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15 de setembro de 2025

Fé de Ofício do brigadeiro Jorge Frederico Lecor (1822)



“[…] Brigadeiro Jorge Frederico Lecor = Filho de Luiz Pedro Lecor = de idade de dezessete anos quando assentou praça de Cadete = Altura de cinco pez duas polgadas e seis linhas = Cabellos castanhos claros = Olhos azues = Natural de Lisboa = sem officio solteito. Sentou praça de Voluntario e jurou Bandeiras em dez de Março de mil sete centos outenta e oito no Regimento de Infantaria de Faro. Passou para o Regimento de Artilharia números dois em dezasseis de Julho de mil sete centos e outenta e nove. Foi promovido ao posto de segundo Tenente da outava companhia do Regimento de Artilharia do Algarve em sete de Outubro de mil sete centos noventa e cinco. Passou a segundo Tenente de Bombeiros do ditto Regimento em dois de Novembro de mil oito centos. Passou a primeiro Tenente da seista Companhia do mesmo Regimento por Decreto de quatorze de Outubro de mil oito centos e dois. Por Decreto de quinze de Agosto de mil oito centos e cinco foi despachado em Major, com exercício de Ajudante de Ordens de pessoa do Vice Rey, e Capitão general dos Estados da India Conde de Sazerdas ficando agregado a este Regimento no mesmo posto. Por Ordem Geral do illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marechal Beresford comunicada em Officio do Senhor Marechal Commandante geral de Artilharia do Reyno de oito de Dezembro de mil oito centos e dez ficou com baixa neste Regimento por se achar naquele serviço. Passou a Tenente Coronel gradoado e Governador da Praça e Cidade de Damão por Patente do Vice Rey e Conde de Sazerdas dactada do primeiro de Setembro de mil oito centos e oito, e confirmada por Sua Alteza Real em dezassete de Agosto de mil oito centos e dez. Passou a Tenente Coronel effectivo gradoado em Coronel do Regimento de Artilharia de Goa por Decreto de Sua Alteza Real de dezassete de Dezembro de mil oito centos e onze. Passou a Coronel effectivo Commandante do Batalhão de Artilharia de Ilha da Madeira gradoado em Brigadeiro por Decreto de Sua Alteza Real dedoze de Outubro de mil oito centos e quatorze. Passou a Brigadeiro effectivo com o mesmo comando por Decreto de Sua Magestade de vinte e dois de Janeiro de mil oito centos e dezouto. Em lugar da observação diz assim. Fez a campanha do Rocilhon em Cadete a onde foi prisioneiro dos Francezes por espasso de nove mezes. Fez o acantonamento de mil sete centos noventa e sete em Elvas aonde esteve hum anno. Combateo com hum Corçario Francez na Costa do Algarve matando lhe cinco homens e salvando huma preza que o mesmo Corçario estava a ponto de tomar. Fez o campamento do Algarve em mil oito centos e hum passando a Praça de Castro Marim no dia em que os Hespanhoes attacarão aquella Praça, e a da Villa Real com treze barcas canhoneiras, e da lá marchou para o Alem Tejo com o resto do seu Regimento. Por esta Fe de Officio se mostra que o referido Brigadeiro tem trinta e quatro anos e doze dias de serviço completos em vinte e dois de Março do presente anno [1822] sendo os últimos cete anos quatro mezes e dez dias de Brigadeiro. E nada mais se contem no ditto assento ao qual me reporto. […]”


Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino, AHU-CU-146-001-0023-06351

7 de setembro de 2013

Herói da Brasileia Liberdade


Antes de mais, um pouco de poesia celebrando Lecor, Heroi da Brasilea Liberdade:

O anjo do Brasil então havia
Para as partes do Sul seu vôo erguido
Onde as tropas de Lisia ora regia
O portuguez Lecor, varão subido:
O Anjo em suas visceras ascendia
Seu fogo, e nelle já todo encendido
Se-dedicava, em sua intensidade,
Em favor da Brasilea Liberdade.

Mas prevendo este effeito o negro Abysmo,
Para as parte do Sul tambem voava
Com apressado vôo o Despostismo
Onde p’ra si desgraças encarava!
Voa com ele o mis’ro Servilismo,
Que neste empenho tanto o-ajudava!
E mal que nesse ponto ambos chegaram,
No esp’rito de Dom Alv’ro penetraram.

Tenta Lecor os seus ver dedicados
Ao Brasil onde, crê toda a justiça:
Mas aos lusos, por Alv’ro já ganhados,
Contra o Brasil o Servilismo atiça!
De Lecor os esforços são baldados,
Tanto póde de Alvaro a cobiça!
Deixou então Lecor seus companheiros,
Se-votando aos valentes Brasileiros!

Embora, ó luso, general honrado,
Com venturoso, e radiante effeito
Não fosse o teu esforço coroado,
O que tu viste com mortal despeito!
Tu serás no Brasil sempre lembrado
Por esse eterno, e glorioso feito!
Um nome te-concede a Eternidade
No templo da suprema Liberdade! 

in: Canto XI.
António Gonçalves Teixeira e Sousa, A Independência do Brasil – Poema Épico em 12 Cantos, 1855 (2.º Volume), RJ: Tip. 2 de Dezembro do P. Brito

23 de outubro de 2010

"1822" - Laurentino Gomes



Ando a ler o 1822, de Laurentino Gomes (Porto Editora) e, apesar de não ter a mesma força e consistência que o 1808, não deixa de continuar mostrar a boa prosa do autor e a capacidade de contar a História de uma forma articulada e consistente. Ainda que o título seja 1822, de facto Laurentino Gomes foca a sua narrativa no Imperador D. Pedro I e vai por 1823 até 1824.
É de louvar especialmente a grande capacidade do autor de 1822 em relacionar o passado com o presente, sem nunca abandonar o primeiro e sempre com forte pertinência.
Um ponto negativo, porém, para o conhecimento que o autor dispõe acerca da Cisplatina e do nosso amigo Lecor, mesmo que os acontecimentos no sul do Brasil não sejam diretamente focados na obra.
Ainda assim, será de indicar que Carlos Frederico Lecor era já Barão da Laguna desde 6 de Fevereiro de 1818 (o autor coloca-o como Barão a haver em 1822).
Por último, Álvaro da Costa não comandou apenas um regimento, mas sim a Divisão de Voluntários Reais, desfalcada, mas uma divisão (e tropas avulsas, como os Batalhões de Libertos e Milícias locais uruguaias).
Em conclusão, um livro a ler, com especial enfase da minha parte na teoria, original de Sérgio Buarque da Holanda, de que a Guerra da Independência Brasileira, foi, nos estrato da oficialidade superior, uma espécie de guerra civil portuguesa, liberais conservadores (no Brasil) vs. Cortes.

9 de maio de 2009

As Razões da 'Traição', ou porque Lecor passou a servir o novo Império do Brasil


Quem tem acompanhado este blogue, decerto já se terá deparado com uma das questões mais quentes acerca do homem Carlos Frederico Lecor:


Porque razão, em 1822, Lecor deixou de servir Portugal e passou a servir o novo Império Brasileiro?

Avancei, desde logo, algumas hipóteses, mas nada será melhor do que ler as próprias palavras do homem por trás da decisão.

A 1 de Junho de 1823, em Canelones, enquanto liderava o cerco a Montevidéu e aos remanescentes da Divisão de Voluntários Reais (então liderados por D. Álvaro da Costa), Carlos Frederico escreveu uma carta ao Ministro José Bonifácio Andrada e Silva.
Esta carta é um verdadeiro desabafo de alma, razão pela qual a transcrevo integralmente, pese embora a sua grande extensão, para que o caro leitor possa aferir e responder por si mesmo à pergunta.

Ela é transcrita a partir da obra Lecor e a Cisplatina do General Paulo Queirós Duarte, publicada pela Biblioteca do Exército. Está no volume II e vai das páginas 507 a 510. O 2.º e 3.º parágrafos são particularmente elucidativos à questão em mãos, mas toda a carta merece uma leitura.



Tive a honra de receber a muito lisongeira e polida Carta que V.Exa. se dignou distinguir-me, fazendo o favor, que devidamente preso, de se me dirigir particularmente e em confidência, e tratando-me com expressões que até, se eu as merecesse, seriam boas, para me encherem de vãs glórias, e a que não tenho outro direito, senão o que se funda no mais ardente desejo de que me venham bem; e como V.Exa. quando assim me fala tem por objeto principal a Glória das Armas de Sua Majestade Imperial, e a Dignidade e Independência do Grande Brasil, contemplando-me sobremaneira, mas com muita justiça, em me julgar empenhado intimamente, e com todas as minhas potências, em tão Grandiosa Empresa, não haverá para estranhar que seja eu tão franco e leal com V.Exa., como V.Exa. tão nobremente o foi comigo: no quadro que V.Exa. vai ver, achará o que eu sou, e quando me pintarem a V.Exa. com outras cores, poderá V.Exa. conhecer a diferença que há do original.


Quando eu renunciei aos interesses de um País, que me viu nascer, que me enchera de Honras, e onde outras me esperavam, e me liguei aos do Vasto Império do Brasil, tive em vista não só a justiça da Causa Sagrada que abraçava, mas o convencimento de que assim defendia os legítimos direitos do Herdeiro do Trono Português contra os planos evasivos do partido Espanhol, dominante nas Cortes de Lisboa, e porque no duro cativeiro de S.M.F. nada me parecia mais digno do que obedecer a Seu Augusto Filho, cujas virtudes e sublimes qualidades eu admirava: toda esta resolução, que é das que os homens da minha têmpera tomam uma só vez na vida, estava decidida a minha sorte, e quaisquer que fossem as alternativas da Política, elas já nada tinham comigo.


Então principiei para mim uma nova época na Carreira Política, e quase que me esqueci de todos os serviços que tinha rendido em mais de trinta anos de trabalho efetivo para, também, me esquecer dos sensabores e amarguras que eles me custaram, e se alguma vez recordava as contradições, que na minha complicada Comissão havia encontrado da parte de meus Subalternos, que me embaraçavam com uma Política oposta à minha; da parte do inimigo, que era necessário bater, e contemplar para que esta Província não ficasse um ermo, e nós todos por Canibais; da parte do passado Ministério pela impaciência com que ele, muito de longe do teatro da ação, queria forçar acontecimentos, que só tempo e paciência podiam fazer favoráveis, e porque alguma vez deu mais por vozes vagas, e acaso filhas de interesse particulares, do que pelas minhas informações oficiais; e da parte de vários outros agentes, que tiveram a influência de me mortificarem, era só para ter a consolação de dizer "bem, já tudo isto se acabou".


Esta não era a minha única satisfação, eu também cheguei a lisonjear-me, e V.Exa. me perdoará a presunção, de que sabida por S.M.I., e pelo seu Ilustrado Ministério a minha dedicação, e boa vontade, haviam os meus desvelos de procurar-me contentamentos na estação derradeira da minha existência, e não deixavam de me confirmar nesta persuasão documentos autênticos em Nome do Nosso Amável Imperador.


É verdade que várias Providências tomadas pela Repartição de V .Exa., e entre elas a da Comissão, que devia cuidar dos negócios deste País, ao passo que muito as respeitava, me causavam a maior penalidade; porque tinham um lado, que desgraçadamente foi o do maior e único efeito prejudicial aos Interesses do Império e de S.M., enquanto autorizam os outros, que me deviam respeitar, ou em mim deviam confiar, a faltar-me, e a pensarem, que eu era suspeito ao Ministério, e que ele desconfiava, ou fazia triste idéia das minhas operações; e sobre a Comissão, já que nada deverei ocultar a V.Exa., vem a propósito dizer que se ela não tem feito quanto mal podia, é porque eu o conheci em tempo, e o tenho, e continuarei a impedir.


O Síndico Procurador estava pelo seu lugar nas circunstâncias em que o considera a Comissão, e tudo o que ele me propusesse a bem do Império e desta Província seria por mim feito, como se fazia antes da Comissão; mas nem por isso aparecia a minha autoridade cerceada e vulnerável, nem estava ninguém fundado para julgar que S.M.I. tinha receios de mim.


O Brigadeiro Manoel Marques de Souza sempre manteve comigo a melhor inteligência, e se como Militar obedecia as minhas ordens, nunca por ele me foi proposta coisa que eu não aprovasse, em tudo isto porém era; conservada a ordem militar.


É bem certo que depois da Comissão, salva a minha quebra na opinião pública, se tem continuado o necessário equilíbrio entre mim, o Síndico Procurador e o Brigadeiro Marques; mas Exmo.Sr., há quem perdeu a cabeça na Comissão, porque esta o tirou da sua esfera, e desejarei que algum lance de firmeza da minha parte, e que opiniões absurdas me arrancaram, basta para acalmar a vertigem e assim me veja eu dispensado de desabonar, perante V.Exa., indivíduos que tanto devem à Nação, e que parece preferirem aos interesses dela os seus particulares: tudo isto porém eu ainda combinava, conhecendo, que em Política, posto que seja injusto, é prudente viver desconfiando em casos arriscados, e tomar providências de cautela, que o risco autorize, e por tanto naquelas circunstâncias do Brasil, eu me resignava a que se desconfiasse de um General europeu, que se achava à testa da Força européia, atacada de opiniões exaltadas, e peninsulares; quando porém chegou à minha mão a respeitável Carta Imperial, datada de vinte e oito de janeiro p.p., publicada no Diário do Governo n.º 53, fiquei aniquilado, e confesso a V.Exa. que naquele momento me julguei o homem mais infeliz do Universo; porque não podia evitar que o desagrado que S.M.I. me intimava fosse transcendente aos negócios públicos, a mim confiados, e ao melhor proveito do Seu Imperial Serviço, como já sucede, havendo-se aqui desenvolvido, desde aquela ocasião, um dispersível conciliábulo, cujos incansáveis trabalhos e diligências têm por fim declamar contra quantos eu faço, levar as Tropas à insubordinação e ao levantamento, exagerando-lhes a sua paciência e sofrimentos, e compadecendo-se farisaicamente das suas poucas comodidades, e forcejando por continuar a insurreição da gente da Campanha, louvando e detalhando os muitos melhoramentos de que esta Província é capaz, como são Universidades, Fábricas, Pontes, Canais e outras Grandezas e Estabelecimentos, que há na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos!!! e carregando a mim e ao Síndico Procurador a falta deles, como provam aos seus prosélitos, com o frisante contexto da veneranda citada Carta Imperial: V.Exa. diz bem que só com grandeza de alma e sacrifícios se levam ao cabo grandes projetos; porém, Exmo.Sr., o meu espírito não é tão forte, nem tão elevadas as minhas faculdades, que me não causassem o mais vivo sentimento as veementes reconvenções de S.M.I., mais ainda porque a minha consciência as não deixava recear; para ela é que eu apelei na minha angústia, e a direitura do meu procedimento me tem dado forças para esperar que o tempo e a mesma ordem dos acontecimentos convençam a S.M.I. e a V.Exa. de que, se eu não mereço elogios, é tão crítica a minha posição, que deve escusar-me de reprimenda. Em campo, e fazendo a Guerra àquelas mesmas Tropas, que comandei, que conduzi à Vitória, e que me granjeariam honras e considerações; necessitado a dividir-lhes as forças, porque de outro modo, se as minhas ainda agora são pequenas, muito menores seriam, se àquelas chegassem a reunir-se; obrigado a guardar uma Providência, incitada por mil brilhantes aparências, e poderosos aliciantes a repelir o nosso Governo. e tudo isto quando mais escassos eram os meios que eu tinha para o fazer; quando a sua longa estada neste País contra os seus engajamentos as trazia descontentes; sem pólvora; sem cartuchame; sem barracas; sem armamentos de reserva; porque a precipitação, com que saí de Montevidéu, para cumprir as ordens de S.M.I., nada disto me deixou tirar, e que por certo tiraria, como naquela ocasião disse ao Síndico Procurador, e ao Brigadeiro Manoel Marques, se não tivesse que satisfazer as desconfianças que de mim havia, e que a minha Carta a S.M.I., ainda Príncipe Regente, devia ter desvanecido, e sacrificar assim o tempo, que precisava para salvar os dois Batalhões de Libertos; para extrair da Praça quanto conviesse às minhas Tropas, e quanto cumpria subtrair-se às da Divisão, e para tomar várias outras providências, cuja falta cada dia ha de ir sendo mais sensível, e rodeado de outros mil embaraços, que talvez ainda me veja no caso particularizara V.Exa., quando acabe de me decidira não tomar sobre mim faltas alheias; e por cúmulo de males suspendido o aceite das minhas letras, de que ainda a nudez das Tropas se está ressentindo, e que maiores males teria causado a não serem os sacrifícios crédito de D.Tomás Garcia: são circunstâncias que se clamam para quem está no meio delas, ao menos aquele favor, que é indispensável para que ele desempenhe a Comissão que lhe está incumbida: a obsequiosa Carta de V.Exa. e a muito fiel informação, que o Coronel Flangini me tem dado dos esforços incansáveis de V.Exa. pelo Grande Brasil, e pelo Esplendor do Império e a segurança da generosa vontade com que V.Exa. deseja que lhe fale com franqueza, me tem animado a ser tão sincero com V.Exa. que não hei de deixar mal posta a confiança cavalheira com que V.Exa. me abona, eque serei muito feliz se a continuara merecer de V.Exa. para mim, e para as minhas informações, no que me empenha, não minha pessoal reputação, mas sim a das Armas de S.M.I., que tanto quero, e me interessa promover, e que não devo expor, nem exporei, sempre que esteja convencido de que elas podem sofrer um desar, que nas atuais circunstâncias do Brasil e deste Estado é prudente e até necessário evitar; embora me fosse aqui dito oficialmente "que a S.M.I. no es doloroso ningún sacrificio de Ias fuerzas que el Poderoso ha depositado en Sus Reales Manos", asserção que de qualquer modo tomada é para mim absolutamente falsa, e nada conforme ao conhecimento que tenho do Caráter Paternal de S.M.I., que se muito zela os interesses de seus súditos, e muito mais preza o sangue deles, e seguramente me demandaria a mais pequena gota vertida, se outro arbítrio a pudesse poupar; esta é a minha resolução, quais quer que sejam as opiniões das pessoas que por aqui pensem de outro modo: porque estão livres da responsabilidade que sobre mim pesa e, que se pesasse sobre elas, seriam menos pianistas e mais comedidas em criticar as minhas operações, até invocando o Nome de S.M.I. e do Ministério, para semearem nesta Província a divisão e o descontentamento, e acaso a reduzirem ao estado de desordem em que, para seus fins, a desejam, e que para desautorizarem o que os outros fazem, e dar-se importância, facilitam as coisas mais difíceis, porque têm o suficiente descaramento para não se envergonharem, quando o resultado é contra elas e as desmascara.


O meu fim é acertar, nem a outras fortunas eu aspiro, e par dar a V.Exa. disto prova mais convincente, fiz o que nenhum General deve fazer; consultei os meus subalternos em matérias de que o Comandante-Chefe nunca lhes deve dar satisfações, e sobre que, se ouve alguém direta, e positivamente, ou não tem plano, e obra ao acaso, ou arrisca tudo, porque franqueia o segredo das suas operações; e pela cópia, cujo original levo à Soberana Presença de S.M.I., pela Secretaria d'Estado dos Negócio da Guerra, verá V.Exa. qual é, sobre o procedimento que deve aqui haver, a opinião das pessoas que têm responsabilidade, que estão sobre os acontecimentos, que hão de trabalhar, e que têm toda a honra, meios e vontade para bem o fazer, e poderá V.Exa. compará-Ia com a charlatanaria das que só esperam tirar lucro da vitória, e não participar dos riscos e perigos dela.


Para concluir, só me resta dizer a V.Exa. que assim como assegurei a Sua Majestade Fidelíssima que havia de conseguir mais breve do que pensava, e sem grandes males, a Pacificação, que me estava encarregada, quando toda a gente, que enganava o Ministério, criticava a torto e a direita as minhas disposições, assim também espero, e não sem fundamento positivo, ver-me livre da Divisão de Voluntários Reais e restabelecer a boa ordem nesta Província, apesar da Comissão, dentro de pouco tempo, e sem grande efusão de sangue.



As reflexões que V.Exa. se serviu enviar-me não me são novas, como outras que a V.Exa. terei a honra de elevar; mas V.Exa. sabe que, nas circunstâncias em que eu me tenho achado, não pode, sem milagre, fazer-se tudo o que é preciso, e de que me ocuparei quanto caiba nas minhas forças e nos meios que estiverem à minha disposição.

9 de setembro de 2008

A Polémica da Traição

Uma das problemáticas em qualquer esforço biográfico acerca de Carlos Frederico Lecor é quando se chega aos acontecimentos de 1822 e 1823, na Cisplatina, e que envolvem a deserção de bastantes portugueses e tomada do serviço ao nóvel Império Brasileiro. Para os portugueses, uma traição; para os brasileiros, uma tomada de posição heroica, um dos seus pais fundadores.

Aproveito estarmos em Setembro, mês da independência brasileira, para falar disto, um pouco apenas, pensando em voz alta (no passo dia 7, o Brasil cumpriu 186 anos de independência).

Não estando na cabeça de Lecor nesses anos, apenas poderei especular educadamente a razão pela qual ele deixou o serviço português e abraçou a causa independentista brasileira. É óbvio também que não foram apenas acontecimentos isolados, mas toda a sua vivência, que o levaram a abraçar o novo país.

Alguns autores apontam para uma pretensão por parte do governo português de trocar a Cisplatina por Olivença, negócio a fazer com Espanha e que resultaria na volta da potência colonizadora ibérica à Banda Oriental, em revolta desde, pelo menos, 1811. Este rumor terá inicialmente destinado Lecor a desligar-se do seu país.

A minha questão, no entanto, é saber até que ponto o pensamento político de Lecor não será a chave desta questão. A independência do Brasil está intimamente ligada à burguesia mercantil brasileira, à sua relação com a Inglaterra e, fundamentalmente, com o espírito liberal da época.

Poderemos também especular que a classe a que Lecor pertencia não lhe oferecia uma ligação forte à terra, acumulando isso com uma carreira militar errante, sem domicílio fixo. Também é de notar que Lecor vinha de uma família de imigrantes, mercadores estrangeiros que se haviam fixado em Portugal há menos de um século.

Por outro lado, há que tomar em conta uma veia conservadora em Lecor, que o terá feito, de certa forma, hostil às Cortes de Lisboa, as mesmas que planeavam a troca da Cisplatina. Muitos encontram no Brasil um refúgio do liberalismo selvagem da burguesia lisboeta e portuense. Muitos viram ainda em D. Pedro um líder forte, ao contrário do temeroso D. João VI, agora refém de Lisboa.

De notar que a presença das Cortes não se manifestava apenas em cartas e pressões do outro lado do Atlântico, mas das mais próximas pressões dos seus próprios subordinados da Divisão de Voluntários Reais, que frequentemente se amotinavam aos mais variados níveis, mesmo um dos seus coroneis, Claudino Pimentel, comandante do 1.º Regimento de Infantaria, em 1821, e que culminou na criação do Conselho Militar - que Lecor, a contra gosto, aceitou.

Pedindo desde já desculpa ao caro Leitor pela caoticidade destas minhas linhas, prometo em breve lançar-me mais consistentemente à descoberta deste período, armando uma interpretação mais coerente.