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14 de julho de 2025

Carta de D. Quitéria Luísa Marina Lecor a D. Miguel Pereira Forjaz (Faro, 26 de novembro de 1819)

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

A bondade de VE é quem segura o perdão do meu atrevimento. Eu sou mãe dos quatro lecores que vossa excelência (VE) muito bem conhece, e até estou persuadida que eles merecem a honra da Amizade de VE, e recebendo eu carta do meu filho o tenente general barão de Laguna, atualmente comandante do exército de Montevidéu, nela me pede lhe mande seu sobrinho Cristiano Frederico Lecor Buys, meu amado neto, julgo com o plano de junto a si o fazer seguir a carreira militar, eu de boa vontade sacrifico o particular afeto que lhe tenho, só para que ele vá ser útil à pátria e a um tão benigno soberano, sendo sempre os meus sentimentos se mais filhos tivesse mais empregaria no Serviço de sua Majestade. Porém, excelentíssimo senhor, não estranhe VE que uma extremosa avó procure a segurança e o bom comado [cómodo?] da passagem de uma longa viagem, a um neto a quem adoro. Consta-me que uma embarcação de guerra se prepara para fazer viagem para o Rio de Janeiro, sendo assim vou por esta pedir a VE por graça especial a sua mercê de um aviso para o comandante da embarcação que for, lhe dar a sua passagem, só assim ficará este coração tranquilo pelo livrá-lo daquela parte do perigo de inimigo (que não é pequeno) e quando isto se encontre com as disposições de VE (o que não suponho) terei paciência – expô-lo-ei a todos os perigos, só por satisfazer os desejos de meu filho. Os meus [meios?] de ir servir a pátria e ao seu bom rei aonde dele mais // necessita. Torno a pedir a VE mil perdões pela minha liberdade, por uma parte, pelo excessivo afeto ao viajante, e por outra pelo meu natural patriotismo.

Sou com todo o respeito

De VE

Muito atenta veneradora [?] criada

Faro, 26 de novembro 1819

D. Quitéria Luiza Marina Lecor

Illmo. e exmo. Sr. D. Miguel Pereira Forjaz


Respondeu-se-lhe que não haveria dúvida em que fosse na Vasco da Gama.

Em 2 de dezembro 1819.


Fonte

Arquivo Histórico Ultramarino, AHU-ACL-CU-065, Caixa 2, Documento 1030


Maria Leocádia Leonor nasceu a 3 de setembro de 1744, em Portimão, filha de Nicolau Krusse, mercador de Hamburgo, e de D. Catarina Maria Buys. Casou com Luís Pedro Lecor em Lisboa, no bairro de Santos, a 3 de fevereiro de 1761.

Deste casamento nasceram Carlos Frederico, em 1764, João Pedro, em 1766, António Pedro, em 1768, e Jorge Frederico e Maria Leocádia Leonor. Algures na década de 1770, foi viver para Faro. É de crer a forte possibilidade do seu marido ter falecido algures nesta altura (ou saído da vida da esposa e família), porque carece de presença na vida pública das redes familiares dos Krusse, Buys e Lecor no Algarve. Tinha 75 anos à altura da carta.

Cristiano Frederico Lecor Buys, neto de D. Quitéria, nasceu a 22 de julho de 1797 em Faro, filho de João Pedro Buys e de Maria Leocádia Leonor Lecor (filha de D. Quitéria e irmã dos “quatro lecores”). Em 1822 era cadete, tendo servido no Exército brasileiro até à sua morte em 1882, reformado no posto de major. Tinha 22 anos à altura da carta.


28 de março de 2018

Apontamentos sobre a formação de oficiais de Artilharia no Algarve da década de 1790


A Aula Regimental do Regimento de Infantaria de Faro oferece-nos duas curiosidades. A primeira, e que pode causar mais confusões é que se localizava em Tavira, 40 quilómetros a leste de Faro, a capital política do reino dos Algarves dessa época. Na verdade, fácil de explicar, dado que o regimento de infantaria (que virá em 1806 a ser o n.º 14) se havia mudado em localização, em meados do século, mas não ainda, em 1793, em nome.
Dos quatro regimentos de artilharia que existiam nesta altura, Lisboa, Estremoz e Porto, apenas o da Guarnição do Algarve não tinha a aula junto ao regimento.

Descentralização do RAGA

Na verdade, é por isto que Carlos Frederico, decidindo-se alistar, obteve um posto em Tavira ou perto, de forma a frequentar as aulas do Coronel José de Sande Vasconcelos. Entrou como Soldado Pé de Castelo no Forte de São João do Registo da Barra de Tavira, em Cabanas de Tavira. Durante os seis meses que Lecor prestou serviço no Forte, tendo atingido o posto de sargento, também frequentava a aula regimental, de forma a preparar-se para exames de acesso ao oficialiato. 

Carlos Frederico assentou praça de voluntário e jurou bandeiras, perante um oficial do Forte de S. João, (guarnição), e o capelão, a 13 de Outubro de 1793, exatamente quando se iniciava o período letivo na aula do Coronel Sande de Vasconcelos, a poucos quilómetros. 

Quatro dias por semana, com descanso à quarta-feira, Carlos e os seus camaradas do regimento e de outros fortes das redondezas, aprendiam, numa sala da vários níveis de desenvolvimento, os princípios matemáticos teóricos e retirar, como dizia o Conde de Lippe, vinte anos antes, aprender “a arte de tirar de um pequeno número de factos conhecidos consequencias geraes para os factos incognitos”. No Inverno, as aulas eram das 9 ao meio-dia, no Verão, das 8 às 11 horas. Com alguma preparação matemática que a sua educação burguesa lhe ofereceu, principalmente sendo filho de um pedagogo, e criado no seio de famílias de homens de negócios, comerciantes de grosso, é certo que a primeira matéria do curso, a Matemática, não deve ter oferecido ao jovem soldado grande dificuldade.

Adicionar legenda
O Novo curso de Mathematica para uso dos officiaes Engenheiros, e Artilheria foi originalmente escrito em 1725 por Bernard Forest de Bélidor (1698-1761), tendo sido atualizado, se não em outras ocasiões anteriores, em 1757, quatro anos antes de Mr. Bellidor falecer, em 8 de setembro de 1761. 
Mais do que simplesmente um manual de Matemática, era feito especificamente para artilheiros e engenheiros, com aplicação militar direta. A sua tradução em português, feita pelo capitão Manuel de Sousa, veio em 1764, um ano após o decreto que regulamentou as aulas regimentais, assim como os exames de acesso. Nas aulas regimentais, o ‘curso mathematico de Belidoro’ é constantemente citado como a base da instrução de um oficial de artilharia do início de 1790, que poderia depois, completado ‘o estudo dos dezasseis livros de Bellidor’, especializar-se em fortificação, minas, arquitetura, engenharia.

Aos sábados, em período letivo, os cadetes, de todas as patentes, conforme o tempo de serviço – anspeçadas, cabos de esquadra, sargentos –, iam para o campo realizar exercícios de campo, onde as teorias da semana eram explicadas e experimentadas.


* * *

Contactem-me nos comentários, para bibliografia, que a tenho presente em qualquer altura.

Leia também
- O APELO D'ARMAS, OU UMA FAMÍLIA DE PORTUGUESES NO INÍCIO DAS GUERRAS REVOLUCIONÁRIAS
- Lecor aluno universitário na Real Academia de Marinha (1794-1795)

Imagem ao topo
Pormenor da fortaleza de S. João da Barra de Tavira, em Cabanas de Tavira.

2 de julho de 2017

Lecor aluno universitário na Real Academia de Marinha (1794-1795)


Este blogue chama-se Em Busca de Lecor por uma razão. Sou frequentemente lembrado do porquê. Desde 2005, sensivelmente, que busco constantemente este militar e periodicamente encontro nova informação. Que não nasceu em Faro, como se pensava, mas em Lisboa. Que começou a carreira como Soldado pé-de-castelo em Tavira, de forma a frequentar a aula regimental do tenente coronel Sande de Vasconcelos (um requisito para a promoção a oficial de patente), e mais algumas coisas.

Carlos Frederico Lecor, como ajudante em Portimão e depois como 1.º tenente da Artilharia de Faro, foi admitido e completou o 1.º Ano do Curso de Oficial de Marinha, na Real Academia de Marinha, em Lisboa, no ano lectivo de 1794/1795.

Encontrei a informação disponibilizada em-linha junto do Arquivos Histórico de Itamarati, do Ministério das relações Exteriores da República Federativa do Brasil, através do Rede Memória da Biblioteca Nacional. 
A pasta consiste de variados comprovativos, alvarás e cartas patentes relacionadas a Lecor, que o mesmo fez chegar ao ministério, com toda a certeza para processos relacionados com o cargo de Capitão General da Banda Oriental. Ainda não entrada no futuro Império, como Província Cisplatina, era de jure uma província espanhola ocupada.

Através desta fonte, os primeiros dois postos de Lecor como oficial são inequivocamente nomeados, tendo ele iniciado a frequência da Real Academia já com patente, com o patrocínio do Capitão General do Algarve. Na verdade, Carlos Frederico é o quarto irmão Lecor que D. Nuno Jose Fulgêncio de Mendonça e Moura, 6.º conde de Val de Reis, patrocina.

(Já indiciei no passado que muitos familiares próximos, incluindo o padrinho e tio, eram fornecedores de munição de boca, já desde a Guerra Fantástica, Carlos Frederico Krusse a certa altura responsável pelos fornecimento das tropas nos governos d'Armas do Douro e de Trás os Montes. Outras histórias para outra postagem).

“Atestados de Serviços e Nomeações”
Arquivo Histórico do Itamaraty (cota: AHI REE 00351)

Original (em-linha) [abre janela]
http://acervo.redememoria.bn.br/redeMemoria/handle/123456789/302675


De 5.10.1794 a circa 16.7.1795, frequenta o primeiro ano do curso de Marinha da Real Academia de Marinha, tendo feito exame de Aritmética, “no qual ficou plenamente approvado, para continuar na Aula”. Conclui o ano sendo aprovado em exame, estando habilitado “para passar a ouvir as Liçoens do segundo anno”. Não parece que o venha a fazer, pois em dezembro embarca na Esquadra do Brasil como 1.º tenente de artilharia, destacado do regimento na nau Príncipe Real. 

O Currículo do 1.º ano era constituído pelas seguintes disciplinas: Aritmética, Geometria, Trigonometria plana, o seu uso prático, e os princípios elementares da Álgebra até às equações de 2.º grau inclusivamente.

O curso era equivalente ao ensino universitário, mas por uma razão de exclusividade a Real Academia de Marinha não se podia chamar Universidade (facto que só cessa em 1911, quando as escolas politécnicas de Lisboa e Porto, e outras instituições, se tornam universidade de nome, se já há muito de facto). Será desta altura que Academia se consolida como o termo para as instituições militares universitárias portuguesas, até hoje - Excepção curiosa para a Escola Naval que é uma herdeira direta da real Academia.

[Documento n.º 2] 19 de Janeiro de 1795

Custodio Gomes de Villas boas, Ten.te Coronel do Regimen.to de Art.ª do Porto, com exercicio de lente efectivo da Cadeira do primeiro ano na Real Academia de Marinha

Attesto que Carlos Frederico Lecor, Ajudante de Infantaria, com exercicio na Praça de Villa Nova de Portimão, frequentou com muito zelo, e approveitamento a Aula do primeiro anno, de 5 de Outubro passado até o presente, com duas faltas com justa cauza e que fes o seu exame de Arithmetica, no qual ficou plenamente approvado, para continuar na Aula do primeiro anno do Curso da Marinha. E por assim ser verdade, lhe mandei passar a prezente, que vai por mim assignada, e firmada o sêllo desta Real Academia. Lisboa, 19 de Janeiro de 1795.

[Documento n.º 1] 16 de Julho de 1795

Custodio Gomes de Villas boas, Ten.te Coronel do Regimen.to de Art.ª do Porto, com exercicio de lente efectivo da Cadeira do primeiro ano na Real Academia de Marinha


Attesto que Carlos Frederico Lecor, Primeiro Tenente do Regimento de Artilharia do Algarve, e Discipulo da primeira Aula desta Real Academia de Marinha, tendo frequentado a mesma Aula com duas faltas com justa cauza, fes ultimamente o seu exame, no qual mereceo ser approvado para passar a ouvir as Liçoens do segundo anno. E por assim ser verdade, lhe mandei passar a prezente, que vai por mim assignada, e firmada o sêllo desta Real Academia. Lisboa, 16 de Julho de 1795.


23 de novembro de 2008

Acontecimentos em Faro, 1828


Caros Leitores, enquanto não divulgo mais informação sobre Lecor, pensei diversificar um pouco e entrar na temática sempre interessante da Guerra Civil de 1828 a 1834, nomeadamente no que diz respeito não só a Faro, cidade onde vivo, mas também a familiares de Lecor que nestes acontecimentos participaram.

A Guerra Civil foi o conflito dessa natureza, o mais sangrento e ideologicamente activo. Duas concepções radicalmente diferentes do que devia ser Portugal chocaram de uma forma extremamamente partidarista e agressiva. Assim, como todas as guerras civis, famílias se viam divididas, em cada lado das barricadas. No Algarve, triunfaram na fase inicial do conflito, como em todo o país, os partidários do Absolutismo e de D. Miguel.

Transcrevo uma carta de António Nicolau Sabo, escrita de Gibraltar a 29 de Agosto de 1828, dando conta do que se passou em geral no Algarve e em particular em Faro. A mesma carta foi publicada num apêndice ao periódico "O Padre Amaro, ou Sovéla, Política, Histórica e Literária", em 1828.

Chamo especial atenção à participação de António Pedro Lecor, então Governador da Praça de Faro, e a João Pedro Lecor Buys, oficial de Artilharia e sobrinho de António Pedro (e de Carlos Frederico), filho de Maria Leocádia Leonor Lecor e de João Pedro Buys. Cada um deles escolheu um lado diferente das barricadas.


EXPOZIÇÃO DOS ACONTECIMENTOS DO ALGARVE, POR OCCAZIÃO DA RE-ACLAMAÇÃO D’EL REI, O SENHOR D. PEDRO IV.


Sendo constante no Algarve, por communicações exactas, e verídicas, recebidas de Coimbra, e do Porto, que n’esta Cidade se havia re-aclamados no dia 15 de Maio, no Campo de S. Ouvidio o legitimo Governo de S. M. El Rei o Senhor D. Pedro IV, e que se havia instalado uma Junta governativa, para restaurar os sagrados direitos d'aquelle Augusto Monarcha, e da Nação Portugueza, direitos nefanda, e sacrilegamente violados pelos mais criminosos conspiradores ; foi então que na mesma Província os amantes da Pátria, e do seu legitimo Rei não sofferendo os impulsos dos seus nobres desejos, e inflamados por táo grande exemplo d'honra e brio nacional, tomarão sobre si a empreza de fazer em seu paiz uma igual restauração ainda que fosse á custa dos mais importantes sacrifícios. Para este fim no dia 24 de Maio passado foi convidado o Tenente Coronel Luiz José Maldonado Commandante do 2.º Batalhão d'Infanteria N.º 2, pelo Coronel José de Mendonça Corte Real, commandante do Regimento de Milicias de Lagos, para uma entrevista que se devia fazer em Alvor, aonde devião concorrer alguns Portuguezes, sem se lhes declarar a que fim, o qual, annuindo ao dito convite, se dirigio a mencionada Villa, onde encontrou o Capitão de Milicias — Mello, e juntando-se com o Coronel Luiz Garcia de Bivar, e os Majores Frederico Maurício Peyrant Chateauneuf, d'Artilheria N.o 2, e Francisco Neri Caldeira, de Milicias de Lagos, decidirão que, no caso de se verificarem no seguinte correio as noticias do Porto, immediatamente farião proclamar o legitimo governo de S. M. o Senhor D. Pedro IV., para cujo fim contavaõ com o Regimento de Milícias de Lagos, com um Batalhão de Tavira, com o 2° Batalhão d'Infanteria N.º 2, e com grande parte do 2º. d'Artilheria; mas que desejavaõ saber a opinião do 1.° Batalhão d'Infanteria Nº. 2, então commandado pelo dito Tenente Coronel, Maldonado. Este official declarou que naõ se podia contar com o 1. Batalhão, por estar de sentimentos oppostos á boa causa, á excepção dos officiaes inferiores, sem que primeiro se tivesse realisado a desejada aclamação, nos outros pontos; porque haria sido altamente sedusido o dito lº. Batalhão pelo Capitão do mesmo Ludovico Jozé da Roza, e outros agentes do partido faccioso. A'vista d'esta circunstancia conveio o Coronel Mendonça que se fizesse a aclamação primeiro em Tavira pelo 2º. Batalhão d'Infanteria Nº. 2. seguindo em Faro, para onde o seu Regimento e o 2°. Batalhão marchariâo, e deviSo apparecer ao romper do dia, sem com tudo se desiguar este, e que, na dita cidade, o Major Chateauneuf assumiria o commando do 2.º Regimento d'Artilheria, feita a aclamação; 3°., que em Lagos se fizesse, quando a prudência o dictasse, ou quando se aproximassem forças com que se podesse contar.

No dia 25 ás nove e meia da noute, o Governador da Praça de Lagos, António de Sá Carneiro, e o Capitão Ludovico se dirigiSo ao quartel do Regimento, accompanhados pelo Ajudante da Praça Jozé Elisbão, e causando isto grande novidade ao Tenente Coronel Maldonado marchou immediatamente de sua caza, para lhes ir sahir ao caminho, mas não lhe sendo possível encontra-los os foi achar metidos ás escuras no quartel da Ia. Companhia; á porta do quartel estavSo alguns paizanos, aos quaes se hião reunindo outros armados com piques, os quaes fazião altos alaridos, dando todos repetidos vivas subversivos.

Foi então que o Tenente Coronel Maldonado se dirigio ao Governador, para saber o motivo porque a semilhantes horas entrava no quartel do Regimento ; porem a resposta forão impropérios da parte do Governador accusando a Maldonado de tiahir ao Senhor D. Miguel, e por haver mandado distribuir pólvora ás companhias declarando ter em seu poder uma carta, que tudo denunciava, sabendo-se depois ser a mesma do Tenente Coronel reformado Francisco de Paula Sarrea (pelo qual serviço hoje se acha Coronel Commandame do Regimento de Milicias de Lagos) ouvindo isto os Soldados, e instigados pelo Governador, e Capitão Ludovico, principiarão a amotinar-se, e a lançar mão das armas, e apezar que o Tenente Coronel Maldonado obteve á custa dos maiores esforços tranquiliza-los, foi por momentos; porque os Soldados, sendo de novo instigados pelos dous seductores, se revoltarão de tal maneira, dando vivas ao Governador, e ao Infante, que bastou Loduvico assenar-lhes que fossem buscar a bandeira ao quartel de Maldonado seu Chefe, para romper em altos gritos; e foi então que a 5ª. Companhia, acompanhada de muito povo, e dos mencionados dous seductores, commetteo o attentado de ir tumultuosa, e violentamente a Secretaria do Regimento buscar a dita bandeira, e deposita-la no quartel do Governador ; Maldonado, vendo taes procedimentos se recolheo ao seu quartel, e passado um quarto d' hora teria sido victima da ferocidade brutal do povo, e Soldados amotinados, senão fosse avizado por um fiel sargento, que os preversos se destinavão a ir assassina-lo mesmo ao seu quartel, Maldonado então foi constrangido a refugiar-se, e os preversos continuarão toda a noute em alarmes e gritarias, dando vivas, pedindo mortes, e prisões, capitaneados sempre pelo Governador, e Capitão Luduvico procedendo á prisão de immensas pessoas. Taes são em resumo os fataes accontecimentos de Lagos.

No dia 25 o Major Mello, ignorando totalmente os acontecimentos de Lagos fez re-aclamar em Tavira a El Rei o Senhor D. Pedro IV ; e naõ se deliberando a prender o infame General Palmeirim (alto protector dos inimigos da causa da legitimidade, e o primeiro cooperador dos feitos rebeldes e atrozes do Algarve) por ver a promptidaõ com que o dito General annuira á restauração, naõ se lembrando quanto lhe fora recommendada a prisão, nem conhecendo que um semelhante procedimento da parte do General naõ era mais, que um manejo caviloso, para realisar a seu salvo suas preversas intenções.

Ficando pois Palmeirim em liberdade pôde pelos seus agentes, naõ só rebellar o 1.º Batalhão do 2º. Regimento d'Infanteria, estacionado em Lagos, mas igualmente revoltar o povo de Tavira, com parte da Companhia de granadeiros, e uma d'Artilheria, que alli se achava, chegando o excesso dos amotinadores a tal ponto, que surprehenderaõ o Destacamento de Castro Marim, causado pelo Alferes Joaquim Thomaz de Mendonça Pessanha, e por espaço de uma legoa perseguiraõ a retaguarda do restante do 2°. Batalhão d'Infanteria N". 2, commandado pelo Major Mello, que teve de fazer retirar os Soldados precipitadamente sem levarem mochilas, nem provisões de guerra.

O Coronel Mendonça com o Regimento do seu commando se apresentou nas immediações de Faro na madrugada do dia aprasado; porem o Regimento d'Artilheria No. 2 com a popolaça sabendo que no dia 25, em Tavira se tinha realisado a acclamaçaõ d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., se amotinarão por tal forma, que naõ houve excesso algum, que despejadamente naõ commettessem contra os defensores da legitimidade, pedindo a morte dos mesmos, concorrendo em grande parte para esta desordem o apoio do Veriador servindo de Juiz pela Ordenação Manoel Jozé Sanches, e o Coronel, Commandante do Regimento d'Artilheria N.º 2, Joaquim da Cruz, seguindo-se os horrores da anarchia.

Ninguém ignorava em Faro que por meio de dinheiro se seduziaõ havia tempos os Soldados d'Artilheria No. 2, cuja empreza estava a cargo dos cónegos, Felipe Joaquim Gliz e Souza, Manoel Aleixo, Duarte Machado, Jozé Viegas Esperança, e Manoel da Silva Mendonça, assim como dos Beneficiados, António da Ponte Contreiras, Pedro Roiz Taveira, e Jozé Poêro Carajola, o Juiz d'Alfandega, Pedro Vitto de Andrade, distribuindo o dinheiro pelos soldados por via de certos agentes da mais ínfima relé, fazendo persuadir os mesmos que elles iaõ a ser castigados com degredo por naõ haverem annuido ao partido do Infante, quando em Outubro de 1826, se tinhaõ declarado o Regimento N°. 14, e Batalhão de Caçadores N°. 4, e que só poderiaõ escapar ao castigo, fazendo acclamar o Senhor Infante, achando-se até ao presente illudidos pelos seus officiaes, que eraõ todos Pedreiros Livres, aparecendo as mesmas ideas annunciadas em proclamações affixadas junto ao quartel do dito Regimento ; pois bem viaõ os malvados, que naõ tendo o seu partido aquella força militar, naõ podiaõ arrostar com os legitimes amantes d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., e tanto que bem poucos homens de consideração deixarão de ser presos, ou fugirão. Avizado o Coronel Mendonça do que se passava em Faro, julgou a propósito dirigir-se a Olhaõ, para se reunir com o corpo do commando do Major Mello, e reunidos que foraõ na dita Villa o Regimento de Milícias de Lagos, e o 2.º Batalhão d'Infanteria N.° 2, e muitos paizanos armados, que de Faro se reunirão, marcharão sobre esta cidade na madrugada do dia 28, commandados por Mendonça, e por Mello.

O Regimento N.º 2, d'Artilheria, e os servis todos amotinados, sabendo as intenções d'aquelles corpos, se apoderarão immediatamente dos paioes, e cazas de arrecadação ; e por mais esforços, que alguns officiaes fizeraõ, para desvia-los de semelhante tentativa, tudo foi baldado ; chegando a sua fúria e insubordinação a quererem assassinar o capitão Duarte Daniel Pereira do Amaral, que pôde escapar-se, e reunir-se em Olhaõ com o Escrivão da Camera de Faro, expondo os mesmos aos Commandantes da força armada o estado horroroso d'aquella Cidade. Naõ obstante isto, o referidos chefes julgarão do seu dever naõ desistir de taõ nobre empreza, e apezar que o dito Regimento d'Artilheria tinha assestado a artilheria em todos os pontos importantes, cobrindo principalmente as alturas, que dominavâo a estiada d'olhao, com tudo os corpos combinados, não esperando encontrar t5o grande resistência, ainda que lhes faltava a pólvora necessária, e até pederneiras (o que fora motivado pela revolta de Tavira, e Faro) assim mesmo chegarão a pouca distancia d'esta Cidade pelas 4 horas da madrugada, do dia 28.

Foi então que na estrada denominada das Lavadeiras começou a vanguarda a sofrer um vivo fogo d'artilheria, e mosqueteria dirigido pelo mesmo 2.° Regimento, e paizanos armados. Travou-se um vigoroso choque, e tiroteo de parte, a parte, tendo os inimigos a vantagem do logar, e a superioridade das duas armas, alem da muita pólvora, e munições de que se haviâo apoderado. Durou o combate por espaço de três horas : as tropas fidelissimas forão obrigadas a ceder, e a tocar a retirada, por não lhes restar um só cartuxo. Foi n'este momento que entrou a dissolução, e discorsuamento nas fileiras. Os Soldados começarão a debandada, e a muito custo dos oficiaes poderão fazer uma retirada em forma até Olhão.

Vendo-se os officiaes, e todos os bons Portuguezes, que havião concorrido para a sustentação da legitimidade, distituidos de todo o recurso, formarão o projecto de se retirarem para Beja, atravessando a serra de S. Braz, plano a que adheriaõ todos os que se achavão em circunstancias de o abraçar : por que muitos não tinhão cavallos, ou não podião contar com elles, pelo desfalecimento que havião sofrido, restando- lhes unicamente, para se evadirem ao perigo, o recurso de se occultarem.

Os amotinadores de Faro, conhecendo a retirada, expedirão sobre os infelizes alguns bandos de malvados, havendo o capitão-mor, Jozé Bernardo da Gama Mascaranhas de Figueiredo, com antecipação passado as mais terminantes ordens ás Aldeãs, para perseguirem os fugitivos, com tal resultado que os prenderão, conduzindo-os a Faro na tarde do mesmo dia 28, pelas 7 horas, aonde forão recebidos pelos preversos com fogos de alegria. N'esta occasiaõ foi assassinado, e feito em pedaços com a maior crueldade o desventurado Major Chateauneuf, sendo os culpados d'esta morte os infames Jaques Felipe Landrecet, e o Capitão Luiz Guilherme Coelho, que aproximando-se do Major o principiarão a arguir, perante a multidão, do seu procedimento, excitando assim estes dois monstros os malvados para o assassínio, e foraõ os únicos officiaes, que tomarão sobre si o dirigir o Regimento, sendo estes os commandantes no fogo contra as tropas fieis. Escaparão n'esta occasiâo felismente á morte o Capitão Amaral, e o Major Caldeira. O Coronel Bivar escapou afortunadamente, passando. d'Olhão para bordo da escuna Nimfa, que se achava junto da barra. O Commandante d'esta embarcação o segundo Tenente da Armada Real, Francisco Xavier Auffdiener, havendo se conservado junto a Faro, se retirou d'esta posição, por ser avisado pelo Governador da Praça, António Pedro Lecor, que do Castello e pertendia fazer fogo sobre a Escuna, dando-se por motivo d'este procedimento agressivo o ter elle commandante dado protecção a seu bordo a muitos coustitucionaes. No meio d' esta crise, resolveo recolher-se ao Porto de Gibraltar, por que a Escuna não perrnitia outra viagem pelo seu estado de ruina; e com effeito realisando o seu projecto chegou a este porto no dia 7 de Junho do corrente anno trazendo a seu bordo alem do seu immediato, o Segundo Tenente da Armada Real, António Herculano Rodrigues, o Commandante do Cahique de Guera Inveja, Hermano Bastos de Azevedo, segundo Tenente da mesma Armada Real, o Tenente Coronel, graduado em Coronel do Regimento de Milicias de Lagos, Luiz Garcia de Bivar, António Nicolão Sabbo, João Pedro Lecor Ruiz [Buiz, referindo-se a Buys], aos quaes deu um generoso acolhimento, fugindo assim aos tristes males, que os ameaçavão no meio da sua disgraçada Pátria.

Gibraltar 29 d'Agosto de 1828.
ANTÓNIO NICOLAO SABBO.

14 de março de 2008

Faro, Novembro de 1793


Esta é a cidade de Faro vista de onde hoje está o Hotel Eva, em Novembro de 1793. A igreja da Misericórdia domina a esquerda da gravura; ao centro vemos a torre da Sé, bem dentro dos muros da cidade. Mais próximo ao centro, o bulício da cidade, com uma formação militar marchando naquilo que é hoje o Jardim Luís Bívar. Será possivelmente do regimento de Artilharia do ALgarve (o futuro n.º 2).
Quem sabe Lecor estava entre eles, já que ele se alistou por esta mesma altura. Note-se as peças de artilharia, para lá da doca, ao lado direito.
O autor da gravura assina J. M. do S. - Quem será o cavalheiro?