses portos europeus, embora tivessem escolhido Portugal para assentar e criar família.
Os Krusse
Hamburgo (1) |
Nikolaus passou primeiro por Pernambuco, nos anos 20 do século, no El Dorado brasileiro, onde era sócio de um Pedro Graaf, holandês, mas num processo iniciado em 1726, motivado por alguns comerciantes portugueses descontentes, foram ambos chamados a Lisboa. Ficou definido que em razão das nacionalidades e respetivas implicações diplomáticas, Pedro Graaf poderia ficar, mas já Nikolaus Krusse deveria abandonar a praça. Fê-lo, a contragosto, no início de 1730, montando loja em Portimão.
Tiveram nessa cidade algarvia em 1733 o seu primogénito, Carlos Frederico Krusse, tio-padrinho de Lecor, e mais seis filhos, incluíndo a mãe de Carlos, D. Quitéria Marina, em 1744, e a madrinha, D. Vitória Berarda, um ano depois.
Carlos Frederico Krusse assume o negócio de seu pai, desde que este falece, em 1758, em Santos-o-Velho. É bastante provável que a família tenha vindo para Lisboa, após o Terremoto de 1755 ter destruído boa parte de Portimão, assim como provocado estragos substanciais na maior parte das terras litorais do Algarve. A Igreja paroquial da Nossa Senhora da Conceição, no centro de Portimão – onde pelos menos seis Krusse foram batizados, era no final de 1755, apenas ruínas.
Ainda assim, o Algarve manteve sempre a sua importância nos negócios da família, nomeadamente a exportação de alfarroba e alecrim para o Norte da Europa e o envio de trigo alentejano pelo Guadiana para Lisboa. Forma, pelo menos desde a década de 1770, a Costa, Krusse e Companhia, com Manuel José Gomes da Costa, importante negociante da praça de Faro. Esta sociedade, para lá da exportação de produtos algarvios, emprestava dinheiro, estabelecendo com força a identidade social de homens de negócio, que trabalham a grosso, e já longe do simples retalho. Carlos Frederico Krusse é também cônsul da Holanda em Faro.
Os Buys
A avó materna de Carlos, D. Catarina Maria Buys Krusse, era filha de Jan Pieter Buys, holandês, e de D. Maria Teresa, espanhola de Huelva (Guelba, dir-se-ia então), em Espanha. Jan Pieter, grafado João Pedro nos documentos, veio da cidade holandesa de Hoorn (a norte de Amsterdão) para Portugal, assentando raízes em Faro, no reino do Algarve.
António Pedro Buys, irmão de D. Catarina e tio de Carlos, teve, com D. Teresa Maria cinco filhos, todos sensivelmente da mesma geração de Carlos, e que convivendo em Faro, partilharam as brincadeiras com os primos Lecor. João Pedro, primogénito e herdando o nome do avô, nasce em março de 1765, sendo apenas cinco meses mais novo que Carlos Frederico. Vitória Teresa nasce em 1769 e Germana Máxima Guilhermina em 1771.
O mais velho, João Pedro Buys, assume mais tarde os negócios da família, em 1794, após o falecimento do seu pai, constituindo sociedade com Carlos Frederico Krusse. Ambos eram donos de uma frota de caíques que leva trigo dos portos alentejanos do Guadiana para Lisboa. Ainda antes, em 1791, é cônsul de França no Algarve, facilitando a comunicação entre mercadores. João será também tenente-coronel do Regimento de Milícias de Faro. O seu compromisso com a sociedade farense é claro, não só pelo referido acima, mas pelas inúmeras ocasiões em que João é padrinho de batismo, tanto na Sé, como em S. Pedro. É ele que representa a Junta de Faro na revolta de 1808, juntos dos barcos ingleses, em virtude de ter bom domínio da língua inglesa.
(1) Aquarell "Prospekt der Kaiserlich Französischen Stadt Hamburg" von Johann Marcus David, 1811
Hoorn, Holanda |
António Pedro Buys, irmão de D. Catarina e tio de Carlos, teve, com D. Teresa Maria cinco filhos, todos sensivelmente da mesma geração de Carlos, e que convivendo em Faro, partilharam as brincadeiras com os primos Lecor. João Pedro, primogénito e herdando o nome do avô, nasce em março de 1765, sendo apenas cinco meses mais novo que Carlos Frederico. Vitória Teresa nasce em 1769 e Germana Máxima Guilhermina em 1771.
O mais velho, João Pedro Buys, assume mais tarde os negócios da família, em 1794, após o falecimento do seu pai, constituindo sociedade com Carlos Frederico Krusse. Ambos eram donos de uma frota de caíques que leva trigo dos portos alentejanos do Guadiana para Lisboa. Ainda antes, em 1791, é cônsul de França no Algarve, facilitando a comunicação entre mercadores. João será também tenente-coronel do Regimento de Milícias de Faro. O seu compromisso com a sociedade farense é claro, não só pelo referido acima, mas pelas inúmeras ocasiões em que João é padrinho de batismo, tanto na Sé, como em S. Pedro. É ele que representa a Junta de Faro na revolta de 1808, juntos dos barcos ingleses, em virtude de ter bom domínio da língua inglesa.
(1) Aquarell "Prospekt der Kaiserlich Französischen Stadt Hamburg" von Johann Marcus David, 1811