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6 de dezembro de 2011

Instrucçoens para os Corpos de Guerrilhas (transcrição)

« O Snr. Marechal Commandante em Chefe nomeará os Commandantes, e lhes dará huma graduação, conforme ao seu merecimento.
Depois de nomeado o Commandante e de formada a Companhia ninguem a poderá deixar sem licença do Commandante, e todos devem inteiramente obdecer-lhe. Os Corpos ficarão sugeitos aos Artigos de Guerra, como todas as outras Ordenanças, e desde que o inimigo for lancado fora poderão retirar-se a sua caza, como as outras Ordenanças.
Os Mappas dos Corpos serão mandados cada segunda-feira ao Quartel General, derigindo-se ao Ajudante General. Estes Mappas serão pello modello incluzo.
Serão acompanhados estes Mappas com as partes de todos os acontecimentos da senmana antecedente, assim do que fez a Companhia, como do que se sabe do inimigo na Vezinhança.
Cada Commandante de Companhia dará os nomes dos engajados na sua Companhia ao Capitão Mór do Districto, e adverte-se que as Companhias devem ser inteiramente compostas das Ordenanças não admitindo nellas nem Soldados de Linha, nem de Milicias; pelo contrario prenderão todos desta natureza, e os mandarão ao General da Provincia.
Estes Corpos devem quanto for possivel ficar dispersos nas suas Povoaçoens, junctando-se unicamente // para se defenderem, ou fazer hum ataque, e os Commandantes devem sempre cuidar muito em terem as melhores intelligencias do inimigo. A intelligencia para estes Corpos he mais util, do que h~ua addicção de força, pois que ella lhe dará sempre a certeza de atacar o inimigo em maior numero, ou de se retirar se acontecer o contrario.
No terreno de Portugal nada há que temer da cavallaria: ella serve mais para impôr, do que para o Serviço: e as Guerrilhas basta que a não temão para a baterem, tomando unicamente cuidado de naõ se exporem nas poucas planicies, que há na Beira e ao Norte de Portugal.
Tudo quanto as Guerrilhas tomarem ao inimigo sejão cavallos, machos, trastes, etc. será seu, e vendido em seu proveito.
As Guerrilhas devem tomar muito cuidado em destinguir os dezertores do inimigo, e de lhe fallar com bom termo, mandando-os todos, assim como os Prezioneiros, debaixo de escolta ao Quartel General mais proximo, se o do Exercito estiver muito distante.
Os Commandantes de cada Companhia combinarão seos ataques sobre o inimigo; conforme á informação, que tiverem do seu número, e dois ou trez Commandantes vezinhos se poderão reunir onde o inimigo estiver em força. //
Estes Corpos devem sempre ser activos, e não deixarem jamais socegar o inimigo, e os ataques de noite são particularmente favoraveis àquelles que melhor conhecem o terreno, e fazem que seja de menor effeito a vantagem da Disciplina: he por isto que os ataques de noite se recommendão às Guerrilhas; porem nestas occazioens atirar fora do alcance he muito prejudicial, e fará mallograr a empreza, e se devem adiantar (…) muito perto do inimigo.
A falta de experiencia das Guerrilhas, fazendo-as atirar antes de tempo, o que não produzindo effeito não faz mais que avizar o inimigo: ellas por este motivo nunca atirarão a mais de cem passos. O ataque de noite sempre cauza muita consternação.
Quando as Companhias de Guerrilhas se encontarem o Commandante de maior graduação, ou patente mais antiga commandará os outros.

NB. Cada Corpo de Guerrilhas não terá mais de 3 sargentos.

Quartel General da Lagioza, 20 d’Agosto de 1810.»

Transcrito de Arquivo Histórico Militar - AHM/DIV/1/14/184/32.

18 de fevereiro de 2010

Unidades de Lecor III - Legião de Tropas Ligeiras

Hum corpo de Tropas que guarda o Exercito - que aplana as dificuldades diárias que espreita os momentos favoráveis - e que até descobre muitas vezes as tençoens do inimigo, parece que deve ser ligeiro, tomado este termo no sentido fizico; e tãobem no moral, não deixando ao Estado mais trabalho, do que o da simples despeza para a sua mantença, nem ao General outro cuidado se não o de empregar onde preciza, sem nenhuym embaraço sobre a sua subsistência. (Setembro 1796, 3.º Marquês de Alorna [na foto, em baixo, em 1805, com a esposa e os dois filhos, fardados à Legião])

De acordo com as fontes disponíveis, em 1 de Março de 1797, Carlos Frederico Lecor entra como Capitão na Legião de Tropas Ligeiras. É incerto em quais cargos e sub-unidades o nosso herói terá servido. Em 1801, durante o período anterior e mesmo durante a Guerra das Laranjas, Lecor estava na Zebreira (muitos diriam Zibreira na altura), a comandar cerca de 200 homens. Estes homens eram de 2 ou 3 companhias diferentes de infantaria da Legião.

Zebreira resultava, como resulta ainda hoje, na ligação das duas estradas que vão para Espanha, uma em Segura, outra em Salvaterra do Extremo. Lecor estaria, pois, no comando de um posto da 2.ª linha de defesa da Divisão da Beira, comandada primeiro pelo Marquês de Alorna, chefe da Legião, e depois pelo idoso General João Dordaz e Queirós.

Em 1803, no relatório de uma inspecção à Legião de Tropas Ligeiras, é referido esse serviço de Lecor, mormente na queixa dos soldados em terem sido pagos abaixo dos trabalhadores civis. Aparte as coisas do dia-a-dia da unidade, nem sempre suficiente claras para o inspector (Marechal de Campo Rodrigo de Lencastre), na demonstração de manobras, a Legião é elogiada, na medida em que havia tido que improvisar regulamentos desde o seu início; decerto desde que Alorna e os seus colaboradores haviam traduzido manuais de infantaria ligeira e utilização coordenada das 3 armas, em Francês. Deduzo que Lecor, filho de um tradutor francês, Louis Pierre, tenha tido o seu uso nesta demanda para além da relação pessoal com Alorna.

Apesar de se apontar 1796 como data da origem da Legião, só em 1798 é que a unidade se activa, de acordo com a sua 1.ª Ordem, a 11 de Março de 1798, em Estremoz.

O seu papel foi fundamental, no Exército Português, para a experimentação do uso de tropas ligeiras permanentes, especialmente no uso coordenado da infantaria, cavalaria e artilharia a cavalo. Provou-o eficazmente na Beira, em 1801, mas todo o combate aconteceu em outros lados.

No início de 1806, Lecor comanda interinamente a Legião, até que o novo comandante, Barão de Wiederhold, tome posse. Já em Junho desse mesmo ano, está de novo com Alorna, novo Governador de Armas do Alentejo.

21 de outubro de 2008

Viagem de Campo - Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira

Em posts anteriores, acerca das unidades de Carlos Frederico Lecor, referi-me ao Regimento de Artilharia do Algarve (o n.º 2, a partir de 1806) como a sua primeira unidade. De facto, tal não é inteiramente verdade. Lecor, antes de ingressar, nos finais de 1794, como 1.º Tenente da 9.ª Companhia, no Regimento sediado em Faro, ainda cumpriu serviço em duas unidades entre 1793 e 1794 - o Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira e a Praça da Vila Nova de Portimão. No primeiro, foi soldado, cabo-de-esquadra e sargento de artilharia pé-de-castelo (de guarnição); no segundo foi ajudante do Governador, presumivelmente já como oficial.

Antes de prosseguir, devo referir que entre os militares oriundos da burguesia era vulgar acessarem à classe de oficiais a partir de praça, na medida em que não podiam acessar a cadetes. No entanto, a sua categoria era em tudo semelhante à de cadetes, pois estudavam activamente para serem oficiais. Em muitos documentos oficiais, encontramos mesmo a designação sargento-cadete.

Ora, tendo isto tudo em vista, decidi fazer uma viagem para visitar a primeiríssima de todas as unidades deste grande oficial. Como o Forte de S. João é hoje um hotel, em Cabanas de Tavira, não visitei o interior, ficando isso para outra altura, presumivelmente pagando 100 euros em época baixa para poder dormir nos, hoje, luxuosos quartos onde dormiram há 200 anos os oficiais inferiores (actualmente dir-se-iam sargentos).

O Forte de S. João do Registo da Barra de Tavira, também designado por Forte da Conceição, Forte de S. João Baptista ou simplesmente Forte de S. João, foi mandado construir em 1670 pelo então Conde de Val de Reys, Capitão General do Reino dos Algarves para proteger a passagem da barra de Tavira para a Ria Formosa, assim como tomar o registo de todas as embarcações que entravam e saiam. O Forte é basicamente uma estrela de 4 pontas, com baluartes nos ângulos, dois deles virados à Ria. A porta principal está virada para terra e tem placas indicando a construção inicial e a posterior reedificação por outro Conde de Val de Reys, D. Nuno de Mendonça e Moura, trineto do primeiro.

Como nos informa a ficha deste forte no sítio do IPPAR [aqui], com "o açoreamento da ria e o desvio da barra para nascente, a fortaleza da Conceição perdeu as suas funções militares", acabando o imóvel por cair em mãos privadas no primeiro quartel do século XX. Segundo apurei, o hotel que está lá hoje aproveitou bastante bem o espaço, não o descaracterizando por aí além, sendo avaliado por alguns turistas como um excelente Bed & Breakfast - já agora, deixo aqui a ligação.



Não vi o hotel por dentro, embora me roa a curiosidade. A porta estava ciosamente fechada, guardada e filmada. Quem sabe alguma alma caridosa me deixasse penetrar o reduto, mas confesso que o exterior me deixou satisfeito. Embora um viçoso arvoredo vista as muralhas viradas a terra, para Norte e Leste, as muralhas estão bastante visíveis nos outros lados, permitindo ver um forte extremamente bem preservado e bastante bonito, no seu estilo sóbrio do século XVII.

Este forte honra a belíssima zona que o envolve, junto a Cabanas de Tavira, à direita de Tavira, com a sempre fantástica Ria Formosa em frente. Antes de ir ao forte propriamente dito, não hesitei em passear à beira-Ria que estava a encher, num dia que, se nublado, não nega ao Algarve a sua luz de sempre, mais ainda reflectida pelo azul atlântico do mar salgado que se estende, parece, ao infinito.

Sem dúvida, um belo passeio que só me puxa a passear por todo santíssimo forte e fortaleza da costa algarvia. Deixo-vos com uma foto que tirei mesmo em frente à muralha sul, mostrando o cenário que Lecor veria todos os dias quando pegava ao serviço, durante o relativo curto espaço de tempo em que lá esteve, de Outubro de 1793 a Março de 1794.

29 de maio de 2008

Unidades de Lecor I - Regimento de Artilharia do Algarve

Regimento de Artilharia da Guarnição do Algarve

Apesar de alguns autores indicarem que Carlos Frederico Lecor terá iniciado a sua carreira militar como soldado pé-de-castelo (artilharia miliciana de guarnição) na praça de Tavira, tendo progredido como cabo e sargento, e outros que terá assentado praça no regimento algarvio de artilharia como cadete, a verdade é que só há notícia certa dele como Ajudante da praça de Villa Nova de Portimão em 1794, um ou dois anos (conforme as fontes) após assentar praça. Servia como oficial adjunto ao governador da praça algarvia.

Em 2.12.1794, é superiormente sancionada a troca de Carlos, em Portimão, com um 1.º Tenente da 9.ª companhia de artilheiros do Regimento de Artilharia do Algarve, António Pimentel Vabo. Só podemos pensar que Lecor era 1.º Tenente ou equivalente à altura da troca. Seja como for, começou ele então a servir neste regimento ininterruptamente até que passou à Legião de Tropas Ligeiras, em 1797 (que analisaremos no 3.º post desta série).

Acontece que os regimentos de artilharia da altura, quatro (o da Côrte - Lisboa, o do Porto, o de Estremoz e o de Faro) não eram regimentos no sentido em que o eram os de infantaria e cavalaria, mas mais unidades administrativas que geriam os recursos artilheiros conforme as necessidades. As necessidades passavam pela guarnição dos fortes e praças, assim como o fornecimento de equipas de artilheiros às naus da nossa Armada.

O Regimento de Artilharia do Algarve começou a ser organizado em Setembro de 1774. Incumbido da organização estava o Coronel Diogo Ferrer, do Regimento do Porto, que veio para Faro, e que concluiu a tarefa nos inícios de 1775. Este regimento, como os outros de artilharia, de acordo com o alvará de 1766, era constituido por 12 companhias, 9 de artilheiros, uma de bombeiros, uma de mineiros e uma de artífices e pontoneiros. Como nos regimentos de infantaria a 1.ª, 2.ª e 3.ª companhias eram respectivamente comandadas pelo Coronel, Tenente-Coronel e pelo Sargento-Mor (isto até 1796).

O regimento nunca teve um quartel, ficando os seus integrantes alojados pela cidade de Faro. Sobre a sua constituição em 1791, diz o Conde de Val de Reys o seguinte: “... naquele regimento se acham 141 praças incapazes de continuar o real serviço, comprehendo nelas 54 por serem viciosos, debeis e mal figurados, e 87 por terem moléstias reputadas incuráveis”. Falamos de um quarto da força total de cerca de 643.

A situação deste regimento deteriou-se ao ponto de do Brigadeiro Bernardim Freire, numa inspecção em 1803, indicar que a aula regimental não funcionava desde que o Coronel Costa Cardoso tomara o comando, em 1793, entre variadíssimos outros problemas. O maior problema porém, que afectava a disciplina e qualquer espírito de corpo, era que grande parte do regimento era destacado para fora da cidade de Faro, por vezes por anos a fio, muitos embarcados nas esquadras portuguesas dessa altura. Num mapa de 1801, verifica-se que andavam embarcados desde Setembro de 1796 nos corsários Tigre e Onça, destacamentos do regimento; e no Milhafre e canhoneira Lobo, outros desde Maio de 1798.

O próprio Lecor é destacado para servir como oficial artilheiro na Nau Príncipe Real (com 90 peças, a maior nau portuguesa da altura) na chamada ‘Esquadra da Bahia’ formada em 1795, comandada pelo tenente general Bernardo Ramires Esquível para proteger um comboio comercial vindo do Brasil para Portugal. Será o seu último acto como oficial de artilharia, e como Napoleão (comparação algo inédita, mas pronto) parte para outros voos. Falarei do pouco que sei desta aventura no próximo post desta série – a Esquadra da Bahia.

Sobre os comandantes deste regimento, há que referir os dois que dizem mais respeito ao nosso jovem Carlos Frederico Lecor: primeiro, o Brigadeiro Teodósio da Silva Reboxo, que comandou o regimento de 1783 até 1793, muito conceituado dentro da artilharia e que contribuiu fortemente para uma certa fama da aula regimental. Pelas datas, é pouco provável que Lecor tenha servido debaixo das suas ordens e mesmo assim terá já sido numa fase de declínio. Segundo, o Coronel Costa Cardoso, que terá encontrado o regimento bastante desorganizado, o quartel-mestre demente fazia um ano, os livros em desordem.

Assim era o estado da artilharia portuguesa na década de 1790, e em geral apenas representativo do geral estado do Exército Português antes dos desastres de 1801 e 1807.