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15 de setembro de 2025

Fé de Ofício do brigadeiro Jorge Frederico Lecor (1822)



“[…] Brigadeiro Jorge Frederico Lecor = Filho de Luiz Pedro Lecor = de idade de dezessete anos quando assentou praça de Cadete = Altura de cinco pez duas polgadas e seis linhas = Cabellos castanhos claros = Olhos azues = Natural de Lisboa = sem officio solteito. Sentou praça de Voluntario e jurou Bandeiras em dez de Março de mil sete centos outenta e oito no Regimento de Infantaria de Faro. Passou para o Regimento de Artilharia números dois em dezasseis de Julho de mil sete centos e outenta e nove. Foi promovido ao posto de segundo Tenente da outava companhia do Regimento de Artilharia do Algarve em sete de Outubro de mil sete centos noventa e cinco. Passou a segundo Tenente de Bombeiros do ditto Regimento em dois de Novembro de mil oito centos. Passou a primeiro Tenente da seista Companhia do mesmo Regimento por Decreto de quatorze de Outubro de mil oito centos e dois. Por Decreto de quinze de Agosto de mil oito centos e cinco foi despachado em Major, com exercício de Ajudante de Ordens de pessoa do Vice Rey, e Capitão general dos Estados da India Conde de Sazerdas ficando agregado a este Regimento no mesmo posto. Por Ordem Geral do illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marechal Beresford comunicada em Officio do Senhor Marechal Commandante geral de Artilharia do Reyno de oito de Dezembro de mil oito centos e dez ficou com baixa neste Regimento por se achar naquele serviço. Passou a Tenente Coronel gradoado e Governador da Praça e Cidade de Damão por Patente do Vice Rey e Conde de Sazerdas dactada do primeiro de Setembro de mil oito centos e oito, e confirmada por Sua Alteza Real em dezassete de Agosto de mil oito centos e dez. Passou a Tenente Coronel effectivo gradoado em Coronel do Regimento de Artilharia de Goa por Decreto de Sua Alteza Real de dezassete de Dezembro de mil oito centos e onze. Passou a Coronel effectivo Commandante do Batalhão de Artilharia de Ilha da Madeira gradoado em Brigadeiro por Decreto de Sua Alteza Real dedoze de Outubro de mil oito centos e quatorze. Passou a Brigadeiro effectivo com o mesmo comando por Decreto de Sua Magestade de vinte e dois de Janeiro de mil oito centos e dezouto. Em lugar da observação diz assim. Fez a campanha do Rocilhon em Cadete a onde foi prisioneiro dos Francezes por espasso de nove mezes. Fez o acantonamento de mil sete centos noventa e sete em Elvas aonde esteve hum anno. Combateo com hum Corçario Francez na Costa do Algarve matando lhe cinco homens e salvando huma preza que o mesmo Corçario estava a ponto de tomar. Fez o campamento do Algarve em mil oito centos e hum passando a Praça de Castro Marim no dia em que os Hespanhoes attacarão aquella Praça, e a da Villa Real com treze barcas canhoneiras, e da lá marchou para o Alem Tejo com o resto do seu Regimento. Por esta Fe de Officio se mostra que o referido Brigadeiro tem trinta e quatro anos e doze dias de serviço completos em vinte e dois de Março do presente anno [1822] sendo os últimos cete anos quatro mezes e dez dias de Brigadeiro. E nada mais se contem no ditto assento ao qual me reporto. […]”


Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino, AHU-CU-146-001-0023-06351

14 de julho de 2025

Carta de D. Quitéria Luísa Marina Lecor a D. Miguel Pereira Forjaz (Faro, 26 de novembro de 1819)

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

A bondade de VE é quem segura o perdão do meu atrevimento. Eu sou mãe dos quatro lecores que vossa excelência (VE) muito bem conhece, e até estou persuadida que eles merecem a honra da Amizade de VE, e recebendo eu carta do meu filho o tenente general barão de Laguna, atualmente comandante do exército de Montevidéu, nela me pede lhe mande seu sobrinho Cristiano Frederico Lecor Buys, meu amado neto, julgo com o plano de junto a si o fazer seguir a carreira militar, eu de boa vontade sacrifico o particular afeto que lhe tenho, só para que ele vá ser útil à pátria e a um tão benigno soberano, sendo sempre os meus sentimentos se mais filhos tivesse mais empregaria no Serviço de sua Majestade. Porém, excelentíssimo senhor, não estranhe VE que uma extremosa avó procure a segurança e o bom comado [cómodo?] da passagem de uma longa viagem, a um neto a quem adoro. Consta-me que uma embarcação de guerra se prepara para fazer viagem para o Rio de Janeiro, sendo assim vou por esta pedir a VE por graça especial a sua mercê de um aviso para o comandante da embarcação que for, lhe dar a sua passagem, só assim ficará este coração tranquilo pelo livrá-lo daquela parte do perigo de inimigo (que não é pequeno) e quando isto se encontre com as disposições de VE (o que não suponho) terei paciência – expô-lo-ei a todos os perigos, só por satisfazer os desejos de meu filho. Os meus [meios?] de ir servir a pátria e ao seu bom rei aonde dele mais // necessita. Torno a pedir a VE mil perdões pela minha liberdade, por uma parte, pelo excessivo afeto ao viajante, e por outra pelo meu natural patriotismo.

Sou com todo o respeito

De VE

Muito atenta veneradora [?] criada

Faro, 26 de novembro 1819

D. Quitéria Luiza Marina Lecor

Illmo. e exmo. Sr. D. Miguel Pereira Forjaz


Respondeu-se-lhe que não haveria dúvida em que fosse na Vasco da Gama.

Em 2 de dezembro 1819.


Fonte

Arquivo Histórico Ultramarino, AHU-ACL-CU-065, Caixa 2, Documento 1030


Maria Leocádia Leonor nasceu a 3 de setembro de 1744, em Portimão, filha de Nicolau Krusse, mercador de Hamburgo, e de D. Catarina Maria Buys. Casou com Luís Pedro Lecor em Lisboa, no bairro de Santos, a 3 de fevereiro de 1761.

Deste casamento nasceram Carlos Frederico, em 1764, João Pedro, em 1766, António Pedro, em 1768, e Jorge Frederico e Maria Leocádia Leonor. Algures na década de 1770, foi viver para Faro. É de crer a forte possibilidade do seu marido ter falecido algures nesta altura (ou saído da vida da esposa e família), porque carece de presença na vida pública das redes familiares dos Krusse, Buys e Lecor no Algarve. Tinha 75 anos à altura da carta.

Cristiano Frederico Lecor Buys, neto de D. Quitéria, nasceu a 22 de julho de 1797 em Faro, filho de João Pedro Buys e de Maria Leocádia Leonor Lecor (filha de D. Quitéria e irmã dos “quatro lecores”). Em 1822 era cadete, tendo servido no Exército brasileiro até à sua morte em 1882, reformado no posto de major. Tinha 22 anos à altura da carta.


23 de setembro de 2018

Carta da Viscondessa da Laguna à cunhada, D. Inés (6 de Dezembro de 1836)


Carta da viscondessa da Laguna, Rosa Maria Josefa Deogracias de Herrera y Basavilbaso Lecor, à sua cunhada, Inés Pérez Muñoz, quatro meses após o falecimento do visconde, Carlos Frederico Lecor.

"Rio Janeiro 6 de Diciembre de 1836.

Mi querida hermana

Mucho te agradezco el interés q.e tomas en mi desgracia. El estado en q.e ha quedado mi corazón és ciertamente digno de lástima mi cara Inés, yo quería mucho al Visconde y era por el idolatrada, ¿que mas podía apetecer ni q.e me podrá hoy consolar? 

Mas en fin, querida Amiga, esto mismo me alivia, porq.e nunca puede ser una Muger tan querida sin merecerlo; así pues, la idea de haber hecho su felicidad, me conforta, y el cariño de ustedes me hará pasar el resto de mi vida conforme y tranquila. 

Estimo mucho el estado de buena salud de mis sobrinitos [Juan José, Luis Pedro, María, y Alfredo de Herrera y Perez], así como el cariño q.e has sabido infundirles hácia mi. Los hijos de mi hermano [Luis] siempre serían muy caros a mi corazón querida Inés, mas siendo estos tambien tuyos, tienen mucho mas derechos a mi cariño, y te aseguro, q.e siento por ellos un afecto q.e no te puedo explicar, así como el deseo de conocerlos y abrazarlos. 

Entre tanto que no llega ese dia, dispon como gustes dela verdadera amistad q.e te profesa tu Hermana y antigua Amiga, ROSA"

(Archivo particular de la señora Manuela de Herrera de Salterain, Montevideo).

In: Salterain y Herrera; Eduardo de, "Lavalleja, La Redención Patria" in: Revista Historica, Periodico del Museo Histórico Nacional, Año L - (2.ª época) 1 - Tomo XXV, Montevideo, Marzo de 1956 - Nos 73-75. p. 68

Imagem
Igreja de S. Francisco de Paula, Rio de Janeiro in: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Igr_lgo_s_francisco_rj.jpg


13 de janeiro de 2016

Do nascimento e família



Vista da Rua das Trinas, Lisboa, à entrada 
da actual (então rua) do Pé de Ferro
Lecor


ORAÇÃO 
‘Deos Mestre das sciencias, que as escondestes aos grandes do mundo, 
e que as revelastes aos pequenos, fazei-nos a graça de que tomemos o estudo 
por penitencia, a fim que o que aprendermos seja sem erro, e sem vaidade.’
Luiz Pedro Lecor, Lição XL, das obrigações de hum menino Cristão. Educação de Meninos, 1746

Carlos Frederico Lecor, mais propriamente Carolus, como escrito no seu assento de batismo, nasce a 6 de Outubro do ano de 1764, na rua Pé de Ferro (hoje travessa), no bairro de Santos-o-Velho, na zona ocidental de Lisboa. A sua mãe é D. Quitéria Luísa Marina Krusse Lecor, 20 anos, de Vila Nova de Portimão. O pai é Luiz Pedro Lecor, de Paris, próximo dos quarenta anos de idade.

Nascida a paróquia de Santos-o-Velho da Praia ribeirinha, todas as suas casas e ruas descem sobre o rio Tejo; a paróquia não dista 50 passos de um lado ao outro. Em 1758, apenas seis anos antes de Carlos nascer, e três após o grande terremoto de 55, Santos-o-Velho tinha 1836 fogos, e 8403 pessoas de confissão, além de mais de mil, os hereges e não constados do rol de confissões. Este número era em 1758 já superior, apenas três anos após a catástrofe.

Carlos foi batizado nessa mesma igreja paroquial, catorze dias após o seu nascimento. O seu padrinho e também seu tio materno, Carlos Frederico Krusse, deu-lhe os nomes próprios. A sua tia, D. Vitória Berarda Marciana Krusse, de 19 anos, foi a madrinha.

Nos anos seguintes, ainda em Santos, nascem os irmãos de Carlos. João Pedro nasce dois anos depois, a 7 de Outubro de 1766, a pequena família agora residindo na rua São João da Matta, a um pequeníssimo quarteirão da rua Pé de Ferro. António Pedro, a 6 de Setembro de 1768, Jorge Frederico e Maria Leocádia Leonor, muito possivelmente em 1770 e 1772.

Carlos Frederico e os seus quatro irmãos  nascem numa família alargada de comerciantes e homens de negócios, de múltiplas origens europeias, como os Buys, de Hoorn, na Holanda, os Krusse, de Hamburgo, ou os Lecor, de Paris e Marselha. A própria natureza dos negócios destas famílias os fazia estar frequentemente nesses portos europeus, embora tivessem escolhido Portugal para assentar e criar família.

Os Krusse

Hamburgo (1)
A profícua prole de Nikolaus Krusse e D. Catarina Maria Buys, os avós maternos de Carlos, nasceu entre 1733 e 1750 em Portimão. Tiveram sete filhos. Nikolaus, ou Nicolao, era um negociante proveniente de Hamburgo que assenta raízes familiares em Portimão, casando-se com D. Catarina Maria.
Nikolaus passou primeiro por Pernambuco, nos anos 20 do século, no El Dorado brasileiro, onde era sócio de um Pedro Graaf, holandês, mas num processo iniciado em 1726, motivado por alguns comerciantes portugueses descontentes, foram ambos chamados a Lisboa. Ficou definido que em razão das nacionalidades e respetivas implicações diplomáticas, Pedro Graaf poderia ficar, mas já Nikolaus Krusse deveria abandonar a praça. Fê-lo, a contragosto, no início de 1730, montando loja em Portimão.
Tiveram nessa cidade algarvia em 1733 o seu primogénito, Carlos Frederico Krusse, tio-padrinho de Lecor, e mais seis filhos, incluíndo a mãe de Carlos, D. Quitéria Marina, em 1744, e a madrinha, D. Vitória Berarda, um ano depois.

Carlos Frederico Krusse assume o negócio de seu pai, desde que este falece, em 1758, em Santos-o-Velho. É bastante provável que a família tenha vindo para Lisboa, após o Terremoto de 1755 ter destruído boa parte de Portimão, assim como provocado estragos substanciais na maior parte das terras litorais do Algarve. A Igreja paroquial da Nossa Senhora da Conceição, no centro de Portimão – onde pelos menos seis  Krusse foram batizados, era no final de 1755, apenas ruínas.
Ainda assim, o Algarve manteve sempre a sua importância nos negócios da família, nomeadamente a exportação de alfarroba e alecrim para o Norte da Europa e o envio de trigo alentejano pelo Guadiana para Lisboa. Forma, pelo menos desde a década de 1770, a Costa, Krusse e Companhia, com Manuel José Gomes da Costa, importante negociante da praça de Faro. Esta sociedade, para lá da exportação de produtos algarvios, emprestava dinheiro, estabelecendo com força a identidade social de homens de negócio, que trabalham a grosso, e já longe do simples retalho. Carlos Frederico Krusse é também cônsul da Holanda em Faro.

Os Buys

Hoorn, Holanda
A avó materna de Carlos, D. Catarina Maria Buys Krusse, era filha de Jan Pieter Buys, holandês, e de D. Maria Teresa, espanhola  de Huelva (Guelba, dir-se-ia então), em Espanha.  Jan Pieter, grafado João Pedro nos documentos, veio da cidade holandesa de Hoorn (a norte de Amsterdão) para Portugal, assentando raízes em Faro, no reino do Algarve.
António Pedro Buys, irmão de D. Catarina e tio de Carlos, teve, com D. Teresa Maria cinco filhos, todos sensivelmente da mesma geração de Carlos, e que convivendo em Faro, partilharam as brincadeiras com os primos Lecor. João Pedro, primogénito e herdando o nome do avô, nasce em março de 1765, sendo apenas cinco meses mais novo que Carlos Frederico. Vitória Teresa nasce em 1769 e Germana Máxima Guilhermina em 1771.

O mais velho, João Pedro Buys, assume mais tarde os negócios da família, em 1794, após o falecimento do seu pai, constituindo sociedade com Carlos Frederico Krusse. Ambos eram donos de uma frota de caíques  que leva  trigo dos portos alentejanos do Guadiana para Lisboa. Ainda antes, em 1791, é cônsul de França no Algarve, facilitando a comunicação entre mercadores. João será também tenente-coronel do Regimento de Milícias de Faro. O seu compromisso com a sociedade farense é claro, não só pelo referido acima, mas pelas inúmeras ocasiões em que João é padrinho de batismo, tanto na Sé, como em S. Pedro. É ele que representa a Junta de Faro na revolta de 1808, juntos dos barcos ingleses, em virtude de ter bom domínio da língua inglesa.

(1) Aquarell "Prospekt der Kaiserlich Französischen Stadt Hamburg" von Johann Marcus David, 1811

24 de maio de 2011

Mais acerca do Pai de Lecor

Descobri agorinha mesmo, anúncio publicado na Gazeta de Lisboa, n.º 2 de 9 de Janeiro de 1748 [ver em GoogleLivros]. Já escrevi sobre o livro de Luiz Pedro Lecor anteriormente.

Um dos nomes referidos, João Francisco Lecor, aparece-me pela segunda vez. Já José Acúrsio das Neves se refere a ele nas Noções Históricas, Económicas e Administrativas (1827), como tendo feito um pedido à Junta de Comércio para fundar uma fábrica de botões de metal, isto em 1760. Particularmente interessante é que Acúrsio das Neves aponta-o como português de nascimento, o que poderá indicar que a família Lecor já tinha membros em Portugal há algum tempo. Pista fresquinha, portanto.

14 de janeiro de 2011

O Pai de Lecor, ou a Educação de Meninos (1746)


Há três posts atrás [aqui], versando sobre o período formativo de Carlos Frederico Lecor, falei em dois pequenos parágrafos acerca do pai, Louis Pierre, ou Luís Pedro Lecor . Este terá nascido por volta de 1720, em Paris, na paróquia de Saint Eustache.

Em 1747, encontramo-lo pela primeira vez em Portugal, pois é neste ano que ele edita o Livro de educação de meninos ou ideas geraes e definiç[ão] das cousas que devem saber [ficha na BNP]. Este livro é, fora dos seus dois casamentos e 5 baptismos dos filhos, uma das únicas duas pista s que nos restam do homem , juntamente com o Privilégio Real por dez anos outorgado por Dom João V, nos seus livros de Mercês, sobre a mesma obra.

Sabemos então que Louis Pierre Lecor era tradutor, livreiro e pedagogo. Tradutor, porque a obra é traduzida do francês, apesar de ser acrescentada e diminuída onde o mesmo achou adequado. Livreiro, porque Luis Pedro pediu e obteve os direitos autorais sobre a obra pelo prazo de dez anos. Pedagogo pela própria natureza do livro, onde através de 49 capítulos, ele versa sobre tudo o que os meninos cristãos devem saber.

O livro é curiosamente dedicado a Sua Alteza a então Princesa da Beira, Dona Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, futura Rainha Dona Maria I (tinha 12 anos em 1746), conforme o caro leitor poderá aferir da dedicatória ao início da obra:

«Serenissima SENHORA,
OFFEREÇO a V. A. este Livro, não só para acredita-lo, estampando nelle o Augustissimo nome de V. A., que basta para lhe adquirir o mayor credito, e honra; senão também, porque, sendo a sua matéria a Educação das idades tenras, não seria sufficiente para causar a utilidade, q promette, se juntame~te com o dictames, q prescreve, se não visse nelle o Exemplar da educação mais egrégia, mais regulada, e mais perfeita, qual he a q no Augustissimo Nome de V. A. se insinua. Dictame he Evangelico, que devemos emprehender assemelharnos ao Exe~plar Divino; não porque esta semelhança se possa cabalmente conseguir, mas para que com este Exemplo á vista cheguemos áquella altura, que a nossa possibilidade alcança: e por semelhante modo offerecendo eu a V. A. Este Livro, nelle proponho hum Exemplar, que, supposto não pode ser completamente igualado, póde com tudo servir de estîmulo, para que os poucos annos se encham de progressos heroycos, vendo os que V. A. Tem feito em annos tão poucos não sem admiração, e pasmo deste Reyno, o dos estranhos, aonde tem chegado os eccos dos exercícios virtuosos, e litterarios, com que V. A. não só vence a agilidade, com q o tempo corre, adiantando-se mais que elle, mas também promette vencer a sua voracidade; porque a pesar della vivirá eterno, e respeitado no Templo da Memória o Augustissimo Nome de V. A. Digne-se pois V. A. De aceitar esta offerta, que será outro publico monumento da benignidade, com que V. A. Se distingue, aceita-la, sendo cousa tão pequena. Guarde Deos a Real Pessoa de V. A. Para credito desta Monarchia.
Luis Pedro Le-Cor»

Tive o prazer de poder consultar em micro filme a obra, e ter uma excelente perspectiva do contexto ideológico que Carlos Frederico terá usufruído e que ajudou a formar o homem que estudamos neste blogue. Com pouca surpresa, verifiquei que a educação proposta por Luís Pedro é própria do Antigo Regime, conservadora e monárquica, mas polvilhada já de um forte carácter iluminista, como o prova o extracto seguinte:

«(...) he necessário abrir-lhe os olhos do entendimento em mil cousas, q sendo-lhe precisas; lhe podem também ser deleitáveis; pois do contrario nasce a ignorância, com q até certa idade se não distingue dos brutos, não percebendo o que se lhes diz, nem sabendo responder ao que se lhes pergunta; porque o juízo não sabe usar do que não conhece, assim como entre as trevas não tem uso a vista.
»


Em formato pedagógico e acessível de Pergunta/Resposta, Luis Pedro Lecor sumariza as três coisas vitais que um menino deve saber e conhecer: «primeira, deve conhecer-se assi mesmo: segunda, deve conhecer a Deos, que he seu Creador: terceira, deve conhecer as creaturas, que forão feitas para o homem».

Como aprende o homem então a conhecer-se: «Estudando primeiro, do que he composto: segundo, de onde vem: terceiro, porque está no mundo: quarto, em q há de reduzir-se, depois de não estar nelle».

Concluo um já extenso post, com uma impressão do delicado balanço que noto em Luis Pedro Lecor para não conflituar com a igreja católica portuguesa. Na obra, é dito que o Sol gira em torno da Terra, teoria essa (Geocentrismo) que nesta altura já estaria em descrédito, até porque 11 anos depois, o Igreja abandonou a proibição de menções ao heliocentrismo. Penso isto não por algum juízo de valor 260 anos depois, mas porque noto em toda a obra uma preocupação de Luís Pedro na apresentação adequada e o mais moderna possível dos aspectos científicos que ensina.

Imagem
- Retrato a óleo da Infanta D. Maria Francisca Isabel Josefa (futura rainha D. Maria), em 1738, da autoria de Francesco Pavona (fonte: Wikicommons)

28 de setembro de 2008

A tia de Lecor, D. Senhorinha Rosária Lecor

Faro, Vila Velha (Wikicommons)

Nas minhas andanças pelos arquivos deste nosso Portugal, ao mais frequente desalento e descortinar de becos sem saída, por vezes soma-se uma descoberta que abre um oceano de possibilidades.
Quem lê os meus humildes posts, saberá decerto que sobre Lecor há mais incorrecções e incertezas do que o seu contrário. É preciso pois escavacar os caminhos da memória que, ao longo dos 172 anos desde a morte de Lecor, tem sido inundado de vegetação espessa. Se não pode ser à catana, também não pode ser de luvinha branca.

Até recentemente, julguei que Louis Pierre Lecor, o pai de Carlos Frederico, havia vindo sozinho para Portugal. Um julgamento na verdade bem falível, pois apenas se baseou na falta de informação de outros Lecor.

Agora, no Arquivo Distrital de Faro, encontrei o óbito da tia paterna de Lecor, D. Senhorinha Rosária Lecor, solteira, falecida na Paróquia da Sé, a 26.10.1796.

Somado a isso, Acúrcio das Neves, afamado economista do início do século XIX, fala de um João Francisco Lecor, 'portuguez de nascimento' que teria apresentado, por voltas de 1760, uma proposta de indústria de botões fora do controle da guilda profissional.

Uma das possibilidades que sempre considerei, mas para as quais não tinha provas (nem circunstanciais) abre-se agora e pede pesquisa: Que Lecor é filho de um dos industrialistas europeus que inundaram (não tanto quanto necessário) o Portugal da segunda metade de setecentos, inseridos num esforço de modernização presidida pelo Marquês de Pombal.

Não me sentia assim desde que comecei a desconfiar que Lecor não havia nascido em Faro, mas em Lisboa. Ou que ele teria começado a sua carreira militar como soldado pé-de-castelo e não como cadete.

Vamos a ver, caro leitor, o que uma viagem aos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo poderá fazer por mim. É bom que faça algo, pois cada dia mais que passa, mais cresce em mim a biografia do nosso amigo Carlos Frederico Lecor. Possa a divina Clio conduzir a minha pena.

9 de maio de 2008

Coisas que nunca mudam...

Illmo. e Exmo. Senhor

As tristes circunstâncias, em que me acho, me obrigão a hir por este modo pedir a V. Exª. a mercê de ouvir meu irmão Carlos Frederico Lecor, a quem tenho encarregado aprezentar a V. Exª. o meu requerimento, e documentos juntos; e igualmente expor a V. Exª. que sendo eu o unico ofecial de Artilharia que pedio a sua demissão para não servir com os Francezes, nem por isso tenho comseguido aumento no Serviço capaz de dar a perciza manutenção. Deus guarde a V. Exª.

Albufeira, 12 de Dezembro de 1814


De V. Ex.ª
Subdito Obediente

João Pedro Lecor

Esta carta é auto evidente e insere-se em inúmeras outras que já li, onde o Estado não paga o que deve aos militares. Há coisas, portanto, que nunca mudam...

Por outro lado, fica claro que João Pedro Lecor era Governador da Praça de Albufeira, e Major, até esta data, e muito provavelmente até rumar a Belém, integrado na nóvel Divisão de Voluntários Reais do Príncipe (vide post anterior "João Pedro Lecor" - Março 2008).

6 de maio de 2008

As Famílias Lecor, Krusse & Buys

O período formativo de Carlos Frederico Lecor passou-se, em maior ou menor medida, no seio de 3 famílias, todas ligadas entre si, pertencentes aquilo que se convenciona chamar de burguesia mercantil. Primeiro, a própria família Lecor, formada por Louis Pierre e D. Quitéria, pais de Carlos. Por parte da D. Quitéria temos a família Krusse (também grafada Kruse ou Cruzi) e a família Buys (grafada também Buiz, Buis ou Buyz).

A mãe de Carlos, D. Quitéria Marina Luísa, era por parte do pai, uma Krusse, e por parte da mãe, uma Buys. Ambas estas famílias operavam negócios em Lisboa, mas fundamentalmente no Algarve, onde entre outras coisas mantinham Caíques (barcos tradicionais do sotavento algarvio, e que deram supostamente origem às caravelas) que transportavam cereais de Mértola para Faro e daí para Lisboa.

Ora, com base nas localizações de nascimentos, casamentos e mortes, consigo estabelecer um triângulo geográfico onde posso localizar o tal período formativo de Carlos Frederico: Lisboa, no ângulo superior, e Portimão e Faro, nos inferiores. Cada cidade está relacionada com uma das famílias;

- Os Krusse originalmente de Portimão, terão ido para Lisboa após o terremoto de 1755; tinham negócios em Faro;
- Os Buys, com negócios e moradia em Faro (juntamente com os Krusse);
- & os Lecor, inicialmente estabelecidos em Lisboa, mas cujos filhos todos acabam em Faro, o que explica o facto de todos se terem alistado no Regimento de Artilharia aí sediado.

Os 3 apelidos têm também origens internacionais, sendo os Krusse de Hamburgo, os Buys da Holanda e os Lecor de Paris. Curioso será notar que dos 4 avós de Carlos Frederico, não há um único nacional português, excepto talvez Catarina Maria Buys, portuguesa de 1.ª geração, filha por sua vez de um holandês e de uma espanhola.

Assim, serve este post de introdução a outras personagens que iremos falar no futuro, tais como o tio-padrinho, Carlos Frederico Krusse; a irmã de Carlos, D. Maria Leocádia Leonor e o seu marido, João Pedro Buys (por sua vez sócio de Carlos Frederico Krusse); ou o jovem alferes Carlos Ernesto Krusse que morre em combate a 19 de Novembro de 1816, na chamada batalha de India Muerta, ao serviço da Divisão de Voluntários Reais, na Banda Oriental.
Não esquecerei também Vicente Antônio Buys, artilheiro, que acompanhou Lecor na escolha do serviço brasileiro (daí o acento circunflexo, à moda americana).

31 de março de 2008

João Pedro Lecor


Carlos Frederico Lecor era o irmão mais velho dos cinco filhos de Louis Pierre e da D. Quitéria Mariana Luísa. Logo a seguir vinha João Pedro, 2 anos mais novo. (na foto, a Igreja Paroquial de Santos onde Carlos e João foram baptizados).

João Pedro Lecor nasceu no dia 7 de Outubro de 1766, em Santos-o-Velho, paróquia de Lisboa. Os pais e o bebé Carlos moravam na Rua de São João da Matta, quando receberam o novo rebento da família.

João ingressou como Cadete no Regimento de Artilharia do Algarve (RAA), em 17 de Novembro de 1792. Em 1793 vai para a Campanha do Rossilhão, onde, ainda como Cadete, chega a comandar batarias e onde acaba por ficar prisioneiro dos Franceses durante 10 meses.
Ao retornar a Portugal, em 1795, é promovido a 2.º Tenente da 4.ª Companhia do RAA. A sua carreira prossegue regular, sendo promovido a 1.º Tenente em 1/3/1797 e graduado em Capitão a 13/2/1800, sempre na 4.ª Companhia de Artilheiros.
A 17 de Dezembro de 1805, João é promovido a Capitão efectivo, desta feita da 6.ª Companhia. Faltavam então 2 anos para nos vermos invadidos pelos Franceses e pelos Espanhois.

Não sabemos se João acompanhou o seu irmão numa fuga para a Inglaterra, se simplesmente se demitiu, mas é certo que em 17 de Novembro de 1809, é Governador da Praça de Albufeira, com o posto de Sargento-Mor (Major, hoje em dia).
Não tenho, infelizmente, mais dados acerca do que João fez durante o período da Guerra Peninsular, mas calculo que se manteve no cargo de Governador da Praça de Albufeira (ainda ocupava este cargo em Outubro de 1810), pois não participou no Exército Português de Operações.

Terá sido promovido a Tenente-Coronel por altura da formação da Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, em que funcionou como ajudante d'Ordens do irmão Carlos Frederico, o comandante.
Em 1818, já tem o posto de Coronel e em 26 de Março de 1821, é promovido a Brigadeiro.

Em 1823 é um dos militares que acompanham Carlos Frederico Lecor para o serviço do nóvel Império Brasileiro, estando decerto entre os nomes da nota de deserção enviada para Lisboa pelo Brigadeiro Álvaro da Costa de Souza Macedo.

Pouco sei acerca do seu serviço no Brasil, apenas que faleceu no dia 7 ou 8 de Julho de 1844, nas funções de vogal do Conselho Supremo Militar e no posto de Marechal-de-Campo (actual General-de-Divisão, no Brasil), sendo sepultado no Convento de Santo Antônio (usando a grafia brasileira).

Ao contrário do seu irmão, João deixou descendência, entre o quais se encontra um outro Carlos Frederico Lecor, que trabalhava no Ministério dos Negócios Estrangeiros brasileiro em 1851.

Quando houver novos desenvolvimentos, trarei a este blog. Consta no entanto que foi perante uma parada de tropas, sob o comando de João Pedro, que o Imperador D. Pedro I teve um dos seus ataques epilépticos. Mais sobre isto quando puder desenvolver.