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2 de julho de 2017

Lecor aluno universitário na Real Academia de Marinha (1794-1795)


Este blogue chama-se Em Busca de Lecor por uma razão. Sou frequentemente lembrado do porquê. Desde 2005, sensivelmente, que busco constantemente este militar e periodicamente encontro nova informação. Que não nasceu em Faro, como se pensava, mas em Lisboa. Que começou a carreira como Soldado pé-de-castelo em Tavira, de forma a frequentar a aula regimental do tenente coronel Sande de Vasconcelos (um requisito para a promoção a oficial de patente), e mais algumas coisas.

Carlos Frederico Lecor, como ajudante em Portimão e depois como 1.º tenente da Artilharia de Faro, foi admitido e completou o 1.º Ano do Curso de Oficial de Marinha, na Real Academia de Marinha, em Lisboa, no ano lectivo de 1794/1795.

Encontrei a informação disponibilizada em-linha junto do Arquivos Histórico de Itamarati, do Ministério das relações Exteriores da República Federativa do Brasil, através do Rede Memória da Biblioteca Nacional. 
A pasta consiste de variados comprovativos, alvarás e cartas patentes relacionadas a Lecor, que o mesmo fez chegar ao ministério, com toda a certeza para processos relacionados com o cargo de Capitão General da Banda Oriental. Ainda não entrada no futuro Império, como Província Cisplatina, era de jure uma província espanhola ocupada.

Através desta fonte, os primeiros dois postos de Lecor como oficial são inequivocamente nomeados, tendo ele iniciado a frequência da Real Academia já com patente, com o patrocínio do Capitão General do Algarve. Na verdade, Carlos Frederico é o quarto irmão Lecor que D. Nuno Jose Fulgêncio de Mendonça e Moura, 6.º conde de Val de Reis, patrocina.

(Já indiciei no passado que muitos familiares próximos, incluindo o padrinho e tio, eram fornecedores de munição de boca, já desde a Guerra Fantástica, Carlos Frederico Krusse a certa altura responsável pelos fornecimento das tropas nos governos d'Armas do Douro e de Trás os Montes. Outras histórias para outra postagem).

“Atestados de Serviços e Nomeações”
Arquivo Histórico do Itamaraty (cota: AHI REE 00351)

Original (em-linha) [abre janela]
http://acervo.redememoria.bn.br/redeMemoria/handle/123456789/302675


De 5.10.1794 a circa 16.7.1795, frequenta o primeiro ano do curso de Marinha da Real Academia de Marinha, tendo feito exame de Aritmética, “no qual ficou plenamente approvado, para continuar na Aula”. Conclui o ano sendo aprovado em exame, estando habilitado “para passar a ouvir as Liçoens do segundo anno”. Não parece que o venha a fazer, pois em dezembro embarca na Esquadra do Brasil como 1.º tenente de artilharia, destacado do regimento na nau Príncipe Real. 

O Currículo do 1.º ano era constituído pelas seguintes disciplinas: Aritmética, Geometria, Trigonometria plana, o seu uso prático, e os princípios elementares da Álgebra até às equações de 2.º grau inclusivamente.

O curso era equivalente ao ensino universitário, mas por uma razão de exclusividade a Real Academia de Marinha não se podia chamar Universidade (facto que só cessa em 1911, quando as escolas politécnicas de Lisboa e Porto, e outras instituições, se tornam universidade de nome, se já há muito de facto). Será desta altura que Academia se consolida como o termo para as instituições militares universitárias portuguesas, até hoje - Excepção curiosa para a Escola Naval que é uma herdeira direta da real Academia.

[Documento n.º 2] 19 de Janeiro de 1795

Custodio Gomes de Villas boas, Ten.te Coronel do Regimen.to de Art.ª do Porto, com exercicio de lente efectivo da Cadeira do primeiro ano na Real Academia de Marinha

Attesto que Carlos Frederico Lecor, Ajudante de Infantaria, com exercicio na Praça de Villa Nova de Portimão, frequentou com muito zelo, e approveitamento a Aula do primeiro anno, de 5 de Outubro passado até o presente, com duas faltas com justa cauza e que fes o seu exame de Arithmetica, no qual ficou plenamente approvado, para continuar na Aula do primeiro anno do Curso da Marinha. E por assim ser verdade, lhe mandei passar a prezente, que vai por mim assignada, e firmada o sêllo desta Real Academia. Lisboa, 19 de Janeiro de 1795.

[Documento n.º 1] 16 de Julho de 1795

Custodio Gomes de Villas boas, Ten.te Coronel do Regimen.to de Art.ª do Porto, com exercicio de lente efectivo da Cadeira do primeiro ano na Real Academia de Marinha


Attesto que Carlos Frederico Lecor, Primeiro Tenente do Regimento de Artilharia do Algarve, e Discipulo da primeira Aula desta Real Academia de Marinha, tendo frequentado a mesma Aula com duas faltas com justa cauza, fes ultimamente o seu exame, no qual mereceo ser approvado para passar a ouvir as Liçoens do segundo anno. E por assim ser verdade, lhe mandei passar a prezente, que vai por mim assignada, e firmada o sêllo desta Real Academia. Lisboa, 16 de Julho de 1795.


25 de junho de 2008

Unidades de Lecor II - Esquadra da Bahia (1795/1796)


O comércio do Brasil sempre foi de enorme importância para Portugal, e a carreira atlântica precisava de ser protegida, principalmente após a aliança de Espanha com a França, no final da campanha do Roussilhão (1793-1795), aliança essa, feita pelos espanhois à margem dos seus aliados portugueses. Os barcos franceses e espanhois representavam uma ameaça constante aos navios de comércio. A Armada portuguesa tinha então a responsabilidade de proteger a rota comercial.

Assim, a 25 de Dezembro de 1795, parte de Lisboa com rumo à Bahia uma frota com a missão de proteger cerca de 23 navios de comércio. O comando, sediado na Nau Capitânea ‘Príncipe Real’ [na imagem, quadro do Museu da Marinha], estava a cargo do tenente-general Bernardo Ramires de Esquível. Entre os navios desta frota, contavam-se os seguintes:

Naus:
Príncipe Real (90 peças – guarnição: 904)
Infante D. Pedro (64 peças – guarnição: 557)
Vasco da Gama (74 peças – guarnição: 652)
D. Maria I (74 peças – guarnição: 616)
Princesa da Beira (74 peças – guarnição: 544)

Fragatas:
Minerva
Princesa
Ulisses
Tritão
Vénus
Thétis

Bergantins:
Serpente
Falcão

Apesar de haver sido criado um Regimento de Artilharia da Marinha, em finais de 1791, os 4 regimentos de artilharia continuavam a fornecer destacamentos para servir embarcados. É assim que do Regimento de Artilharia do Algarve parte um destacamento de 130 homens, onde se incluía o 1.º Tenente Carlos Frederico Lecor, da 9.ª companhia de artilheiros. Dois meses antes, o tenente-general Bernardo Esquível pedia, com urgência, ao Secretário de Estado da Marinha tal destacamento para a nau ‘Príncipe Real’ que lhe assegurava ter dado já as ordens. Os preparativos desta enorme força estavam já a decorrer em força.

Com uma data de partida para 28 de Novembro, que acaba por não ser cumprida como já referi em cima, uma carta do Conde de S. Vicente indica claramente qual a missão:


“3. A obrigação desta esquadra será de dar comboio a todos os navios de comércio nacional, que acharem prontos a partir até ao dito dia, levando-os sempre em sua conserva athe aquella altura que o Comandante julgar conveniente, e os reputtar livres de todo o risco de enemigos”.

O Secretário de Estado recomenda expressamente que a frota não se retenha por nenhum objecto, “qualquer que elle seja”, e que se dirija em direitura para a Bahia.



Assim, no dia de Natal de 1795, a Esquadra do Brasil parte, sob o comando do tenente general Bernardo Ramires de Esquível, a bordo da Nau ‘Príncipe Real’, em comboio com todos os navios de comércio que estavam prontos a partir nesse dia.

A Nau ‘Príncipe Real’ foi construída em 1771, sob o nome de ‘Nossa Senhora da Conceição’. Depois de 1794, após obras de beneficiação, toma o nome de ‘Príncipe Real’. Com uma guarnição de 950 homens, esta que era a maior nau portuguesa do seu tempo, era constituída por uma equipa de artilharia de entre 114 e 130 homens, assim distribuídos no seu complemento máximo:
Forte de S. Diogo, Salvador (fonte: wiki)

1 Capitão
2 1.º Tenentes
2 2.º Tenentes
125 Sargentos, soldados e tambores

Além destes, havia 150 homens de infantaria e um complemento de 670, entre marinheiros e outro pessoal embarcado.

A artilharia embarcada estava dividida em 2 baterias, cada um com cerca de 30 peças de 24. Além destas haveria mais 8 peças de 12, 6 carronadas de 36 e 6 obuzes de 24 no tombadilho.

A viagem de Lisboa à Bahia é feita em 46 dias, e segundo o tenente general Bernardo de Esquível, em carta que dirige ao Conde de S. Vicente, é a ‘mais feliz que se pode fazer’. O único problema foi uma epidemia que o tenente general não especifica a causa, mas informa ter-lhe custado a morte de 8 homens e duzentos doentes em terra.
A esquadra chega, pois, à Bahia a 9 de Fevereiro de 1796, com a intenção de fazer a viagem de regresso o mais depressa possível, mas a cidade de Salvador, afectada por uma seca generalizada tinha poucos víveres, o que os encarecia e dificultava a compra, assim como os doentes que demoravam a recuperar.
Diz Bernado Esquível que “não há farinha de guerra, não há carne, não há legumes, não há arroz”.

A viagem de volta a Lisboa, que se inicia a 1 de Abril, é mais complicada que a ida. Segundo carta-relatório do comandante, a 25 de Julho (já em Lisboa), a viagem é “dilatada e trabalhosa” por duas razões:

Primeira, maus ventos e calmas, os piores inimigos da navegação atlântica;

Segunda, a má qualidade dos navios que compunham o comboio, e que obriga a esquadra a dar fundo na ilha do Faial (Açores) para mantimentos e aguada. Alguns dos navios mercantes já pedeciam de sede e fome.

É nessa paragem no Faial, que dura 5 dias, que Bernardo Esquível toma conhecimento que uma esquadra inglesa, comandada pelo Lord Hugh Seymour, tinha por missão encontrar a esquadra portuguesa e escoltá-la a Lisboa, no qual faria grande gosto.

Cabo da Roca (fonte: wiki)
A 60 léguas do cabo da Roca, dá-se o acontecimento de maior tensão de toda a campanha. Dois navios de guerra não identificados aproximaram-se da esquadra. O mais próximo aproximou-se mais ainda e largou a bandeira francesa. O comandante português deu ordem de caça, também sem bandeira largada.
Entretanto, a dita fragata desconhecida, aproximando-se mais ainda, arreiou a bandeira francesa e larga a inglesa, disparando um tiro de saudação. Nessa altura a esquadra do Brasil largou a bandeira portuguesa e respondeu à saudação.

Anulando a ordem da caça, a esquadra do Brasil junta-se a outra esquadra para juntos entrarem no porto de Lisboa. Ao todo, eram 12 navios de guerra, 7 naus da Índia, 3 particulares e 23 de praça com carga do Brasil.

As doenças que afectaram apenas a nau ‘Príncipe Real’ na viagem para a Bahia, afectaram toda a esquadra na volta para Lisboa. O Capitão-de-Mar-e-Guerra João Gomes da Silva Telles, comandante da fragata Ulisses, falece devido a doença, sendo substituído pelo Capitão de Fragata Daniel Thompson. O próprio comandante da esquadra, Bernado Ramires de Esquível, adoece.

Chegam a 25 de Julho de 1796, escoltando carga no valor de 2,152,798$451.

Não sabemos se Carlos Frederico Lecor terá sido afectado pela epidemia, mas sabemos que esta missão marca o final da sua carreira como oficial de artilharia. No ano de 1797, ele entrará na Legião de Tropas Ligeiras, sob o comando do Marquês de Alorna, D. Pedro José de Almeida Portugal, com quem ficará até 1807.