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29 de abril de 2012

Juliana e Lecor

No passado dia 12 de abril, José Norton apresentou o seu novo livro "Juliana, Condessa Stroganoff", a biografia de D. Juliana, conhecida mais comummente pelos portugueses como a infame Condessa de Ega. 

José Norton desmonta brilhantemente a cabala histórica que os românticos, primeiro, e todos os outros depois montaram contra Juliana. Para lá da pretensa amante de Junot, frívola e rebelde aristocrata mimada e caída em desgraça, o autor mostra a mulher, apenas e só, fruto das circunstâncias do seu tempo, das ações do seu marido e, principalmente, da educação numa das mais mais progressistas famílias aristocratas portuguesas.

Já habituado à qualidade e fluidez da escrita de José Norton, tendo lido O Último Távora, é suficiente dizer que li este livro em três dias e não fosse pelo meu trabalho teria lido em menos tempo. Pese embora a falta de referências diretas que possam ajudar outros investigadores a ir aos documentos primários - única falha que humilde e curioso aponto, não se deixa de notar a exaustiva pesquisa que o autor levou a cabo e que o faz produzir uma obra num género que deixou saudades com Raul Brandão no início do seculo XX e que recomeça agora a apelar ao gosto dos portugueses pelos tempos idos da gloriosa (digo eu) transição do antigo regime para o liberalismo. A Não-Fição Histórica portuguesa está pois viva e ganha terreno aos romances históricos, bendita seja Clio, a musa da História.

Porque esta postagem não pretende ser uma crítica, há que chegar ao ponto que me traz aqui: Lecor. O nosso amigo Carlos Frederico aparece neste livro, muito da mesma forma que apareceu em "O Último Távora", do mesmo autor. Um personagem secundária, inevitável na medida em que era amigo da família e frequentava a casa desde finais do século XIX. Como primeiro ajudante de ordens do Marquês de Alorna, D. Pedro, desde pelo menos 1805, Lecor frequentava o círculo íntimo da Casa de Alorna e Fronteira e era por todos eles considerado e de extrema confiança para quase todos os assuntos sensíveis.

O papel de Lecor foi o de ligação entre a mãe de Juliana, a futura 4.ª marquesa de Alorna, exilada em Londres e Juliana, no momento em que as forças inglesas derrotaram os franceses em Roliça e Vimeiro, no verão de 1808 e se desmontava o governo francês sobre Portugal, na sequência da Convenção de Sintra. 

Lecor, no âmbito da segunda vaga de fugas ao domínio francês, por alturas da Páscoa de 1808, havia fugido para Londres com o objetivo de viajar depois para o Brasil. Durante os 3 meses que permaneceu na Inglaterra, além de participar na formação da Leal Legião Lusitana (LLL), esteve em contato com a mãe de Juliana e ao voltar para Portugal, na companhia do 1.º batalhão da LLL, trouxe cartas de vital importância para as filhas da futura marquesa de Alorna, e especialmente Juliana, casada que era com um dos mais prolíferos e voluntariosos colaboradores de Junot, o conde de Ega.

Um primeiro ponto importante, que José Norton deixa em aberto é a data de chegada de Lecor a Portugal. De facto, Lecor chega ao Porto no dia 18 de agosto de 1808, na companhia de vários oficiais, nomeadamente Sir Robert Wilson que é nomeado semanas depois comandante da LLL pelo Bispo do Porto. Esta informação foi-me gentilmente passada por Moisés Gaudêncio, historiador desta época e especialmente da Legião, com base na biografia de Wilson, "A Very Slippery Fellow", de Michael Glover (a viagem dura 9 dias). A questão é que Lecor vinha com uma missão mais importante, a de preparar um segundo batalhão da LLL e de preparar a chegada do primeiro, organizado em Plymouth.

No livro, através de uma carta de uma das irmãs de Juliana, Frederica, sabe-se que Lecor entrega eventualmente as cartas incluindo a destinada a Juliana, já embarcada no navio inglês que a levaria para a França. Fá-lo decerto só após concluir as suas tarefas no âmbito da LLL, que incluiu algum tempo passado no Porto e uma posterior viagem, a 24 de agosto, ao Ramalhal, acompanhando Wilson, para conferenciar com o General Dalrymple, comandante das forças inglesas em Portugal.

De acordo com a carta de Frederica à mãe, nos inícios de Outubro, é referido que Lecor entrega as cartas, mas tarde demais para que se possa entregar a destinada a Juliana, que havia partido a 15 de setembro com destino a França.

Em relação a Carlos Frederico Lecor, não se sabe se acompanhou Sir Robert Wilson ao Ramalhal a 24.8.1808, ou se ficou no Porto a tratar dos assuntos da Legião (o que é bem mais provável). Seja como for, ele entregou as cartas no início de Outubro, tarde demais para Juliana, se bem que creio que pouca influência teria no destino dos condes de Ega.

Lecor poderia ter enviado as cartas por correio de confiança de Porto para Lisboa, mas creio que a sensibilidade das mesmas e a necessidade de as entregar em mãos só permitiu que ele as entregasse ele próprio quando pode finalmente ir a Lisboa, tarde demais para que chegassem a Juliana.

Aqui está, pois, o meu pequeno contributo no que tange ao papel de Lecor nesta história. Espero que complemente a leitura de "Juliana, Condessa Stroganof", livro que recomendo vivamente aos caros leitores deste blogue.

José Norton, Juliana - Condessa de Stroganoff, Filha da marquesa de Alorna, A vida da portuguesa mais influente da Europa no século XIX. Edição: 2012; Páginas: 440; Editor: Livros d'Hoje; ISBN: 9789722047944.

5 de maio de 2011

Piada de Caserna


Certo official francez disputando com um suisso, arguio de que os da sua terra combatião por todos os partidos, huma vez que lhes pagassem, sendo certo que os francezes nunca combatião senão pela honra. “He verdade, respondeo o suisso, ninguém combate senão por aquillo que mais lhe falta”.

in: O Archivo Popular, n.º 6, Sábado, 6.2.1839

19 de dezembro de 2010

Libera Me - José Maurício Nunes Garcia (1767-1830)


No funeral do Marechal do Exército Carlos Frederico Lecor, na Igreja de São Francisco de Paula, Rio de Janeiro, a 4 de Agosto de 1836, foi tocada a peça Libera Me. Não sabendo quem o autor, nessa precisa ocasião, apresento aqui a versão de José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), compositor brasileiro contemporâneo de Carlos Frederico, e também residente no Rio de Janeiro:

Libera me, Domine, de morte aeterna, in die illa tremenda:
Quando caeli movendi sunt et terra.
Dum veneris judicare saeculum per ignem.
Tremens factus sum ego, et timeo, dum discussio venerit, atque ventura ira.
Quando caeli movendi sunt et terra.
Dies illa, dies irae, calamitatis et miseriae, dies magna et amara valde.
Dum veneris judicare saeculum per ignem.
Requiem aeternam dona eis, Domine: et lux perpetua luceat eis.

Livra-me Senhor da morte eterna. naquele dia tremendo:
Quando os céus e a terra se revirarem:
Então virás julgar os povos através do fogo.
Ponho-me a tremer, e tenho medo, quando o abalo vier juntamente com a fúria futura.
Naquele dia de ira, de calamidade e miséria, dia de grande e excessiva dor.
O descanso eterno dá-lhes, Senhor, e brilhe para eles a luz eterna.

A atuação é da responsabilidade do maestro Ernani Aguiar, Coral Porto Alegre e da Orquestra de Câmara Theatro S. Pedro, a 20 de Outubro de 2008.

5 de abril de 2009

Duas Cartas de Lecor Leiloadas o Ano Passado

Ao googlar o nosso amigo Lecor, naquilo que se torna já um hábito do qual será difícil me apartar no futuro, encontrei algo interessante e que se reporta ao sector privado da historiografia militar portuguesa.

No passado ano de 2008, a 8 de Julho, e pelo valor de €130 foram leiloadas duas cartas escritas por Carlos Frederico Lecor ao Marquês de Alorna, nos idos de 1801, ambas da Zibreira, na zona de Castelo Branco, uma a 26 de Abril e outra a 28 desse mesmo mês. A leiloeria foi a Palácio do Correio Velho e pode ser visitada aqui.

Desde já dando os parabéns a quem adquiriu estes dois documentos, copio aqui as suas descrições para memória futura. Seja quem for, tendo os dois documentos, já tem mais um documento lecoriano acerca da zona da Beira Baixa na Guerra de 1801 (das Laranjas, como lhe chamam) que o Arquivo Histórico Militar (que só tem um e está, aparentemente, 'refém', da empresa de digitalização e arquivo - tentei e não consegui ver, por razões esotéricas internas).


Leilão nº 195 - Leilão de Livros e Manuscritos - Lote 0515:

"1 - CARTA AO MARQUÊS DE ALORNA. Zebreira, 26 de Abril de 1801. In - 4º de 4 págs. Com descrição dos movimentos de tropas junto à fronteira e pedindo cartuchame para distribuir ás companhias de ordenanças. Refere ainda Salvaterra e Monfortinho. Lecor foi um destacado militar vencedor tanto nas guerras peninsulares como na Guerra do Rio da Prata, conquistando Montevideu. Veio a ser 1º barão e Visconde de Laguna, morrendo no Brasil.


2 - CARTA AO MARQUÊS DE ALORNA. Zebreira, 28 de Abril de 1801. In - 4º de 4 págs. Fala dos movimentos de tropas, da falta de sapatos dos homens, da necessidade de lhes dar mais que o soldo para os fazer avançar no estado em que estão e anuncia a partida para Badajoz. Cartas valiosas, escritas do distrito de Castelo Branco, pelo herói de várias batalhas peninsulares."

16 de março de 2009

Leituras Cibernáuticas IV - História da Campanha do Sul de 1827

Qualquer historiador amador e sem dinheiro (os profissionais e endinheirados também, na verdade, mas não é o meu caso) deverão estar sempre com o olho nas novidades do Google Livros e do Archive.org.

Ora, anteontem, encontrei a mais fresca novidade em torno de Lecor, uma preciosidade acerca da Guerra da Cisplatina (Esp.: Guerra del Brasil) de 1825-1828, escrita por Eunápio Deiró (o autor não consta da ficha do livro, mas identifiquei-o facilmente). Fundamentalmente, o livro versa sobre os acontecimentos de 1827 e sobre a batalha do Passo do Rosário (ou Ituizangó),em 27 de Fevereiro de 1827, uma pequena grande derrota.

Interessante mesmo é que este livro foi escrito por um Barbacenista, isto é, claramente um apoiante do Marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta. (1772-1842) Não portanto um dos meus, pois eu sou, e o leitor já claramente percebeu, um Lecoriano. Defeitos pessoais e públicos à parte, ao menos Lecor era um soldado verdadeiro, enquanto o Barbacena era um bom diplomata, favorito da amante do Imperador, mas não, de facto, um soldado no verdadeiro sentido da palavra, muito menos um comandante.

Ora, na História Brasileira retunda ainda o frio encontro entre as duas personagens a 26 de Novembro de 1826, na Vila do Rio Grande, quando Lecor rendeu o comando do Exército do Sul a Barbacena, assim como a recusa posterior de D. Pedro I em receber Lecor.

Passaram 14 meses até que Lecor, que havia humildemente aguentado todo o desprezo que a Côrte lhe havia oferecido, torna ao comando do Exército do Sul, para gáudio, diga-se, da população gaúcha, que ao contrário da capital sabia agradecer.

Ora, o caríssimo leitor queira perdoar as minhas palavras, acaso seja barbacenista, ou até mesmo se não for, mas as ondas desta polémica chegam a este ano de 2009 e pela pena deste que vos escreve, não cessarão senão pela atribuição da verdadeira importância de Carlos Frederico Lecor, que, apesar de ter nascido em Portugal, serviu distintamente o Brasil quando o Brasil mais dele precisou.

História da Campanha do Sul em 1827 (Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 3.º Trimestre, 1886)
Eunápio Deiró [visite aqui]

22 de fevereiro de 2009

Carlos Frederico Lecor: The Making of a Portuguese General

Embora este artigo tenha sido publicado no final do ano passado, já perfazendo quase 2 meses, esta é tão boa altura quanto qualquer outra para o anunciar aqui. É o primeiro de dois artigos que escrevi em língua inglesa para o excelente sítio Napoleon Series, intitulado "Carlos Frederico Lecor: The Making of a Portuguese General". Este primeiro refere-se aos anos enquanto subalterno (até Tenente), e reporta-se aos anos de 1793 a 1797. O segundo, a escrever ainda, irá centrar-se nos anos de 1797 a 1808, período esse que termina com Lecor promovido a Coronel de Infantaria 23, no renovado Exército Português.

Espero que gostem.

http://www.napoleon-series.org/research/biographies/Portugal/Lecor/c_Lecor.html

21 de fevereiro de 2009

Um Livro a comprar

Paulo Estrela, Ordens e Condecorações Portuguesas 1793-1824,
Lisboa, Tribuna da História, 2009.

Definitivamente um livro a comprar, pela pesquisa exaustiva e bem entregue ao leitor, pela ilustração profusa (na capa, a Medalha de Comando da Guerra Peninsular - por 5 acções - atribuída a D. José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos (1785-1855), 1º Conde de Vila Real) e pela lista de medalhados, no final.

A meu ver, e puxando a minha sardinha à respectiva brasa, só faltava uma imagem de algum quadro de Lecor, quem sabe o de Miguel Benzo, em Montevidéu, com Lecor usando a sua banda da Torre e Espada ... Mas também era só mesmo isso que faltava (digo eu!), pois de resto enche as medidas a qualquer amante de Falerística e História Militar.

Uma fonte biográfica de 1836: A mais antiga?


Após algum tempo de recesso, volto ao vosso convívio com a mais antiga fonte biográfica de Lecor (que eu saiba), publicada na Biographie Universelle et Portative des Contemporains (tomo III), em 1836, o mesmo ano em que Lecor faleceu:


(decidi apenas colocar uma parte, acerca da parte menos conhecida da vida de Lecor)

LECOR (Charles-Frédéric), général portugais, né en Algarve, reçut sa première éducation en Hollande, d’où son père était originaire [na verdade, o pai, Louis Pierre Lecor, era originário de Paris]. Il sé destina d’abord au commerce, mais il embrassa fort jeune encore l’état militaire, et parvint en peu d’années au rang de capitaine. Il dut son avancement autant à son mérite qu’à la protection du marquis d’Alorna, chef de la légion de troupes légères, qui y admit le jeune Lecor. A l’époque de l’entrée de l’armée française à Lisbonne, en 1807, M. Lecor était major [era, de facto, Tenente Coronel] dans cette légion et aide-de-camp du marquis d’Alorna, alors gouverneur de la province d’Alantejo, qui avait en lui une entière confiance, non seulement pour tout ce qui regardait le service militaire, mais encore pour des affaires personelles et confidentielles. Pendant un court voyage que son chef fit à Estremoz, pour y passer en revue les troupes portugaises destinées par le général Junot à former le corps qui devait se rendre en France, M. Lecor évita adroitement d’accompagner son général, en pretextant des affaires dont celui-ci l’avait chargé et qui n’étaient pas encore terminées. Pendant l’absence du marquis il s’embarqua secrètement pour l’Angleterre. Cette conduite peu franche envers son ami et son protecteur, dont le cáractère était plein de loyauté, fut universellement désapprouvée par ceux-là même qui partageaient la répugnance que cet officier montra pour le service français. Revenu en Portugal par suite de l’evacuation du pays par l’armée française en vertu de la convention de Cintra, M. Lecor servit avec distinction dans l’armée anglo portugaise ; il commandait une brigade à l’affaire du Bussaco, s’y distingua par son courage calme et sa présence d’esprit, et fut un des officiers portugais dont le maréchal Beresford fit le plus de cas, et auxquelles il confia, dès la premiere organisation de l’armée portugaise, les plus importants commandements. (...)Resta saber quais as fontes que o autor usou (entre vários que compuseram o dicionário). Este texto, em alguns dos seus elementos, serve de base a apontamentos biográficos futuros, nomeadamente colocando-o como natural do Algarve, como infantil viajante à Holanda, destinado ao comércio, etc.
A vermelho, uma versão da forma como Lecor se terá separado do seu general (Alorna) em 1808, fugindo depois para Inglaterra. Esta versão não aparece replicada em outras fontes subsequentes.


Atualização [19/4/2013]: Leia o livro no GoogleLivros (p.223)

23 de novembro de 2008

Acontecimentos em Faro, 1828


Caros Leitores, enquanto não divulgo mais informação sobre Lecor, pensei diversificar um pouco e entrar na temática sempre interessante da Guerra Civil de 1828 a 1834, nomeadamente no que diz respeito não só a Faro, cidade onde vivo, mas também a familiares de Lecor que nestes acontecimentos participaram.

A Guerra Civil foi o conflito dessa natureza, o mais sangrento e ideologicamente activo. Duas concepções radicalmente diferentes do que devia ser Portugal chocaram de uma forma extremamamente partidarista e agressiva. Assim, como todas as guerras civis, famílias se viam divididas, em cada lado das barricadas. No Algarve, triunfaram na fase inicial do conflito, como em todo o país, os partidários do Absolutismo e de D. Miguel.

Transcrevo uma carta de António Nicolau Sabo, escrita de Gibraltar a 29 de Agosto de 1828, dando conta do que se passou em geral no Algarve e em particular em Faro. A mesma carta foi publicada num apêndice ao periódico "O Padre Amaro, ou Sovéla, Política, Histórica e Literária", em 1828.

Chamo especial atenção à participação de António Pedro Lecor, então Governador da Praça de Faro, e a João Pedro Lecor Buys, oficial de Artilharia e sobrinho de António Pedro (e de Carlos Frederico), filho de Maria Leocádia Leonor Lecor e de João Pedro Buys. Cada um deles escolheu um lado diferente das barricadas.


EXPOZIÇÃO DOS ACONTECIMENTOS DO ALGARVE, POR OCCAZIÃO DA RE-ACLAMAÇÃO D’EL REI, O SENHOR D. PEDRO IV.


Sendo constante no Algarve, por communicações exactas, e verídicas, recebidas de Coimbra, e do Porto, que n’esta Cidade se havia re-aclamados no dia 15 de Maio, no Campo de S. Ouvidio o legitimo Governo de S. M. El Rei o Senhor D. Pedro IV, e que se havia instalado uma Junta governativa, para restaurar os sagrados direitos d'aquelle Augusto Monarcha, e da Nação Portugueza, direitos nefanda, e sacrilegamente violados pelos mais criminosos conspiradores ; foi então que na mesma Província os amantes da Pátria, e do seu legitimo Rei não sofferendo os impulsos dos seus nobres desejos, e inflamados por táo grande exemplo d'honra e brio nacional, tomarão sobre si a empreza de fazer em seu paiz uma igual restauração ainda que fosse á custa dos mais importantes sacrifícios. Para este fim no dia 24 de Maio passado foi convidado o Tenente Coronel Luiz José Maldonado Commandante do 2.º Batalhão d'Infanteria N.º 2, pelo Coronel José de Mendonça Corte Real, commandante do Regimento de Milicias de Lagos, para uma entrevista que se devia fazer em Alvor, aonde devião concorrer alguns Portuguezes, sem se lhes declarar a que fim, o qual, annuindo ao dito convite, se dirigio a mencionada Villa, onde encontrou o Capitão de Milicias — Mello, e juntando-se com o Coronel Luiz Garcia de Bivar, e os Majores Frederico Maurício Peyrant Chateauneuf, d'Artilheria N.o 2, e Francisco Neri Caldeira, de Milicias de Lagos, decidirão que, no caso de se verificarem no seguinte correio as noticias do Porto, immediatamente farião proclamar o legitimo governo de S. M. o Senhor D. Pedro IV., para cujo fim contavaõ com o Regimento de Milícias de Lagos, com um Batalhão de Tavira, com o 2° Batalhão d'Infanteria N.º 2, e com grande parte do 2º. d'Artilheria; mas que desejavaõ saber a opinião do 1.° Batalhão d'Infanteria Nº. 2, então commandado pelo dito Tenente Coronel, Maldonado. Este official declarou que naõ se podia contar com o 1. Batalhão, por estar de sentimentos oppostos á boa causa, á excepção dos officiaes inferiores, sem que primeiro se tivesse realisado a desejada aclamação, nos outros pontos; porque haria sido altamente sedusido o dito lº. Batalhão pelo Capitão do mesmo Ludovico Jozé da Roza, e outros agentes do partido faccioso. A'vista d'esta circunstancia conveio o Coronel Mendonça que se fizesse a aclamação primeiro em Tavira pelo 2º. Batalhão d'Infanteria Nº. 2. seguindo em Faro, para onde o seu Regimento e o 2°. Batalhão marchariâo, e deviSo apparecer ao romper do dia, sem com tudo se desiguar este, e que, na dita cidade, o Major Chateauneuf assumiria o commando do 2.º Regimento d'Artilheria, feita a aclamação; 3°., que em Lagos se fizesse, quando a prudência o dictasse, ou quando se aproximassem forças com que se podesse contar.

No dia 25 ás nove e meia da noute, o Governador da Praça de Lagos, António de Sá Carneiro, e o Capitão Ludovico se dirigiSo ao quartel do Regimento, accompanhados pelo Ajudante da Praça Jozé Elisbão, e causando isto grande novidade ao Tenente Coronel Maldonado marchou immediatamente de sua caza, para lhes ir sahir ao caminho, mas não lhe sendo possível encontra-los os foi achar metidos ás escuras no quartel da Ia. Companhia; á porta do quartel estavSo alguns paizanos, aos quaes se hião reunindo outros armados com piques, os quaes fazião altos alaridos, dando todos repetidos vivas subversivos.

Foi então que o Tenente Coronel Maldonado se dirigio ao Governador, para saber o motivo porque a semilhantes horas entrava no quartel do Regimento ; porem a resposta forão impropérios da parte do Governador accusando a Maldonado de tiahir ao Senhor D. Miguel, e por haver mandado distribuir pólvora ás companhias declarando ter em seu poder uma carta, que tudo denunciava, sabendo-se depois ser a mesma do Tenente Coronel reformado Francisco de Paula Sarrea (pelo qual serviço hoje se acha Coronel Commandame do Regimento de Milicias de Lagos) ouvindo isto os Soldados, e instigados pelo Governador, e Capitão Ludovico, principiarão a amotinar-se, e a lançar mão das armas, e apezar que o Tenente Coronel Maldonado obteve á custa dos maiores esforços tranquiliza-los, foi por momentos; porque os Soldados, sendo de novo instigados pelos dous seductores, se revoltarão de tal maneira, dando vivas ao Governador, e ao Infante, que bastou Loduvico assenar-lhes que fossem buscar a bandeira ao quartel de Maldonado seu Chefe, para romper em altos gritos; e foi então que a 5ª. Companhia, acompanhada de muito povo, e dos mencionados dous seductores, commetteo o attentado de ir tumultuosa, e violentamente a Secretaria do Regimento buscar a dita bandeira, e deposita-la no quartel do Governador ; Maldonado, vendo taes procedimentos se recolheo ao seu quartel, e passado um quarto d' hora teria sido victima da ferocidade brutal do povo, e Soldados amotinados, senão fosse avizado por um fiel sargento, que os preversos se destinavão a ir assassina-lo mesmo ao seu quartel, Maldonado então foi constrangido a refugiar-se, e os preversos continuarão toda a noute em alarmes e gritarias, dando vivas, pedindo mortes, e prisões, capitaneados sempre pelo Governador, e Capitão Luduvico procedendo á prisão de immensas pessoas. Taes são em resumo os fataes accontecimentos de Lagos.

No dia 25 o Major Mello, ignorando totalmente os acontecimentos de Lagos fez re-aclamar em Tavira a El Rei o Senhor D. Pedro IV ; e naõ se deliberando a prender o infame General Palmeirim (alto protector dos inimigos da causa da legitimidade, e o primeiro cooperador dos feitos rebeldes e atrozes do Algarve) por ver a promptidaõ com que o dito General annuira á restauração, naõ se lembrando quanto lhe fora recommendada a prisão, nem conhecendo que um semelhante procedimento da parte do General naõ era mais, que um manejo caviloso, para realisar a seu salvo suas preversas intenções.

Ficando pois Palmeirim em liberdade pôde pelos seus agentes, naõ só rebellar o 1.º Batalhão do 2º. Regimento d'Infanteria, estacionado em Lagos, mas igualmente revoltar o povo de Tavira, com parte da Companhia de granadeiros, e uma d'Artilheria, que alli se achava, chegando o excesso dos amotinadores a tal ponto, que surprehenderaõ o Destacamento de Castro Marim, causado pelo Alferes Joaquim Thomaz de Mendonça Pessanha, e por espaço de uma legoa perseguiraõ a retaguarda do restante do 2°. Batalhão d'Infanteria N". 2, commandado pelo Major Mello, que teve de fazer retirar os Soldados precipitadamente sem levarem mochilas, nem provisões de guerra.

O Coronel Mendonça com o Regimento do seu commando se apresentou nas immediações de Faro na madrugada do dia aprasado; porem o Regimento d'Artilheria No. 2 com a popolaça sabendo que no dia 25, em Tavira se tinha realisado a acclamaçaõ d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., se amotinarão por tal forma, que naõ houve excesso algum, que despejadamente naõ commettessem contra os defensores da legitimidade, pedindo a morte dos mesmos, concorrendo em grande parte para esta desordem o apoio do Veriador servindo de Juiz pela Ordenação Manoel Jozé Sanches, e o Coronel, Commandante do Regimento d'Artilheria N.º 2, Joaquim da Cruz, seguindo-se os horrores da anarchia.

Ninguém ignorava em Faro que por meio de dinheiro se seduziaõ havia tempos os Soldados d'Artilheria No. 2, cuja empreza estava a cargo dos cónegos, Felipe Joaquim Gliz e Souza, Manoel Aleixo, Duarte Machado, Jozé Viegas Esperança, e Manoel da Silva Mendonça, assim como dos Beneficiados, António da Ponte Contreiras, Pedro Roiz Taveira, e Jozé Poêro Carajola, o Juiz d'Alfandega, Pedro Vitto de Andrade, distribuindo o dinheiro pelos soldados por via de certos agentes da mais ínfima relé, fazendo persuadir os mesmos que elles iaõ a ser castigados com degredo por naõ haverem annuido ao partido do Infante, quando em Outubro de 1826, se tinhaõ declarado o Regimento N°. 14, e Batalhão de Caçadores N°. 4, e que só poderiaõ escapar ao castigo, fazendo acclamar o Senhor Infante, achando-se até ao presente illudidos pelos seus officiaes, que eraõ todos Pedreiros Livres, aparecendo as mesmas ideas annunciadas em proclamações affixadas junto ao quartel do dito Regimento ; pois bem viaõ os malvados, que naõ tendo o seu partido aquella força militar, naõ podiaõ arrostar com os legitimes amantes d'El Rei o Senhor D. Pedro IV., e tanto que bem poucos homens de consideração deixarão de ser presos, ou fugirão. Avizado o Coronel Mendonça do que se passava em Faro, julgou a propósito dirigir-se a Olhaõ, para se reunir com o corpo do commando do Major Mello, e reunidos que foraõ na dita Villa o Regimento de Milícias de Lagos, e o 2.º Batalhão d'Infanteria N.° 2, e muitos paizanos armados, que de Faro se reunirão, marcharão sobre esta cidade na madrugada do dia 28, commandados por Mendonça, e por Mello.

O Regimento N.º 2, d'Artilheria, e os servis todos amotinados, sabendo as intenções d'aquelles corpos, se apoderarão immediatamente dos paioes, e cazas de arrecadação ; e por mais esforços, que alguns officiaes fizeraõ, para desvia-los de semelhante tentativa, tudo foi baldado ; chegando a sua fúria e insubordinação a quererem assassinar o capitão Duarte Daniel Pereira do Amaral, que pôde escapar-se, e reunir-se em Olhaõ com o Escrivão da Camera de Faro, expondo os mesmos aos Commandantes da força armada o estado horroroso d'aquella Cidade. Naõ obstante isto, o referidos chefes julgarão do seu dever naõ desistir de taõ nobre empreza, e apezar que o dito Regimento d'Artilheria tinha assestado a artilheria em todos os pontos importantes, cobrindo principalmente as alturas, que dominavâo a estiada d'olhao, com tudo os corpos combinados, não esperando encontrar t5o grande resistência, ainda que lhes faltava a pólvora necessária, e até pederneiras (o que fora motivado pela revolta de Tavira, e Faro) assim mesmo chegarão a pouca distancia d'esta Cidade pelas 4 horas da madrugada, do dia 28.

Foi então que na estrada denominada das Lavadeiras começou a vanguarda a sofrer um vivo fogo d'artilheria, e mosqueteria dirigido pelo mesmo 2.° Regimento, e paizanos armados. Travou-se um vigoroso choque, e tiroteo de parte, a parte, tendo os inimigos a vantagem do logar, e a superioridade das duas armas, alem da muita pólvora, e munições de que se haviâo apoderado. Durou o combate por espaço de três horas : as tropas fidelissimas forão obrigadas a ceder, e a tocar a retirada, por não lhes restar um só cartuxo. Foi n'este momento que entrou a dissolução, e discorsuamento nas fileiras. Os Soldados começarão a debandada, e a muito custo dos oficiaes poderão fazer uma retirada em forma até Olhão.

Vendo-se os officiaes, e todos os bons Portuguezes, que havião concorrido para a sustentação da legitimidade, distituidos de todo o recurso, formarão o projecto de se retirarem para Beja, atravessando a serra de S. Braz, plano a que adheriaõ todos os que se achavão em circunstancias de o abraçar : por que muitos não tinhão cavallos, ou não podião contar com elles, pelo desfalecimento que havião sofrido, restando- lhes unicamente, para se evadirem ao perigo, o recurso de se occultarem.

Os amotinadores de Faro, conhecendo a retirada, expedirão sobre os infelizes alguns bandos de malvados, havendo o capitão-mor, Jozé Bernardo da Gama Mascaranhas de Figueiredo, com antecipação passado as mais terminantes ordens ás Aldeãs, para perseguirem os fugitivos, com tal resultado que os prenderão, conduzindo-os a Faro na tarde do mesmo dia 28, pelas 7 horas, aonde forão recebidos pelos preversos com fogos de alegria. N'esta occasiaõ foi assassinado, e feito em pedaços com a maior crueldade o desventurado Major Chateauneuf, sendo os culpados d'esta morte os infames Jaques Felipe Landrecet, e o Capitão Luiz Guilherme Coelho, que aproximando-se do Major o principiarão a arguir, perante a multidão, do seu procedimento, excitando assim estes dois monstros os malvados para o assassínio, e foraõ os únicos officiaes, que tomarão sobre si o dirigir o Regimento, sendo estes os commandantes no fogo contra as tropas fieis. Escaparão n'esta occasiâo felismente á morte o Capitão Amaral, e o Major Caldeira. O Coronel Bivar escapou afortunadamente, passando. d'Olhão para bordo da escuna Nimfa, que se achava junto da barra. O Commandante d'esta embarcação o segundo Tenente da Armada Real, Francisco Xavier Auffdiener, havendo se conservado junto a Faro, se retirou d'esta posição, por ser avisado pelo Governador da Praça, António Pedro Lecor, que do Castello e pertendia fazer fogo sobre a Escuna, dando-se por motivo d'este procedimento agressivo o ter elle commandante dado protecção a seu bordo a muitos coustitucionaes. No meio d' esta crise, resolveo recolher-se ao Porto de Gibraltar, por que a Escuna não perrnitia outra viagem pelo seu estado de ruina; e com effeito realisando o seu projecto chegou a este porto no dia 7 de Junho do corrente anno trazendo a seu bordo alem do seu immediato, o Segundo Tenente da Armada Real, António Herculano Rodrigues, o Commandante do Cahique de Guera Inveja, Hermano Bastos de Azevedo, segundo Tenente da mesma Armada Real, o Tenente Coronel, graduado em Coronel do Regimento de Milicias de Lagos, Luiz Garcia de Bivar, António Nicolão Sabbo, João Pedro Lecor Ruiz [Buiz, referindo-se a Buys], aos quaes deu um generoso acolhimento, fugindo assim aos tristes males, que os ameaçavão no meio da sua disgraçada Pátria.

Gibraltar 29 d'Agosto de 1828.
ANTÓNIO NICOLAO SABBO.

11 de setembro de 2008

As fontes biográficas de Lecor

Como já tive oportunidade de referir, há muito pouca informação biográfica acerca de Carlos Frederico Lecor. As fontes são bastante escassas pelo período de 172 anos desde o falecimento do nosso Marechal.
Assim, torna-se de pouca dificuldade falar um pouco disso, adicionando uma pequena análise crítica.

I Período

ATUALIZAÇÃO [19/4/2013]: Encontrei uma fonte biográfica, num dicionário francês, editado em 1836 - ainda, portanto, em vida de Carlos Frederico Lecor. Este serve de base a Batista Lopes. Pode ler mais em http://lecor.blogspot.pt/2009/02/apos-algum-tempo-de-recesso-volto-ao.html .


A fonte biográfica de Carlos Frederico Lecor (CFL) mais antiga encontra-se na Corografia ou Memória Económica, Estadística e Topografica do Reino do Algarve, de João Baptista da Silva Lopes. Publicada em 1841 pela Academia de Ciências de Lisboa, a obra estava escrita em 1837 e foi apresentada dois anos depois nas actas da Academia.

A entrada respectiva indica que CFL nasceu em Faro em 11.9.1764, e que se instruiu em línguas na Holanda e na Inglaterra. Destacamento para a Bahia. Capitão na LTL.

Tendo acesso a fontes primárias, e o próprio formato da Corografia, não existem muitas discrepâncias. A mais significativa será porventura Lecor ter estudado línguas em Inglaterra, pois Lord Wellington adverte Hill, em 1809, que deveria comunicar com Lecor em francês, dado que o então coronel português não falava inglês.

Logo em 1841, através da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Tomo III, em comunicação de 12.8.1841 o brasileiro Dr. Thomas José Pinto C[S]erqueira corrige alguns pontos menores, e indica datas para o período brasileiro, nomeadamente data da reforma e promoção a Marechal do Exército (e não do império, como refere Silva Lopes).

Há todo um conjunto de referências biográficas de CFL tendo por base a Corografia do Algarve, nacionais e estrangeiras. Todo o esforço biográfico sobre Lecor no século XIX teve por base Silva Lopes, e o entendimento que Lecor terá nascido em Faro, quando nasceu, de facto, em Lisboa - assim como, aliás, todos os seus 4 irmãos.

II Período

Em 1944, mais de um século após a morte de Lecor, o General Teixeira Botelho, nos seus Subsídios para a História da Artilharia Portuguesa apresenta uma nota biográfica substancialmente diferente, na qual se vai basear quase inteiramente o General Paulo de Queiroz Duarte, quarenta anos depois, na sua obra Lecor e a Cisplatina.

As novidades que este autor apresenta estão fortemente baseadas na leitura dos Arquivos do (extinto) Conselho da Guerra, compilados por Claúdio de Chaby e por Madureira dos Santos. Estas sugerem que Lecor iniciou a sua carreira como Soldado Pé-de-Castelo (artilharia de guarnição) em Tavira, como indica um decreto promovendo Lecor (ou Licor, como está grafado aí) ao posto de Sargento.

Teixeira Botelho inicia a sua mini-biografia de Lecor com uma intrigante frase - "(...) foi, parece, natural de Faro (...)". Alguma informação que não consegui apurar, parece fazer este autor duvidar da antiquíssima informação que Lecor era natural de Faro. Será de supor que alguém, algures, terá tido a noção que Lecor não nasceu em Faro, mas sim em Lisboa. Este pequeníssimo pormenor ficará na penumbra, talvez para sempre. [8SET2014: não, nem por isso, Carlos Frederico Lecor nasceu a 6 de outubro de 1764, na paróquia de Santos-o-Velho, em Lisboa: Veja a postagem aqui.

Pensamentos Finais

É de notar, no entanto, que nenhum autor alguma vez determinou com exactidão a data e local de nascimento de Lecor, o que numa pessoa que viveu na segunda metade do século XVIII parece algo fora do normal, dado a existência bastante adequada de livros notariais. As datas normalmente apontadas são as de 11, ou de Setembro ou de Novembro, dos anos de 1764 ou de 1767. Cada cabeça, sua sentença.

Actualização [19/4/2013]: De facto, como indiquei em cima, Carlos Frederico Lecor nasceu a 6/10/1764, e foi batizado a 20/10 na Igreja Paroquial de Santos-o-Velho, em Lisboa ocidental. Leia também http://lecor.blogspot.pt/2008/02/afinal-lecor-no-farense.html .

Ora, àparte dificuldades de pesquisa, naturais, a minha questão é outra: Porque razão Carlos Frederico Lecor, o oficial combatente mais graduado a sair do final da Guerra Peninsular e comandante da expedicionária Divisão dos Voluntários Reais, é vítima de tão nebulosa biografia, de tantas desinformações e mal entendidos quantos os que acabo de referir (mais não seja pela quase total falta de esforços biográficos)?

9 de setembro de 2008

A Razão da Míngua

O caro leitor que cá volta segunda vez deve estar mal impressionado com a míngua de posts neste nosso blogue. Por isso pedimos desculpa. A razão passa muito pelo facto da Busca de Lecor se passar em cenários pouco digitais, no mundo dos arquivos e dos livros, tentando juntar fragmentos, conferir fontes primárias, para além da inevitável deambulação por outros assuntos que não o nosso bravo Marechal - um oficial francês anónimo do Exército Liberal que morreu em Faro, nos idos de 1833/1834, em consequência de um duelo - história verídica - é um bom exemplo, e daria um excelente romance histórico. Enfim...

Mais do que para apresentar as minhas desculpas aos senhores leitores, os que retornam (aqui lhes fica o meu eterno agradecimento) e aos estreantes, gostaria de sumariar os posts que virão acerca das Unidades de Lecor. Primeiro, relembro os que passaram:

I - Regimento de Artilharia do Algarve - [post]
II - Esquadra da Bahia (1795-1796) - [post1] [post2]

Seguirão no futuro próximo:

III - Legião de Tropas Ligeiras (1797 - 1805)
IV - Governo de Armas da Província do Alentejo (1805-1807) (1814-1815)
V - Leal Legião Lusitana (1808)
VI - Regimento de Infantaria n.º 23 (Almeida) (1808-1809)
VII - Divisão da Beira Baixa
(3 períodos: Fev-Mai.1809 / Fev-Set.1810 /Abr.1811-Abr.1813)
VIII - 6.ª Brigada Portuguesa (7.ª Divisão do Exército Aliado) (1813)
IX - Divisão Portuguesa (Exército Aliado) (1814)
X - Divisão dos Voluntários Reais (1815-1822)

E depois os comandos no Imperial Exército Brasileiro, de 1822 a 1830, nomeadamente do Exército do Sul na Guerra Cisplatina.

Haja fé, pois, neste vosso buscador que a musa Clio providenciará.

9 de julho de 2008

A Escrita da História



A nossa relação com a História tem sido sempre uma estória complicada, em que os profícuos modernos meios de comunicação mais têm feito por aprofundar. Permitam-me uma pequena acha para esta fogueira do conhecimento.


John Keegan, prestigiado escritor e professor (jubilado) na Real Academia de Sandhurst [na foto], ao promover, em 1994, o seu livro Uma História da Guerra (A History of Warfare), em resposta a uma pergunta simples - quem leria o seu livro?, aproveitou para dissertar acerca não só da escrita como da leitura da História, os seus esquemas de poder e legitimação. Li, traduzi e agora aqui coloco, pese embora a possível falta de contexto. Para eliminar mal entendidos, no final colocarei a ligação para a entrevista original, em língua inglesa:

Entrevistador: «Este livro, "A History of Warfare," qual a audiência alvo? Quem imagina a comprar este livro?

KEEGAN: Bem, espero que os meus colegas historiadores gostem, alguns gostam outros não, mas eu na realidade nunca escrevi para os meus colegas historiadores. O que eu sempre quis fazer foi escrever o tipo de livro que os outros historiadores tenham de levar a sério, mas que seja um livro para o leitor nornal educado que gosta de estar informado, de ter a sua visão do mundo aumentada acerca de um assunto particular. E eu penso que esta é a mais alta das vocações históricas. Eu desprezo muito... - desprezo quase - enfim, na verdade desprezo a direcção que a escrita histórica universitária tem tomado, na qual enorme esforço e anos de trabaho árduo são devotados a escrever livros que na verdade só interessam a algumas centenas, levantam questões acerca das quais apenas dezenas têm conhecimento enquanto questões e usam cada vez mais linguagem que só outros académicos percebem. Isso parece-me uma perversão da vocação do historiador. O historiador deve escrever para... o historiador deve ser uma pessoa educada, escrevendo para outra pessoa educada acerca de algo que esta última não conhece, mas deseja conhecer de uma forma que possa perceber

Entrevista original aqui.

29 de março de 2008

Leituras Cibernáuticas II - Biblioteca Nacional

Continuando uma viagem pelos livros disponíveis na Internet, não há não só como evitar a Biblioteca Nacional Digital, da nossa histórica Biblioteca Nacional, mas fundamentalmente divulgar o seu excelente trabalho em trazer a todo o Portugal e, na verdade, ao mundo algumas obras importantíssimas, sejam livros, mapas, gravuras ou mesmo partituras musicais.

No escopo da vida e tempos do nosso amigo Carlos Frederico, deixo-vos as seguintes ligações:

SORIANO, Luz (1866-1890) História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal comprehendendo a história diplomática militar e política d'este reino desde 1777 até 1834 - Lisboa: Imprensa Nacional.

NEVES, José Accursio das (1810-1811) Historia geral da invasão dos francezes em Portugal e da restauração deste reino, Lisboa: Off. de Simão Thaddeo Ferreira - 5 volumes.

ALMEIDA, António de (1797), Dissertação sobre o methodo mais simples, e seguro de curar as feridas das armas de fogo, Lisboa: Regia Off. Typographica.

O trabalho de digitalização é mais perfeccionista na BND do que no GoogleLivros, pelo que é pouco provável encontrar erros ou páginas em falta, ou como já vi uma vez ou duas, os dedos do operador da digitalização.

Que a nossa Biblioteca Nacional continue no excelente caminho que trilha hoje e que pela maravilha tecnológica, possa descentralizar os seus serviços desta forma. Aproveito, já agora, para mandar a mesma piscadela de olhos aos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo.

24 de março de 2008

Leituras Cibernáuticas I

Porque navegar é preciso, e dado que este blog faz aparentemente parte do complexo corporativo da Google, há que prestar homenagem ao serviço que é prestado pelo serviço Google Livros. Assim, inauguro um conjunto de posts destinados a publicitar alguns dos livros antigos que podem ser lidos lá e até baixados para o computador em confortáveis (ou nem por isso) ficheiros *.pdf.

A primeira fornada vai de encontro à temática da Guerra Peninsular, mas alcança também o início da década de 1820..

La Guerre de la Péninsule sous son véritable point de vue (...)
Autor: Domingos António de Sousa Coutinho (Conde do Funchal) [edição em língua francesa, 1819]
O autor foi o editor do periódico «O Investigador Português em Inglaterra». O livro fala de variadas temáticas e apresenta-nos uma visão portuguesa contemporânea à Guerra Peninsular.
http://books.google.com.br/books?id=MYcPAAAAYAAJ

Policia secreta dos ultimos tempos do reinado do senhor d. João VI
Autor: João Candido Baptista de Gouvêa (1835)
O autor publica arquivos da Alta Polícia, ou a polícia secreta, com os mais curiosos elementos, nomeadamente o relatório de boatos em zonas-chave de Lisboa. Fala ainda da organização da polícia e números de informantes em todos os órgãos do Estado.
http://books.google.com.br/books?id=ir49AAAAIAAJ

Itinerario lisbonense, ou Directorio geral (...) de Lisboa
S/autor, mandado publicar em 1804 por 'Ordem Superior'. Contém, em formato de directório, todas as ruas, travessas, becos, praças e calçadas da Lisboa de início de oitocentos. Não é grande leitura, mas está no espírito desta fornada.
http://books.google.com.br/books?id=lHADAAAAQAAJ

23 de março de 2008

Morreu Ivan Wasth Rodrigues


O grande ilustrador histórico brasileiro, Ivan Wasth Rodrigues, faleceu no passado dia 20 de Dezembro de 2007. Sobrinho do também ilustrador José Wasth Rodrigues, Ivan nasceu em São Paulo em 1927.

Entre a sua obra, destaca-se a ilustração da História do Brasil I e II e Casa Grande e Senzala, ambas editadas pela EBAL.

Para mim, mais do que o nome que invariavelmente vejo associado a todas as ilustrações do Exército Brasileiro, seja o colonial, seja depois o Imperial, é o homem que me forneceu muita da visualização de Carlos Frederico Lecor e das tropas que ele comandou do Rio de Janeiro a Montevidéu, passando pela marcha de Sta. Catarina à fronteira do sul. Sou-lhe particularmente grato pelas ilustrações do livro do General Queiroz de Duarte, Lecor e a Cisplatina.

Deixo-vos um exemplo da obra deste grande ilustrador (Soldado de Caçadores, 1816, em cenário tropical, in: Lecor e a Cisplatina - volume I) que deixará decerto saudade, mas também um conjunto artístico que ficará para o futuro. Quem sabe o público português possa ter um maior acesso à obra deste excelente artista.

20 de março de 2008

O Livro


Como já havia referido anteriormente, este nosso amigo Carlos Frederico Lecor é bastante negligenciado pela Historiografia. Fala-se periodicamente dele, mas não há uma bibliografia verdadeiramente elucidativa acerca da pessoa. Basicamente, Lecor é conhecido por ter topado a vanguarda de Junot em 1807, comandado a Divisão de Voluntários Reais na Cisplatina e por pouco mais.

No entanto, não há regra sem excepção, e está aqui entre nós, para deleite do leitor, a capa do excelente livro de narrativa militar à moda antiga, do General Paulo de Queiroz Duarte, Lecor e a Cisplatina 1816-1828, da editora da Biblioteca do Exército em 3 volumes, editados entre 1984 e 1985.

O autor tem como ponto central a ocupação militar da Banda Oriental, Cisplatina para nós (entrada no Reino do Brasil em 1821), tendo como eixo fundamental o principal obreiro militar e político - o nosso Carlos Frederico Lecor.

Com o acesso às fontes primárias brasileiras, nomeadamente as variadas cartas e ofícios enviadas e recebidas dos vários Secretários de Estado dos Negócios da Guerra, no Rio de Janeiro e mais à frente de Lisboa, o General Queiroz Duarte analisa várias questões acerca do homem, do comandante e do político.

Pese embora o sistema de notação bastante difícil de seguir, se de todo, o livro aparece verdadeiramente como um oásis no deserto que é a figura histórica de Lecor vista pela modernidade.

As lindíssimas ilustrações de Ivan Wasth Rodrigues adicionam uma mais valia à obra, mostrando alguns uniformes interessantíssimos como a de um oficial-general de 1814, muito parecido com o nosso amigo Carlos Frederico (até o facto da gravura representar um Marechal-de-Campo bate certo), embora a legenda nada diga. Eu cá digo que é o Lecor, a ver se um dia eu ponho a fotinha, desde que não desrespeite leis de direito de autor.

A título de curiosidade, comprei os 3 volumes num sebo no Brasil (sebo sendo alfarrabista para os Europeus), com uma excelente encadernação mandada fazer pelo Sr. Coronel Alcyomar, na loja Thelma e Roberto Ltda., no Rio de Janeiro, nos idos de 1986.